sábado, 23 de abril de 2022

 

HERESIAS - CONTOS LUSÓFONOS E AEROGRAMAS COLONIAIS

 

 

Resumo

 

Trata-se de um conjunto de textos ficcionados a partir de aturada investigação da História Local e Regional.

Por um acaso, em trabalho de pesquisa nos Arquivos da Torre do Tombo em Lisboa, acerca da influência judaica na nossa região do Douro Sul, deparámo-nos com o processo Maria Lopes, cristã velha, moleira dos moinhos do Rio Torto (Ranhados, Cedovim, Souto), 1728.

Ora, feita a transcrição documental, julgamos que a sua recreação em conto de ficção literária é uma boa forma de caracterizar e divulgar aspectos fundamentais da nossa História, tradições, geografia e múltiplos elementos identitários.

Por outro lado, consideramos importante conectar o conto e Maria Lopes com outros de cariz local, igualmente significativos para a identificação social e cultural.

Foi, desse modo, que apresentamos a proposta, não apenas com a tradição dos residentes como ainda outros que, por várias vicissitudes, migraram para zonas urbanas e sobretudo em louvor dos que foram mobilizados para a guerra colonial, 1961-1974.

O conto Menino da Serra e do Rio tem também que ver com a história do autor, descendente de habitantes dos moinhos de Ariola, Meda, Rio Bom, Souto/Bebeses e Pereiros, São João da Pesqueira.

Os Aerogramas resultam da leitura da correspondência nos Arquivos da Torre do tombo onde figura correspondência de muitos dos nossos conterrâneos. Essa é uma forma de os relembrar, naturalmente anónima e com o maior respeito pela privacidade de cada um de nós.

 

Com os meus cumprimentos

 

Luís de Sousa Peixeira

 

 

 

 

 

 

 

Os Mitos[1]

Os mitos históricos são uma forma de consciência fantasmagórica com que um povo define a sua posição e a sua vontade na história do mundo.

O primeiro grande mito colectivo português, que aliás é um mito de toda a Ibéria, foi o da cruzada, fixado eloquentemente por Camões no poema nacional dos portugueses. Portugal era o paladino da fé católica, e a expansão mundial da fé era a sua vocação própria, a razão de ser da sua história. Em relação especial com deus, que o favoreceu desde o nascimento. Portugal realizava um plano divino que culminaria na conversão do planeta.

Este mito nasce na guerra santa que travavam entre si os mouros e os cristãos das diversas nacionalidades. Santiago, que aparecia nas batalhas sob a aparência de um cavaleiro resplandecente, foi inicialmente para todos os povos da Espanha, o ajudador na guerra santa, e já no século XII, pelo menos, a campanha dos príncipes cristãos na Península foi equiparada pela igreja à guerra da Palestina.

O mito da cruzada intensificou-se nos séculos XV e XVI, quando os papas tentaram mobilizar os desavindos príncipes cristãos para resistir ao avanço turco. Portugal combatia então com os muçulmanos em duas frentes: no Norte de África e no Oriente até Malaca. A acção dos portugueses podia ser idealizada num nível mundial de cruzada. Assim o viu Camões, e assim o tinha já visto João de Barros nas “Décadas”, cujo espírito já se encontra na “ Crónica do Imperador Clarimundo”, livro de cavalarias em que se adapta a um sentido português o profetismo religioso da “Demanda do Santo Graal”. Gil Vicente. Referindo-se à guerra com os mouros, chama a Portugal “alferes da fé”. A um nível popular este mito exprimiu-se nas “Trovas” do sapateiro Bandarra, que profetiza a unificação do mundo sob um só rei e um só pastor.

A este complexo mítico pertence o “milagre de Ourique”, que pela primeira vez aparece relatado nas páginas da “Crónica de 1419”. Fernão Lopes, todavia, não o inventou, porque o achou escrito num texto anterior, certamente já do seu século. É de crer que este “milagre” tenha sido forjado sob o impacte da guerra com Castela e que tenha inicialmente um sentido anti castelhano. Ele significava que Portugal era um reino de fundação divina e que a sua independência se fundava num direito superior ao direito humano. Mas já em Camões se vê que ele se integra na concepção de Portugal como povo predestinado ao combate pela fé. (…)



[1] António José Saraiva “ A Cultura em Portugal”.

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