segunda-feira, 28 de janeiro de 2019
Otis - Influências Mozinhos - Moçambique
terça-feira, 15 de janeiro de 2019
Mozinhos, Colectânea, Luís de Sousa Peixeira
Maquela do Zombo, 23 de Abril de 1971
Estimada Zilda, espero que esta minha missiva te vá encontrar
bem de saúde, junto dos teus, eu fico bem, graças a Deus.
Zilda, há bastante tempo que te queria dizer que gosto muito
de ti, mas tenho tido acanhamento, com receio da recepção, se calhar, não deste
pelo meu afecto por ti. Lembras-te de quantas vezes ia à tua secção? Era tudo
pretexto para te ver e, se possível, sentir o teu odor, o teu perfume…
Neste momento também poderia usar o argumento de te escrever
com o propósito de te solicitar o pedido de aceitares ser a minha madrinha de guerra,
conselho que nos foi dado, sobretudo, por umas senhoras, Movimento Nacional
Feminino, que nos visitaram em Luanda, assim que chegámos da Metrópole.
No entanto, apesar de ousar formular também esse referido
pedido, quero dizer que já não posso calar este ardor que clama por ti: o amor!
Aqui, nas matas do norte da província de Angola, tão
diferente do que todos nos diziam ser, tão diferente de tudo o que nos
ensinaram na nossa escola, a tantos quilómetros da tua secção do armazém,
sinto-me muito, muito próximo de ti, tão próximo que a todo o momento exalo o
teu esplêndido perfume, ele veio comigo e entranhou-se em mim, mais do que o
medo que a todos nos assola o desconhecido nesta guerra, incompreensível,
medonha…
Agora mesmo, que escrevo estas letras no aerograma, sobre um
caixote de armamento, te recordo, na sala de aulas da nossa escola, com o teu
dedinho, apontando os rios da província de Angola: se tu soubesses como tudo é
diferente do que o nosso professor nos ensinou… Não digo que seja mais feio ou
mais lindo, o que te afirmo é que este mundo é diferente do nosso, aí, e eu
tenho saudade de ti e da nossa infância, da tua voz, do teu sorriso, até do teu
alheamento por mim, dos teus trejeitos que pareciam sacudir a minha
insistência…
Quero muito regressar são e salvo, peço-te, se não for o
amor, pelo menos comiseração e, assim, rogares a Deus por mim.
Ainda ontem tivemos uma emboscada, quando fazíamos uma picada
e a desgraça levou quatro companheiros à morte e nove feridos graves, evacuados.
Não sei se te lembras do Chico da Madragoa, foi um dos vitimados, custou-nos
imenso o desastre e, agora, estamos sempre à espera do pior…
Entretanto, apanhámos um turra e uma mulher, ele era apenas
uma criança e ela uma qualquer, andrajosos e insignificantes: uma frustração
para quem julgava, como eu, que os turras eram pretos musculados e russos
comunistas.
Já fomos a umas tabancas, musseques, como se diz aqui, e só
se encontra gente descalça e despida, gente pobre, pretos feios e raparigas
esbeltas. Não nos afrontam, fingem-se amistosos, mas sabemos que colaboram com
os turras dos quais só vimos os que citei, ela ficou cativa, até ver, e o rapaz
foi abatido, ninguém consegue tirar uma palavra deles…
Bem, querida Zilda, eu para aqui com desgraças que,
eventualmente, chocaram a extrema sensibilidade de rapariga católica, temente a
Deus, Nosso Senhor. Não me esqueço do nosso dia de comunhão solene em que ias
tão linda, com o teu vestido de pomba divina, divina como sempre te imagino
para a vida toda e, quem me dera, para a nossa vida em comum, criando os nossos
filhos, longe deste inferno de imbondeiros…
Aceita, pois, este pedido, se te aprouver, e pede a Deus que
nos abençoe e nos dê a Graça de nos juntar, relembrando o companheirismo que
nos foi transmitido nas homílias e na sã convivência de escuteiros que ambos
temos percorrido, mas, no momento, nos apartou na distância física.
