terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Mozinhos - azeitona

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sábado, 15 de dezembro de 2018

Mozinhos - Menino do Rio







O Menino da Serra, do Rio e do Moinho


Luís de Sousa Peixeira


Conto


 









O Menino da Serra, do Rio e do Moinho
- Oh Abel! Oh Abel! – Gritava Lucinda, do alto da serrania para a margem do rio. Todavia, parecia que a voz de Lucinda ia nas asas dos gaviões, de serra a serra, de cume a cume e à margem do rio, à olga e ao lameiro, apenas se aquietasse o marulhar das águas, ora, ali mansas, mansinhas, acolá, logo ali, adiante, saltitantes, alegres, serpenteando, cantando melodias onomásticas: Aquilino, Aquilino, tra,tra,ta…ta, ta…
Abel cuidava da levada, no sentido de toda ou quase toda a água, desviada do leito do rio, por força do açude, plantada em toda a extensão, estorvando o natural deslize rio abaixo, fosse de encontro ao moinho. Aí sim, cairia sobre o rodízio cuja gravidade conferiria a força hídrica necessária para que o dito rodízio fizesse rodar a mó andadeira e, por sua vez, grão a grão, a partir do olho da mó, a farinha se amontasse no panal.
Abel, absorto, sem ouvir o chamamento da sua Lucinda, de sachola em punho, tapava todos os orifícios, canais construídos pelas toupeiras: malditos energúmenos – vociferou ele e repetiu e repetiu no seu monólogo. Tanto repetiu sobre as melodias das águas em fundo: tra, tra, ta zu, zu, zu… que até da onomatopeia se alheava – a rã continuava a coaxar, o pombo bravo a arrulhar, e Abel continuava: infernais, malditas e energúmenos toupeiras. Já, pertinho do moinho, ao cabo da levada, cessaram todas as onomatopeias e outras melodiosas e naturais vibrações do Parnaso, Ali, só a queda da água ecoava do alto sobre o rodízio e, este, girava, fazendo guinchar a mó: ru, ru aquilino, rum, ru, aquilino…
Abel entrou no moinho, recolheu e pesou a farinha, recargou a moenga de grão de centeio, apertando ainda mais o veio para que a farinha saísse fina, quase em pó, ao gosto do senhor José Santa Maria, cliente seguinte, e saiu: mó parada não faz farinha, anda moleiro – atirou, no seu monólogo, e repetiu, e repetiu, carreiro abaixo até ao rio, mesmo ao ponto onde a água, desviada, se voltava a juntar ao caudal, depois de mover a mó do Abel e com capacidade para rodar a do Gregório, logo, ali, a jusante. A mesma corrente não volta atrás no leito, porém, até à respectiva foz, fará mover quantos rodízios lhe surgirem, basta que mão humana a conduza…
- Abel! Abel! – Clamou por si o moleiro vizinho, o Gregório da Conceição.
- Senhor. – Respondeu Abel, de pronto, cessando o monólogo de: mó parada não faz farinha, anda moleiro…
- Oh rapaz, vais para aí com uma ladainha… Deste agora em falar sozinho, sais ao teu falecido avô Júlio que não se calava, por aí a imitar a passarada, a raposa, as perdizes, olha: até os lobos…
- Ouça, senhor Gregório, não ouve aquele pombo a chamar a minha Lucinda: Lu-ciiin-daaaa; Lu-ciiin-daaa?
- Tem juízo, rapaz, senão ainda te mandam para uma casa de correção dos doidos…
- Oh, não faltaria lá doidos, sem contar com os que se dizem de juízo perfeito…
- Lá isso, mas não me estás também a chamar tolo, pois não?
- Oh senhor Gregório, pela alma de quem lá tem: não senhor, por amor de deus…
- Está bem, está bem rapaz, anda daí beber um caneco, anda cá homem!
- Não senhor, bem-haja, fica para outro dia: escute, lá está o diabo do pombo: Lu-ciiin-daaa, Lu-ciiin-daaa.. E olhe que o rodízio também não para com a cantilena: Aquiii-liii-nooo, Aquiii-liii-nooo, Aquiii-liii-nooo…
- Homeça, rapaz, hã, hã, hã.. – Ria-se o moleiro Gregório, dando meia volta, enquanto Abel alargava a passada de regresso a casa, deitando, por cima do ombro:
- Até à manhã, senhor Gregório, se deus quiser!
- Vai com deus, rapaz. - Ainda retorqui-o Gregório.
