terça-feira, 25 de dezembro de 2018
Mozinhos - azeitona
https://www.facebook.com/cooperativavaletorto/videos/235709087144277/?t=113
sábado, 15 de dezembro de 2018
Mozinhos - Menino do Rio
O Menino da Serra, do
Rio e do Moinho
Luís de Sousa Peixeira
Conto
O Menino da Serra, do Rio e do Moinho
-
Oh Abel! Oh Abel! – Gritava Lucinda, do alto da serrania para a margem do rio. Todavia,
parecia que a voz de Lucinda ia nas asas dos gaviões, de serra a serra, de cume
a cume e à margem do rio, à olga e ao lameiro, apenas se aquietasse o marulhar
das águas, ora, ali mansas, mansinhas, acolá, logo ali, adiante, saltitantes,
alegres, serpenteando, cantando melodias onomásticas: Aquilino, Aquilino,
tra,tra,ta…ta, ta…
Abel
cuidava da levada, no sentido de toda ou quase toda a água, desviada do leito
do rio, por força do açude, plantada em toda a extensão, estorvando o natural
deslize rio abaixo, fosse de encontro ao moinho. Aí sim, cairia sobre o rodízio
cuja gravidade conferiria a força hídrica necessária para que o dito rodízio
fizesse rodar a mó andadeira e, por sua vez, grão a grão, a partir do olho da
mó, a farinha se amontasse no panal.
Abel,
absorto, sem ouvir o chamamento da sua Lucinda, de sachola em punho, tapava
todos os orifícios, canais construídos pelas toupeiras: malditos energúmenos – vociferou ele e repetiu e repetiu no seu
monólogo. Tanto repetiu sobre as melodias das águas em fundo: tra, tra, ta zu,
zu, zu… que até da onomatopeia se alheava – a rã continuava a coaxar, o pombo
bravo a arrulhar, e Abel continuava: infernais,
malditas e energúmenos toupeiras. Já, pertinho do moinho, ao cabo da
levada, cessaram todas as onomatopeias e outras melodiosas e naturais vibrações
do Parnaso, Ali, só a queda da água ecoava do alto sobre o rodízio e, este,
girava, fazendo guinchar a mó: ru, ru
aquilino, rum, ru, aquilino…
Abel
entrou no moinho, recolheu e pesou a farinha, recargou a moenga de grão de
centeio, apertando ainda mais o veio para que a farinha saísse fina, quase em
pó, ao gosto do senhor José Santa Maria, cliente seguinte, e saiu: mó parada não faz farinha, anda moleiro
– atirou, no seu monólogo, e repetiu, e repetiu, carreiro abaixo até ao rio,
mesmo ao ponto onde a água, desviada, se voltava a juntar ao caudal, depois de
mover a mó do Abel e com capacidade para rodar a do Gregório, logo, ali, a
jusante. A mesma corrente não volta atrás no leito, porém, até à respectiva
foz, fará mover quantos rodízios lhe surgirem, basta que mão humana a conduza…
-
Abel! Abel! – Clamou por si o moleiro vizinho, o Gregório da Conceição.
-
Senhor. – Respondeu Abel, de pronto, cessando o monólogo de: mó parada não faz farinha, anda moleiro…
-
Oh rapaz, vais para aí com uma ladainha… Deste agora em falar sozinho, sais ao
teu falecido avô Júlio que não se calava, por aí a imitar a passarada, a
raposa, as perdizes, olha: até os lobos…
-
Ouça, senhor Gregório, não ouve aquele pombo a chamar a minha Lucinda:
Lu-ciiin-daaaa; Lu-ciiin-daaa?
-
Tem juízo, rapaz, senão ainda te mandam para uma casa de correção dos doidos…
-
Oh, não faltaria lá doidos, sem contar com os que se dizem de juízo perfeito…
-
Lá isso, mas não me estás também a chamar tolo, pois não?
-
Oh senhor Gregório, pela alma de quem lá tem: não senhor, por amor de deus…
-
Está bem, está bem rapaz, anda daí beber um caneco, anda cá homem!
-
Não senhor, bem-haja, fica para outro dia: escute, lá está o diabo do pombo:
Lu-ciiin-daaa, Lu-ciiin-daaa.. E olhe que o rodízio também não para com a
cantilena: Aquiii-liii-nooo, Aquiii-liii-nooo, Aquiii-liii-nooo…
-
Homeça, rapaz, hã, hã, hã.. – Ria-se o moleiro Gregório, dando meia volta,
enquanto Abel alargava a passada de regresso a casa, deitando, por cima do
ombro:
-
Até à manhã, senhor Gregório, se deus quiser!
-
Vai com deus, rapaz. - Ainda retorqui-o Gregório.
