[1] Não obstante o vasto espólio a que temos vindo a fazer
referência, nomeadamente à igreja de São Pedro do Souto na qual foram
efectuados os baptimos, casamentos e óbitos aqui transcritos, importa também
aflorar algo que é memória e factos documentais relativamente a algumas
capelas.
Se a fonte arquivística nos traz algumas indicações
relativas à capela de São Sebastião, da Lapa e do Espirito Santo, já no que
toca a Nossa Senhora da Piedade, Santa Bárbara e a São Francisco, praticamente
nada existe de substancial.
Assim, tentaremos aqui deixar tudo que encontrámos de
fontes coevas e memórias colectivas, transmitidas de geração em geração.
No entanto, para melhor se entender comecemos pois pelo
necessário enquadramento histórico. De facto, Souto de Penedono foi propriedade
de Leomil como então era descrito, Souto de Leomil para ser distinguido dos
outros soutos, que abundavam no território.
A vila e couto de Leomil cuja jurisdição, D. João III
confirmou a D. Guiomar, passou, depois, para o senhorio dos marqueses de
Marialva. Depois da morte de D. Guiomar Coutinho, sem sucessão, e com a
consequente extinção da casa de Marialva, em 9 de Dezembro de 1534, o padroado
das igrejas transitou para a posse da coroa. Foi, desse modo, em 1536,
transferido para a Universidade de Coimbra.
A coroa cedeu os direitos de padroado, nomeadamente da
igreja de Penela da Beira, Sendim, Paredes, Freixo de Numão, Antas e Penedono.
Em 1841 faziam parte da diocese de Lamego 240
paróquias, entre elas, 12 de São João da Pesqueira, 10 da Meda e 8 de Penedono.
O padroado de Souto de Penedono manteve-se na casa de Marialva até à morte do
último conde, passando então para o infante D. Luís, por direito de herança do
seu irmão.
Ainda regressado a Leomil, salientemos, entre os
notáveis, personagens no campo da cultura, como o jesuíta António do Soveral,
nascido em 1563, leccionou letras humanas e retórica em Braga, em Coimbra e em
Évora; Freire Dionísio dos Anjos, filho de Luís Tavares e de Helena Ferreira,
professou o instituto dos eremitas de Santo Agostinho, leccionou ciência
escolástica, em 1606 colaborou na corte, em Lisboa.
No início do século XVIII a capela do Desterro, em
Penedono, tinha como administradores o capitão Manuel Filipe e João Rodrigues
de Matos, de Leomil, constituindo, entre os seus encargos, o de dar pousada aos
peregrinos.
Na capela da Senhora do Carmo, Penedono, em Novembro de
1729, celebrou-se o casamento de Miguel Carlos de Vasconcelos de Almacave (Lamego)
com D. Antónia Teresa Pinto Cabral, filha de José Cardoso Amaral, do Souto e
residente em Penedono.
Teodósio da Fonseca Coutinho, de Marialva, casou, em
Penedono, com Maria Henriques Aguiar que foram depois pais de Feliciana Maria
Coutinho que casou com José de Aguiar Donas Boto, do Vilarouco, em 1729.
Em 1750 a paróquia de São Pedro de Penedono contava 50
fogos, 90 “pessoas de comunhão”, 28 de menor idade; Alcarva 50 vizinhos; prova
106; Ourozinho 70; Póvoa 100; Antas 120; Beselga 130; Castainço 100; Granja 70;
São Salvador 67 fogos, 185 “de sacramento” e 23 menores; Ferronha 50 fogos, 120
adultos e 4 menores; Ado Bispo 15 fogos, 30 adultos, 12 menores. O abade de São
Salvador provia Granja e Castainço; Beselga era do seminário de Lamego.
As encomendas das paróquias eram feitas a mestres de
fora, residentes, temporariamente, no local de execução, a título de exemplo,
citemos, em 1720, em Penedono, os pedreiros: Domingos Afonso, oficial, natural
de Senfins, Valença do Minho; Domingos Cunha, natural de Formariz, Paredes de
Coura. Carpinteiros: Sebastião Francisco, de Guimarães, trabalhava em Penedono,
desde 24 de Setembro, de 1692. Ainda no decorrer do século XVII, há referências
de entalhadores residentes em Arcas.
Ora, partindo do princípio de que as capelas das
Mercês, actual Nossa Senhora da Piedade, da Trancosã, e a capela de Santa
Bárbara, dos Mozinhos, datam, no mínimo do século XVII, será lícito deduzir que
terão sido os mestres pedreiros, carpinteiros e entalhadores responsáveis pelas
obras, nomeadamente, a da capela da Trancosã, magnifica talha dourada. Já no
que se refer aos óleos pintados em tábuas de carvalho, porventura poderão ter sido
as famosas oficinas de Ferreirim cuja proveniência datam dos tempos de Vasco Fernandes
(Grão Vasco) cujo maneirismo marcou decisivamente a região, como, sem dúvida,
Freixo de Espada à Cinta, conhecida como a vila mais manuelina de Portugal. Uma
coisa é certa, a capela de Nossa Senhora da Pedade apresenta um programa
iconográfico singular na região, muito em similitude com Lamego e quiçá a
região do Oeste minhoto. Já sabemos que a capela foi propriedade do morgado da
Torre de Moncorvo, Francisco António, o que nos garantirá a razão de tamanho
investimento financeiro para a época e, por outro lado, a existência, na
Trancosã, de rendeiros originários de Jales (entre Minho e Trás-os-Montes) e de
Cambres (Lamego) provenientes de terras do antigo couto de Leomil. Em 1814
faleceu Maria Brites, mulher do respectivo ermitão, cargo que Manuel Aguiar
desempenhava na capela de Nossa Senhora da Piedade, em 1746, entretanto, a
capela ainda foi pertença de João Osório de Vieira. Em arquivo não descortinámos
documentações que nos auxilie acerca de intervenções nas respectivas capelas,
apenas sabemos que já existiam em 1700, por descrição de pároco da diocese de
Lamego, da decrição de 1758, em memórias paroquiais e uma alusão a gasto de
5000 reis no registo de despesas da Junta da Paróquia do Souto, por iniciativa
do então presidente, Luís Augusto Sobral, da Risca (finais do século XIX). Em
relação à capela de Santa Bárbara, no Mozinhos, para além das atrás citadas
referências de 1700 e das respectivas memórias paroquiais, há, ainda a memória,
não documentada, da eventual intervenção do casal Joaquim António Aguiar
(Freixo) e Teresa de Jesus Costa, cuja inscrinção se apresentava no tecto do
forro de madeira policromado.