Sem outro assunto, por agora, envio cumprimentos para os teus
pais e irmãos, para a tua avó, do teu sempre Joaquim.
Até à volta do correio: Joaquim Afonso Rato, soldado 24789,
da infantaria 16, companhia L12, Maquela do Zombo, Angola.
Ambriz 26 de Setembro de 1966
Minha Ana Maria, da nossa nova base envio-te novas, com
imensas saudades, deste que, na distância, te deseja toda a proximidade, física
e espiritual, aliás, espiritual penso que estamos mais juntos do que nunca
tínhamos estado, fisicamente, só no pensamento, sinto ainda os teus ardentes
ósculos e os teus deditos por mim acima e abaixo.
Como deves calcular aqui as notícias chegam retardadas e
escassas, lá onde temos andado, no mato, nas zonas da vila Henrique de
Carvalho, Veríssimo Sarmento e Nova Chaves, nada chega dos acontecimentos do
mundo, só, de regresso, em Malange, fiquei, mais ao menos, a par dos resultados
da nossa equipa no mundial, entretanto, o meu colega Adelino tinha-me escrito,
mas só há dois dias me entregaram o aerograma.
Já tenho pensado, cá para os meus botões, se valeu a pena ter
enveredado pela carreira de oficial miliciano, talvez se se tratasse de mero
praça, soldado raso, poderia também ter obtido licença do exército, ou seja, talvez
tivesse feito parte da equipa no jogo com a Inglaterra, pelo que entendi, pela
subtileza das frase do Adelino, a selecção de Portugal jogou com uma linha de
ataque muito desgastada e, nesse caso, quem sabe se o seleccionador me teria
posto a jogar. Por outro lado, havia lá outros avançados em forma e, quiçá,
mais valorosos do que eu, por exemplo, o Lopo e foram para a bancada ver o
jogo, parece que na avançada só podiam jogar os do Benfica, os melhores, só por
que são da nossa equipa, o Sporting, ficaram de fora, mas enfim, foi pena, se
calhar, não haverá outra oportunidade e logo que o nosso governo se empenhou
tanto em mostrar ao mundo a nossa equipa, desconhecida e desvalorizada,
antecipadamente, até por causa da guerra.
Atrás dizia-te, querida Ana, que estamos colocados em Ambriz,
perto de Luanda, posso-te garantir que foi como se tivesse renascido para a
vida, agora sim, apesar das responsabilidades que cabem ao desempenho de
alferes, já vejo alguma alegria e, sobretudo, crença no futuro que, como sabes,
passa por voltar à tua companhia, que almejo para o resto das nossas vidas,
construindo família e cuidar da ganadaria.
Por falar em ganadaria, chegaram-me aos ouvidos de que em
Nova Lisboa foi manejado um bom toiro com os ferros do meu pai, ainda lhe não
perguntei mas fá-lo-ei, com certeza, bem queria ter assistido à corrida,
todavia, isso seria um luxo, naquelas bandas, os terroristas estão muito
activos. Por lá actua um afamado chefe a que tratam por Pedro. Certamente, eles
serão conhecidos por nomes fictício, dizem que faz parte da estratégia de
clandestinidade em que vivem, assim, como as terra que atrás mencionei em que o
nativos designam por diferente toponímia, por exemplo, nunca dizem Nova Lisboa,
mas sim Huambo, ouvi dizer que se alguma vez escorraçarem os portugueses que
mudam o nome à maioria das cidade e vilas.
Minha Ana, deliciar-me-ia relatar-te muito mais destas
paragens e, sobretudo, enfatizar-te o meu amor e saudades imensas que sinto de
ti, minha adorada ninfa da nossa Avenida de Roma. Folguei saber que estais de
saúde e aprecio as tuas missivas de ternura e tento retribuir, mesmo com a
minha falta de jeito, contudo, sentidamente, posso-te garantir que és e serás
sempre o amor da minha vida. No próximo aerograma conto descrever-te alguns
lugares de Luanda: é bonita e, a maioria dos nativos, fala outra língua, um
dialecto que designam por quimbundo. Pela falta de espaço, termino com
incomensuráveis saudades e beijos. PS, não te esqueças, peço-te algumas
novidades do Sporting.
