Uma Aproximação À Comunidade Islâmica
Do Alcorão – Norma de Conduta Social e Religiosa
in Adalberto Alves
Luís de Sousa Peixeira
E X Ó R D IO
Os dias agitados em que a sociedade contemporânea tem mergulhado, dão-nos sinais apoquentadores da perturbação crescente, dos modos gratuitos, este habitante estranho adentro das vertentes culturais que chega dia após dia, no alcance similar alcançado de geração em geração, até ao presente, momento inquietante, irritadiço com as ondas e marés de frustração, perigosamente arrastadas, consumidas por comportamentos indiferentes, irresponsáveis, irrealistas, bizarros, vindos de todas as partes, fugindo a um amadurecimento que se pensava já concretizado.
Para quem vive distraído, as estatísticas informam que desde 1987, já morreram mais de meia centena de pessoas em Portugal, vítimas de racismo, racismo este de formas e contornos desavergonhados infiltrado de maneira cínica [também] subtilmente, metido nos manuais escolares. Infelizmente, inspiração conseguida pela via da importação de outras experiências pouco ou mesmo nada felizes.
No fenómeno inquietante da globalização onde existe um gradual processo de força caracterizada – nas estatísticas demográficas – nem sempre do mais certo mas inevitável acto de heterogeneidade resultante das economias de mercado rendidas que ficaram ao sistema de origem capitalista, criador de todo um clima vivente de conveniências, modelos em permanente desgaste, de especulação, rendimentos permanentes nos ciclos vitais já esgotados e seus multiplicadores de investimentos, levam-nos a acreditar nas desdobradas realidades que todo este mundo novo a que muitos não conseguem, nem se esforçam ver nem querer compreender, libertar ou mesmo desenvolver motes de coragem no pico da razão para reformas de atitude e de parecer.
Por força, a racionalização psicológica tem desta maneira uma intervenção vinda do estudo e trabalho religioso numa equação envolvente, sobrando o pensamento tolerante submetido ao “eu” mais consciente. Merece esta perspectiva uma franca reflexão à nossa própria rudeza, inquietações e comportamentos pouco ideais numa sociedade que se deseja civilizada, podendo assim apostarmos todos no trabalho pelo imperativo diferencial do comportamento destrutivo que é também um mecanismo para defesa e aprofundamento das diferenças de valor moral, podendo nós aprender o caminho da concepção mutável na expressão máxima das ideias, até às intervenções.
Deste modo, novamente, precisa-se uma verdadeira adaptação no contexto claro, ao apelo da liberdade, da alegria, do espontâneo; porque só desta forma nos podemos sentir generosos e conhecer no preceito o conselho daquilo que não é imposto, mas sim proposto. A exposição encontrada no res et sacramentum, [o mistério da eucaristia], não diverge muito da comunhão feita no juramento dos fiéis de Hudaybiyya que chega do ano VI da era de Hégira.
Descobrimos o que resta na experimentação dos estados de alma quando esta quer atingir o seu lugar, lutando para combater o vazio diante de si, avançando com o pensamento e descobrindo o contacto; por assim dizer, a essência espiritual ser igualmente uma conquista, permanecendo desde a observação das Escrituras, a famosa “Laila´t-ul-Cadre” [A Noite do Poder]. Aquela em que o Profeta recebeu a primeira revelação do Alcorão, perto de Meca, na 26ª noite no mês do Ramadão, altura destinada ao jejum, à meditação e penitência, coisa encarada de igual modo em Maomé como o momento da salvação e descanso espiritual.
Daqui aos movimentos migratórios com a sua longa duração de séculos, particularmente no território europeu, cresceram em larga escala depois da Segunda Grande Guerra, não só em virtude das necessidades de mão de obra com efeito para a recuperação dos países e das cidades destruídas, como assim o desenvolvimento económico trouxe novas oportunidades de investimento, crescendo vários sectores, com particular destaque o da marinha comercial, aproveitando desta forma mais os países nórdicos, transformando-se estes em grandes industrias navais, uma riqueza que obrigou a estratégias de importação de pessoas vindas de África, Médio Oriente, América Latina, Ásia e até a partir do próprio espaço europeu, de países com menor desenvolvimento; casos da Grécia, Portugal e territórios ultramarinos, Espanha, ex-Jugoslávia, nações estas à época marcadas por ditaduras – a situação extra da guerra colonial para Portugal, foi das piores – e a Itália, mais tarde, país emergente, industrializando-se nos anos de 70, passando também a receber imigrantes. Muitos destes, dos quais de origem ou de educação islâmica, ocupam fatia relevante na maioria dos países da União Europeia onde no presente já ultrapassam os 22 milhões, uma população que não pode e não deve ser discriminada nem esquecida. O exemplo da Rússia mesmo ainda na era da União Soviética foi a de reconhecer dentro dos valores socialistas as diferenças das suas repúblicas onde as que estão colocadas a Oriente, de tendência islâmica, atingem já hoje mais de duas dezenas de milhão.