Lá
do alto, da serrania da Retorta, o sol escapulia-se, escondendo-se, em forma de
bola vermelha. Abel não queria voltar a casa noite cerrada. Temia que, em pleno
baldio dos urgais, lhe saísse, ao encontro, um lobo, até um gato bravo receava
e o regougar da raposa, o pio do mocho e o canto noctívago do noitibó traziam-lhe
à memória maus presságios. Por isso, apressou-se, a trote, como o seu cavalo, o
mulato, que deixara na corte a descansar das estafas dos habituais carregos de
grão e de farinha de e para o moinho, bem como das cargas de fenos e de lenha a
que submetia o quadrupede. Ali, em pleno monte dos urgais, entre urzes,
giestas, estevas, rosmanos, carrascos e pinheiros, podia imitar o pombo –
Lu-ciiin-daaa, Lu-ciiin-daaa; o rodízio – Aquiii-liii-nooo… Lá prosseguiu no
seu monólogo, mas parou, repentinamente, ao recordar-se dos reparos que lhe
tinha feito o moleiro Gregório. De facto, para quê, por que razão ele se
comportava como o seu avô, objecto de troça por causa daquela mania de falar
só…
Calou-se
e pensou: disparate – os pássaros não
falam e o pau do rodízio precisava era de azeite ou de óleo como se costuma
fazer nas novas moagens, lubrificando os gonzos…Diabo das máquinas que vieram a
acabar com a freguesia, qualquer dia não há quem queira farinha dos moinhos.
Vai tudo para as máquinas: a maquia é menor, é rápido e mói todo o ano, o diabo
do vapor não falta como a água do rio; a caldeira arde sempre…
Ia
com pressa, as pernas galgavam pedras, montículos e de mais obstáculos, pelo
carreiro. Ao abeirar-se da fonte comunitária, guindou-se à direita, pelo atalho
do olival, rente ao castanheiro grande, na margem do ribeiro, a passarada
levantou voo, esbaforida, face à inusitada presença humana, àquela hora, de
aconchego a fim de dormir empoleirada. Aquele castanheiro não era apenas a sua
árvore das castanhas, era também uma casa, uma morada, um abrigo da bicharada,
ali nidificavam: papa-figos, estorninhos, melros, pintassilgos, chapins, até
cotovias, em covinhas, ao toro, no chão.
Abel
entrou na povoação e não via mulheres, nem crianças, só homens a descansar nas
soleiras e paredes dos quintais, conversando e afagando os fiéis cachorros.
Abel deu as boas noites e todos responderam num tom diferente, parecia que
sabiam algo que a ele escapava. Ao chegar, junto da sua habitação, logo ali, a
criançada a brincar no chão, curiosos, uma menina a fazer de parideira e uma
outra a imitar o grito de um recém-nascido. Entrou, empurrando a porta
semicerrada, lá estava o mulherio, ainda ouviu a tia Soledade: é bem redondinho, benza-o deus…
Pronto!
Abel percebeu que a sua Lucinda tinha parido um menino, um filho de ambos e, em
voz alta atirou:
-
Bem me avisou o pombo e o maldito rodízio!
-
Que é homem, que estás para aí a arengar? – Intrometeu-se a sua mãe, A senhora
Ana Luísa, enquanto as outras sorriam, principalmente a sua mulher que sorria
também, refeita do esforço, e reconfortada com uma canja de galinha, acabada de
sorver.
-
Eu chamei-te do alto quando me deram as dores, não ouviste… - Adiantou Lucinda,
feliz.
Aos
pés da cama, sobre uma tabuinha, a fazer de prateleira, permanecia o seu único
livro, “Quando os Lobos Uivam” Aquilino Ribeiro, pôde ler na respectiva
lombada. Abel atirou, determinado:
-
Vai chamar-se Aquilino! Aquilino, como o do livro. – Apontou para a
prateleirita…
Pronto!
O menino acabado de vir ao mundo, mais um herdeiro dos hábitos e dos costumes
das gentes da serra, das courelas, dos lameiros, das hortas, dos soutos e de um
infindável de encantos da ruralidade ficou de nome próprio, Aquilino, o menino
da serra, do rio e do moinho.
Foi
assim que Abel quis registar o seu filho no registo civil da devida repartição,
na vila.
O
funcionário perguntou:
-
Hora e dia do nascimento? - Abel retorquiu:
-
Às 7 horas de sábado.
-
Sábado, dia 14, foi de manhã ou à tarde? – Voltou o funcionário.
-
À tarde.
-
Então, nasceu às dezanove, homem…
-
Nome completo?
-
Aquilino Augusto Bouça Ribeiro.
-
Não fica melhor Aquilino Augusto de Bouça Ribeiro?
-
Sim, sim senhor, fica melhor, soa melhor – de Bouça Ribeiro, Aquilino Augusto
de Bouça Ribeiro.
-
Que raio de nome, homem, não podia ser João, Manuel, Luís, António, sei lá,
agora Aquilino.- Contestou o funcionário, desagradado com o nome Aquilino.
-
Faz-me lembrar o reviralho… - Retornou, ainda, mostrando má cara a Abel.
-
Pois, É Aquilino que fica – Respondeu Abel. Pagou, e saiu de cédula do filho,
em mãos…
Subscrever:
Mensagens (Atom)