Bafatá 12 de Dezembro de 1969
Minha saudosa Lucinda, rogo a Deus que estas letras te
encontrem bem, eu fico como Deus, Nosso Senhor, quer.
Como vês por a letra, tive que pedir a outro camarada para me
escrever, ai se soubesses como me arrependo de não ter ido à escola, quem não
sabe é como quem não vê, sou um burro que nunca aprendi uma letra do tamanho
dum boi.
E o nosso filho? Espero encontrar grande, cada vez que me
lembro que só tinha três meses quando embarquei, e agora que já lá vão três
anos…
Graças a Deus que já fomos desmobilizados, estamos em Bafatá
e voltamos no Uíge, dizem que é melhor barco do que o Quanza que nos trouxe de
Lisboa, até se diz que demora menos, não sei, para mim, desde que volte bem… já
basta o desastre de jangada que tivemos quando regressávamos de Bamdadinca,
afogaram-se mais de quarenta camaradas, salvei-me por ter embarcado noutro
barco, olha, lá ficou o Monteiro, de Boticas, que me escreveu sempre as cartas,
até hoje, por isso é que pedi o favor ao nosso furriel Veríssimo que é de Valpaços
e, graças a Deus, volta connosco, deves saber de quem é família, dos do lagar
da Corga. Por falar nisso, já andam aí na azeitona? Conto ir ainda ajudar que
bem saudade tenho de varejar, estender as lonas erguer a azeitona e carregar as
bestas…
Agora, em Bafatá, já comemos qualquer coisa. Mas há que tempo
só andávamos à base de ração de combate, desde Nova Lamego nunca mais nos deram
outra mistela, em Gabu, Banadica, Madina do Boé, Teixeira Pinto, nem água
tínhamos quanto mais comida de panela, só latas de ração de combate, por isso,
não vejo hora de comer convosco. O teu pai quando pensa matar o porco? Ele que
não mate antes de eu chegar, porque não quero passar sem o sangue cozido e os
torresmos frescos na sertã…
A minha mãe escreveu-me na última carta, que ainda o
desgraçado do Monteiro me leu, dizendo que fazia tenções de matar por volta do
Natal. Se Deus quiser, passamos todos juntos. Já aprendeste a fazer as filhós
com a minha mãe? Num quero da maneira que faz a tua, nem a tua tia…
Olha, não me escrevas porque deve estar para breve a nossa
partida, não é preciso que me vás buscar a Lisboa, ias gastar um dinheirão e
tempo e, se calhar, num há quem fique com os Manuelzinho. Digo que não deve
tardar o embarque porque já entregamos as armas e já recebemos ordem para
entregar o fardamento na Carregueira, aí, na Metrópole, depois do desembarque.
Até isso temos de devolver, nem umas botas posso levar para aí tirar o estrume
às vacas e andar à azeitona que deve estar frio.
Também digo que vamos de abalada porque os pelotões de pretos
que faziam parte do nosso batalhão já foram incorporados na companhia de
maçaricos que nos vieram render, os desgraçados foram para Piche, onde os
turras atacam mais. A nossa companhia volta mais pobre, com menos cinquenta e dois
camaradas que cá ficaram nas minas e nas emboscadas…
Agora, com o desejos de vos abraçar despeço-me, até breve de
quem te quer beijar para sempre, do teu Joel Francisco Ferreira.
sexta-feira, 11 de janeiro de 2019
Aldeia Douro - O Azeite do Lagar dos Pinos (HD)
terça-feira, 8 de janeiro de 2019
Núcleo Duro - Lamego - Mozinhos/ Sporting
Núcleo Duro - Foz Côa - Mozinhos
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