Lamentavelmente, mais a Ocidente, perante este facto, quase ao longo de toda a História, mais têm sido as palavras do que os actos, ficando o desenho das vontades e do poder criativo apenas naqueles que efectivamente lutam, pensam, investigam com o seu bom senso, criam a oportunidade de uma maior comunicação, lembrando melhor que a pedagogia é um dos possíveis caminhos nos quais a força desta comunicação se espalha, brilha e cria laços de afinidades pelo qual, afinal, ambicionamos todos no fundo dos nossos sentimentos, pensando se não será o sapiens um eterno nómada neste planeta quando não se consegue entender com a sua própria natureza? __O que o retém? A sua complexa psicologia e ou a sobreposição de valores [nefastos] ainda cozinhados no seu âmago de primitivo aconchegado ao acanhamento, isolado no recanto da mediocridade disciplinada pelos conhecimentos ocos de um saber que abrange uma só via?
Dizem ser o mundo feito de mudança, feito de riquezas e nelas existir a exigência das variedades potenciadas pela própria natureza das coisas; neste obstante, certamente fará de nós, logo, intervenientes directos nesta saga humana elevada a um escalão servido pelo processo evolutivo, imutável circunstância devoradora dos princípios de fronteira, criados exactamente a partir do crescente processo de critérios de prioridade maniqueísta em prejuízo de um pensamento maior, levando a riqueza dos poderes do espírito humano e da boa vontade às tentações do mal compreendido e, a partir de fraquezas, o obscurantismo conquistar as suas aberturas para ocupações garantidas nas sensações absolutas das persistentes realidades e do velho altruísmo, favorecendo assim os desentendimentos, o desassossego, incertezas e a instabilidade entre os povos.
Por entre saudações devidas e apelos de e para a obrigatoriedade sobre o relacionamento saudável, bom será que estas diferenças, notoriamente e naturalmente culturais, consequentemente de origem religiosa, fossem a boa lição numa ordem de permuta aproveitável e disseminada pelo querer de alguns que sem mais receios apostam numa maneira bem mais aberta, sincera, cordial, precisa e afectiva, nas relações entre seres de culturas, credos, mesmo processos de educação diferentes; provocando por escala uma desejável quebra de barreiras, um crescer aqui relacionado com o saborear de novas aptidões, aquelas que nos são impostas todos os dias destes tempos modernos, marcados pelos desafios da diversidade.
A integração de culturas é uma realidade desejável que já não pára, assim como os desafios de certos entrelaçamentos religiosos que se estão a realizar criando novos caminhos e outros desafios que muitos não querem ver, outros detestam, e outros, infelizmente, ainda desconhecem. Assim sendo, não deixa de ser urgente, para proveito de todos, uma aplicação correcta dos conhecimentos e do combate às falhas deste, como oportuno é esta preocupação partir de alguém ligado ao princípio ético, sair em defesa de uma maior segurança do saber, para desta forma também podermos entrosar nas culturas vigentes da sociedade portuguesa, uma sociedade a caminho da vida em comum com toda a multiplicidade étnica-cultural que se adivinha, transformar inevitavelmente a geografia da “raça” lusitana em tempos futuros, isto é, sem prejuízo.
Numa abordagem simples, clara e sem fugir à realidade, este apontamento aplica-se num termo de oportunidades sem igual em virtude destas mesmas carências que se têm vindo a mencionar ao longo deste prefácio, clarear aos poucos este medo de circunstância que pode e deve ser transformado em conhecimento, coragem e determinação para uma postura sã da sociedade portuguesa, e não só, porque a opção do amadurecimento de um povo também é feito pelo enriquecimento do espírito, desta feita, aprendendo com os outros, conhecendo princípios e valores novos.