No entanto, tanto uma como outra, foram alvo de
profunda transformação no final da década de 1990, que lhe arrancou traços de
séculos de história, na sua estrutura arquitectánica e iconográfica. A
intervenção foi de tal modo que não podemos estabelecer um plano comparativo,
dado que não foram feitos quaisquer registos antes das obras de remodelação.
De forma sucinta, podemos adiantar, de memória, que a
capela de Nossa Senhora da Piedade apresentava um chão lajeado e paredes de
xisto e passou a ostentar chão de mosaico e paredes de granito (imagine-se num
lugar de xisto), a estatuária julgo ser, actualmente, réplica de originais
(sabe-se lá onde terão ido parar), os ex-votos parece que foram guardados e
alguns dos magníficos óleos dos caixões e de quadros parietais também julgo
serem réplicas. As portas e demais madeiras deram lugar ao alumínio, resta a
belíssima talha dourada e alguns quadros originais.
Em relação à capela de Santa Bárbara, da tal
intervenção de Joaquim António Aguiar não ficou praticamente nada: o tecto foi
alteado, a madeira pintada do forro e da parede do altar desapareceram, a ara
do altar foi arrancada e substituída por cimento, o soalho deu lugar a mosaico
e o mobiliário apodreceu com a voracidade do tempo, quando a preservação não é
aplicada, e, como não poderia deixar de ser, a madeira vestuta da porta
desapareceu, agora uma insignificante e triste portinha de alumínio dá para as
vistas da Póvoa e de Valongo e, mais perto, para a antiga capelinha de São
Francisco que já nada deixa mirar. Entre a capela de Santa Bárbara, no cume do
monte, nos Mozinhos, e o cerro do monte onde se situou a capelinha de São
Francisco, de fronte, na meia encosta, da margem direita da ribeira (rio Bom),
intrigantes marcas cavadas nas fragas esperam por alguém capaz de descodificar.
São covinhas e traços perpetrados por mão humana cuja datação e leitura não se
apresenta ao nosso alcance.
Como nota final, importa esclarecer que pelo facto de
nos registos paroquiais as ditas capelas não surgirem como lugar de cerimónia,
nomeadamente de baptismos e de casamentos, não significa que aí não tenham tido
lugar, pois os sucessivos párocos registavam no livro como efectuados na igreja
de São Pedro do Souto, mas para omitir, oficialmente, já que para que tal
cerimónia se efectuasse seria necessária uma autorização do respectivo bispo.
Ora isso acarretava delongas, burocracias e despesas inconvenientes. Para
evitar isso os respectivos padres faziam, à revelia, cerimónias nas capelas,
registando-as como decorridas na matriz. Basta lembrarmo-nos que no século XIX
o padre Martins era originário da Trancosã e que a família Freixo (Aguiar)
deixou por demais vestígios na capela de Santa Bárbara, para memória ficou um
simples documento de Francisco Manuel Aguiar de pagamento de impostos, guardado
até aos nossos dias na capela. Se nos focarmos na descrição da cerimónia de
baptismo de Manuel Jesus Aguiar (meados do século XIX) seremos levados a pensar
que só teria sentido no seio da família e naturalmente na capela que
administravam. Da capelinha de São Francisco, infelizmente, nada resta de
estrutura local: só que se lembra ainda dos muretos e das histórias e lendas
terá uma ideia. Todavia, do tempo dos anos de 1920, chegaram-nos firmações de
que aí residiu um eremita, zelador da capela e há a certeza de que a estatueta
de São Francisco foi levada para Bebeses e permanece, degolada numa casa, no
bairro da soalheira; inicialmente esteve na fonte comunitária e o meu estimado
amigo Fernando, por acaso, com uma bolada, de brincadeira jevenil, degolou-a.
Da primitivíssima capela de Covas (local da fundação da povoação dos Pereiros)
restaram pias baptismais, actualmente junto à porta principal da sua matriz, da
capelinha de São Francisco resta a estueta, ao deus dará…
Continue com as suas investigações e vá-as partilhando com o seus vizinhos, como é o meu caso. Agradecerei sempre. Ainda vi a velha capela da Trancosã intacta e sei que tinha na parede um ex-voto de um tal Aguiar, "Milagre que fez...." etc., etc." que eu relacionei com uma pessoas dos Pereiros onde havia uma família com este apelido, mas provavelmente não seria, pelo que você diz. Como sabe, mais do que ao Souto, a capela da senhora da Piedade da Trancosã tinha uma ligação muito próxima aos Pereiros cujos fregueses, na Semana Santa, iam em procissão à Trancosã, de cruz alçada,fazer as suas devoções. Quanto às pinturas do tecto e para o ajudar na procura do seu autor, devo informá-lo que a capela de Santo António, nos Pereiros, de génese mais ou menos particular, também tem o tecto pintad e é, claramente obra de dois pintores diferentes. Obrigado pela sua atenção.
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