quarta-feira, 15 de junho de 2016

São Francisco - Mozinhos


[1] Não obstante o vasto espólio a que temos vindo a fazer referência, nomeadamente à igreja de São Pedro do Souto na qual foram efectuados os baptimos, casamentos e óbitos aqui transcritos, importa também aflorar algo que é memória e factos documentais relativamente a algumas capelas.

Se a fonte arquivística nos traz algumas indicações relativas à capela de São Sebastião, da Lapa e do Espirito Santo, já no que toca a Nossa Senhora da Piedade, Santa Bárbara e a São Francisco, praticamente nada existe de substancial.

Assim, tentaremos aqui deixar tudo que encontrámos de fontes coevas e memórias colectivas, transmitidas de geração em geração.

No entanto, para melhor se entender comecemos pois pelo necessário enquadramento histórico. De facto, Souto de Penedono foi propriedade de Leomil como então era descrito, Souto de Leomil para ser distinguido dos outros soutos, que abundavam no território.

A vila e couto de Leomil cuja jurisdição, D. João III confirmou a D. Guiomar, passou, depois, para o senhorio dos marqueses de Marialva. Depois da morte de D. Guiomar Coutinho, sem sucessão, e com a consequente extinção da casa de Marialva, em 9 de Dezembro de 1534, o padroado das igrejas transitou para a posse da coroa. Foi, desse modo, em 1536, transferido para a Universidade de Coimbra.

A coroa cedeu os direitos de padroado, nomeadamente da igreja de Penela da Beira, Sendim, Paredes, Freixo de Numão, Antas e Penedono.

Em 1841 faziam parte da diocese de Lamego 240 paróquias, entre elas, 12 de São João da Pesqueira, 10 da Meda e 8 de Penedono. O padroado de Souto de Penedono manteve-se na casa de Marialva até à morte do último conde, passando então para o infante D. Luís, por direito de herança do seu irmão.

Ainda regressado a Leomil, salientemos, entre os notáveis, personagens no campo da cultura, como o jesuíta António do Soveral, nascido em 1563, leccionou letras humanas e retórica em Braga, em Coimbra e em Évora; Freire Dionísio dos Anjos, filho de Luís Tavares e de Helena Ferreira, professou o instituto dos eremitas de Santo Agostinho, leccionou ciência escolástica, em 1606 colaborou na corte, em Lisboa.

No início do século XVIII a capela do Desterro, em Penedono, tinha como administradores o capitão Manuel Filipe e João Rodrigues de Matos, de Leomil, constituindo, entre os seus encargos, o de dar pousada aos peregrinos.

Na capela da Senhora do Carmo, Penedono, em Novembro de 1729, celebrou-se o casamento de Miguel Carlos de Vasconcelos de Almacave (Lamego) com D. Antónia Teresa Pinto Cabral, filha de José Cardoso Amaral, do Souto e residente em Penedono.

Teodósio da Fonseca Coutinho, de Marialva, casou, em Penedono, com Maria Henriques Aguiar que foram depois pais de Feliciana Maria Coutinho que casou com José de Aguiar Donas Boto, do Vilarouco, em 1729.

Em 1750 a paróquia de São Pedro de Penedono contava 50 fogos, 90 “pessoas de comunhão”, 28 de menor idade; Alcarva 50 vizinhos; prova 106; Ourozinho 70; Póvoa 100; Antas 120; Beselga 130; Castainço 100; Granja 70; São Salvador 67 fogos, 185 “de sacramento” e 23 menores; Ferronha 50 fogos, 120 adultos e 4 menores; Ado Bispo 15 fogos, 30 adultos, 12 menores. O abade de São Salvador provia Granja e Castainço; Beselga era do seminário de Lamego.

As encomendas das paróquias eram feitas a mestres de fora, residentes, temporariamente, no local de execução, a título de exemplo, citemos, em 1720, em Penedono, os pedreiros: Domingos Afonso, oficial, natural de Senfins, Valença do Minho; Domingos Cunha, natural de Formariz, Paredes de Coura. Carpinteiros: Sebastião Francisco, de Guimarães, trabalhava em Penedono, desde 24 de Setembro, de 1692. Ainda no decorrer do século XVII, há referências de entalhadores residentes em Arcas.

Ora, partindo do princípio de que as capelas das Mercês, actual Nossa Senhora da Piedade, da Trancosã, e a capela de Santa Bárbara, dos Mozinhos, datam, no mínimo do século XVII, será lícito deduzir que terão sido os mestres pedreiros, carpinteiros e entalhadores responsáveis pelas obras, nomeadamente, a da capela da Trancosã, magnifica talha dourada. Já no que se refer aos óleos pintados em tábuas de carvalho, porventura poderão ter sido as famosas oficinas de Ferreirim cuja proveniência datam dos tempos de Vasco Fernandes (Grão Vasco) cujo maneirismo marcou decisivamente a região, como, sem dúvida, Freixo de Espada à Cinta, conhecida como a vila mais manuelina de Portugal. Uma coisa é certa, a capela de Nossa Senhora da Pedade apresenta um programa iconográfico singular na região, muito em similitude com Lamego e quiçá a região do Oeste minhoto. Já sabemos que a capela foi propriedade do morgado da Torre de Moncorvo, Francisco António, o que nos garantirá a razão de tamanho investimento financeiro para a época e, por outro lado, a existência, na Trancosã, de rendeiros originários de Jales (entre Minho e Trás-os-Montes) e de Cambres (Lamego) provenientes de terras do antigo couto de Leomil. Em 1814 faleceu Maria Brites, mulher do respectivo ermitão, cargo que Manuel Aguiar desempenhava na capela de Nossa Senhora da Piedade, em 1746, entretanto, a capela ainda foi pertença de João Osório de Vieira. Em arquivo não descortinámos documentações que nos auxilie acerca de intervenções nas respectivas capelas, apenas sabemos que já existiam em 1700, por descrição de pároco da diocese de Lamego, da decrição de 1758, em memórias paroquiais e uma alusão a gasto de 5000 reis no registo de despesas da Junta da Paróquia do Souto, por iniciativa do então presidente, Luís Augusto Sobral, da Risca (finais do século XIX). Em relação à capela de Santa Bárbara, no Mozinhos, para além das atrás citadas referências de 1700 e das respectivas memórias paroquiais, há, ainda a memória, não documentada, da eventual intervenção do casal Joaquim António Aguiar (Freixo) e Teresa de Jesus Costa, cuja inscrinção se apresentava no tecto do forro de madeira policromado.