Ao chegar aqui, encontramos o supremo na boa vontade e o sentido da responsabilidade neste trabalho partilhado a quatro mãos, intitulado: “Uma Aproximação à Comunidade Islâmica”, a parceria ideal numa atitude pedagógica que nenhum de nós deverá deixar a perder. Nem se por casualidade pudéssemos efectivar planos de opção, nestes casos, seria bom então, compreendermos que somos parte tanto das soluções, como dos problemas, caso a nossa persistência continue mais pendente no sentido directo da ignorância e de um certo pensamento que podemos chamar de chauvinista. O tal nacionalismo doentio que pouco ou nada tem a ver com patriotismo.
Lutar contra esta maré e aniquilar de vez o sentimento baseado só nas palavras bem intencionadas que ficam bem mas que não resolvem os problemas, por débito deve ser um desígnio de cada um nesta sociedade contemporânea, cada dia numa dualidade de exigências que não pode ser deixada apenas nas mãos das instâncias, entidades oficiais, como se nós, cidadãos, não compreendêssemos afinal, o que é ser e aplicar o projecto da cidadania. Porque cada vez mais ser cidadão, é de uma hora para outra, despertar, e verificar que as cidades e aldeias passaram de um estádio de letargia onde as coisas eram de rotina, para desta forma passar a uma emanação sem fronteiras onde as cores, o sentido da orientação, os encontros e até os aromas se alteraram.
A isto chama-se um mundo em verdadeira mutação com as fronteiras em permanente inconstância e o sentido dessas normas a alterar num caminho onde o grau de riqueza passa igualmente pelas novas experiências, novos conhecimentos, um novo despertar. O mesmo desafio moderador entendido ao contrário onde o cidadão deve crescer no seu esclarecimento e criar outras formas de intervenção; pois, o ser humano racional sabe que tem condições de ser mau, mas luta pela bondade e busca nos actos de solidariedade escutar a voz da razão. Cresce de raiva e revolta, mas não esquece a paz e na serenidade encontrar o equilíbrio necessário ao bom senso. Saber que a ignorância o limita mas que não deixa de abraçar o conhecimento, a sabedoria, e assim o liberte.
O encontro da nossa consciência faz por crescer a par da evolução obrigatória que nos pede em apelo há posse dos termos da racionalidade, façamos o reconhecimento de outros valores, porque não adoptá-los, aprender com a espécie que por entre outras espécies, somos na diferença de uma, a equivalência da mesma coisa… com princípio, meio e fim. Assim é urgente e precisa ser desenvolvida de facto uma aproximação credível entre as comunidades e desta forma dar combate ao preconceito, eliminar regras, mais uma vez, de prejuízo, desconfianças, bizarrias em torno de falsos ou turvos pensamentos onde a compreensão nem sempre é clarividente, contrariando a tese do livre arbítrio.
E quando tudo é possível de ser feito no sentido positivo, quando chega ao esclarecimento das pessoas a possibilidade de abertura, a informação correcta, uma aplicação própria e séria na vontade de alcançar outras fronteiras dentro daquelas que imaginamos ser a “única” e apenas a “nossa”, então aí, chegámos e deste modo já não há mais fronteiras, é urgente pensar nisto. Acreditar que somos capazes de efectivar uma acumulação de conhecimentos trazidos pela deslocação de outras culturas e religiões, e que estas podem de um qualquer momento para o outro, também ser a nossa e vice-versa.
São nossos vizinhos, são nossos irmãos de luta na senda da vida e caminham os idênticos passos em busca de uma sobrevivência que vive em permanente consciência. Afinal, somos realmente todos iguais e todos diferentes a um só tempo; tempo de perturbações, este que acreditamos seja apenas uma tempestade passageira que não pode ser feita nem desenvolvida por forças maléficas que venham colocar a tónica no seu mais alto estádio de arrogância e destruição. Isso não dever ser permitido pelas forças conjuntas do Bem e de todos aqueles que colocam de lado as birras e a alimentação dos sentimentos menores, sejam eles a força reveladora sem receios nem prejuízo. No preconceito não habitam quaisquer tipos de valores.
É preciso saber viver, potenciar qualidades, desenvolver a defesa de princípios, fazer prevalecer mais numa máxima permanente da criação ocupada em métodos positivistas, as regras da dignidade social, religiosa, cultural e étnica. Ou não terá a vida nenhum sentido? Então, para que serve a inteligência e elegância do ser animal, que se deseja a si próprio de racional? Deduzimos depois de algum tempo dado ao pensamento que será de todo obrigatório reencontrar o caminho do apregoado humanismo, morada vivente da solidariedade. Um mundo sem isto não irá nunca poder ultrapassar as suas carências, os seus defeitos, dar combate ao lado mais opaco da vida.
V. R.
Lisboa, 2006