No entanto, tanto uma como outra, foram alvo de profunda transformação no final da década de 1990, que lhe arrancou traços de séculos de história, na sua estrutura arquitectánica e iconográfica. A intervenção foi de tal modo que não podemos estabelecer um plano comparativo, dado que não foram feitos quaisquer registos antes das obras de remodelação.

De forma sucinta, podemos adiantar, de memória, que a capela de Nossa Senhora da Piedade apresentava um chão lajeado e paredes de xisto e passou a ostentar chão de mosaico e paredes de granito (imagine-se num lugar de xisto), a estatuária julgo ser, actualmente, réplica de originais (sabe-se lá onde terão ido parar), os ex-votos parece que foram guardados e alguns dos magníficos óleos dos caixões e de quadros parietais também julgo serem réplicas. As portas e demais madeiras deram lugar ao alumínio, resta a belíssima talha dourada e alguns quadros originais.

Em relação à capela de Santa Bárbara, da tal intervenção de Joaquim António Aguiar não ficou praticamente nada: o tecto foi alteado, a madeira pintada do forro e da parede do altar desapareceram, a ara do altar foi arrancada e substituída por cimento, o soalho deu lugar a mosaico e o mobiliário apodreceu com a voracidade do tempo, quando a preservação não é aplicada, e, como não poderia deixar de ser, a madeira vestuta da porta desapareceu, agora uma insignificante e triste portinha de alumínio dá para as vistas da Póvoa e de Valongo e, mais perto, para a antiga capelinha de São Francisco que já nada deixa mirar. Entre a capela de Santa Bárbara, no cume do monte, nos Mozinhos, e o cerro do monte onde se situou a capelinha de São Francisco, de fronte, na meia encosta, da margem direita da ribeira (rio Bom), intrigantes marcas cavadas nas fragas esperam por alguém capaz de descodificar. São covinhas e traços perpetrados por mão humana cuja datação e leitura não se apresenta ao nosso alcance.

Como nota final, importa esclarecer que pelo facto de nos registos paroquiais as ditas capelas não surgirem como lugar de cerimónia, nomeadamente de baptismos e de casamentos, não significa que aí não tenham tido lugar, pois os sucessivos párocos registavam no livro como efectuados na igreja de São Pedro do Souto, mas para omitir, oficialmente, já que para que tal cerimónia se efectuasse seria necessária uma autorização do respectivo bispo. Ora isso acarretava delongas, burocracias e despesas inconvenientes. Para evitar isso os respectivos padres faziam, à revelia, cerimónias nas capelas, registando-as como decorridas na matriz. Basta lembrarmo-nos que no século XIX o padre Martins era originário da Trancosã e que a família Freixo (Aguiar) deixou por demais vestígios na capela de Santa Bárbara, para memória ficou um simples documento de Francisco Manuel Aguiar de pagamento de impostos, guardado até aos nossos dias na capela. Se nos focarmos na descrição da cerimónia de baptismo de Manuel Jesus Aguiar (meados do século XIX) seremos levados a pensar que só teria sentido no seio da família e naturalmente na capela que administravam. Da capelinha de São Francisco, infelizmente, nada resta de estrutura local: só que se lembra ainda dos muretos e das histórias e lendas terá uma ideia. Todavia, do tempo dos anos de 1920, chegaram-nos firmações de que aí residiu um eremita, zelador da capela e há a certeza de que a estatueta de São Francisco foi levada para Bebeses e permanece, degolada numa casa, no bairro da soalheira; inicialmente esteve na fonte comunitária e o meu estimado amigo Fernando, por acaso, com uma bolada, de brincadeira jevenil, degolou-a. Da primitivíssima capela de Covas (local da fundação da povoação dos Pereiros) restaram pias baptismais, actualmente junto à porta principal da sua matriz, da capelinha de São Francisco resta a estueta, ao deus dará…
Mozinhos
Capela de Santa Bárbara
Ruinas da Capela de São Francisco

Mozinhos
Marcas nas fragas perto de São Francisco





Capela São Francisco
 

1 comentário:

  1. Continue com as suas investigações e vá-as partilhando com o seus vizinhos, como é o meu caso. Agradecerei sempre. Ainda vi a velha capela da Trancosã intacta e sei que tinha na parede um ex-voto de um tal Aguiar, "Milagre que fez...." etc., etc." que eu relacionei com uma pessoas dos Pereiros onde havia uma família com este apelido, mas provavelmente não seria, pelo que você diz. Como sabe, mais do que ao Souto, a capela da senhora da Piedade da Trancosã tinha uma ligação muito próxima aos Pereiros cujos fregueses, na Semana Santa, iam em procissão à Trancosã, de cruz alçada,fazer as suas devoções. Quanto às pinturas do tecto e para o ajudar na procura do seu autor, devo informá-lo que a capela de Santo António, nos Pereiros, de génese mais ou menos particular, também tem o tecto pintad e é, claramente obra de dois pintores diferentes. Obrigado pela sua atenção.

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