Lá do alto, da serrania da Retorta, o sol escapulia-se, escondendo-se, em forma de bola vermelha. Abel não queria voltar a casa noite cerrada. Temia que, em pleno baldio dos urgais, lhe saísse, ao encontro, um lobo, até um gato bravo receava e o regougar da raposa, o pio do mocho e o canto noctívago do noitibó traziam-lhe à memória maus presságios. Por isso, apressou-se, a trote, como o seu cavalo, o mulato, que deixara na corte a descansar das estafas dos habituais carregos de grão e de farinha de e para o moinho, bem como das cargas de fenos e de lenha a que submetia o quadrupede. Ali, em pleno monte dos urgais, entre urzes, giestas, estevas, rosmanos, carrascos e pinheiros, podia imitar o pombo – Lu-ciiin-daaa, Lu-ciiin-daaa; o rodízio – Aquiii-liii-nooo… Lá prosseguiu no seu monólogo, mas parou, repentinamente, ao recordar-se dos reparos que lhe tinha feito o moleiro Gregório. De facto, para quê, por que razão ele se comportava como o seu avô, objecto de troça por causa daquela mania de falar só…
Calou-se e pensou: disparate – os pássaros não falam e o pau do rodízio precisava era de azeite ou de óleo como se costuma fazer nas novas moagens, lubrificando os gonzos…Diabo das máquinas que vieram a acabar com a freguesia, qualquer dia não há quem queira farinha dos moinhos. Vai tudo para as máquinas: a maquia é menor, é rápido e mói todo o ano, o diabo do vapor não falta como a água do rio; a caldeira arde sempre…
Ia com pressa, as pernas galgavam pedras, montículos e de mais obstáculos, pelo carreiro. Ao abeirar-se da fonte comunitária, guindou-se à direita, pelo atalho do olival, rente ao castanheiro grande, na margem do ribeiro, a passarada levantou voo, esbaforida, face à inusitada presença humana, àquela hora, de aconchego a fim de dormir empoleirada. Aquele castanheiro não era apenas a sua árvore das castanhas, era também uma casa, uma morada, um abrigo da bicharada, ali nidificavam: papa-figos, estorninhos, melros, pintassilgos, chapins, até cotovias, em covinhas, ao toro, no chão.
Abel entrou na povoação e não via mulheres, nem crianças, só homens a descansar nas soleiras e paredes dos quintais, conversando e afagando os fiéis cachorros. Abel deu as boas noites e todos responderam num tom diferente, parecia que sabiam algo que a ele escapava. Ao chegar, junto da sua habitação, logo ali, a criançada a brincar no chão, curiosos, uma menina a fazer de parideira e uma outra a imitar o grito de um recém-nascido. Entrou, empurrando a porta semicerrada, lá estava o mulherio, ainda ouviu a tia Soledade: é bem redondinho, benza-o deus…
Pronto! Abel percebeu que a sua Lucinda tinha parido um menino, um filho de ambos e, em voz alta atirou:
- Bem me avisou o pombo e o maldito rodízio!
- Que é homem, que estás para aí a arengar? – Intrometeu-se a sua mãe, A senhora Ana Luísa, enquanto as outras sorriam, principalmente a sua mulher que sorria também, refeita do esforço, e reconfortada com uma canja de galinha, acabada de sorver.
- Eu chamei-te do alto quando me deram as dores, não ouviste… - Adiantou Lucinda, feliz.
Aos pés da cama, sobre uma tabuinha, a fazer de prateleira, permanecia o seu único livro, “Quando os Lobos Uivam” Aquilino Ribeiro, pôde ler na respectiva lombada. Abel atirou, determinado:
- Vai chamar-se Aquilino! Aquilino, como o do livro. – Apontou para a prateleirita…
Pronto! O menino acabado de vir ao mundo, mais um herdeiro dos hábitos e dos costumes das gentes da serra, das courelas, dos lameiros, das hortas, dos soutos e de um infindável de encantos da ruralidade ficou de nome próprio, Aquilino, o menino da serra, do rio e do moinho.
Foi assim que Abel quis registar o seu filho no registo civil da devida repartição, na vila.
O funcionário perguntou:
- Hora e dia do nascimento? - Abel retorquiu:
- Às 7 horas de sábado.
- Sábado, dia 14, foi de manhã ou à tarde? – Voltou o funcionário.
- À tarde.
- Então, nasceu às dezanove, homem…
- Nome completo?
- Aquilino Augusto Bouça Ribeiro.
- Não fica melhor Aquilino Augusto de Bouça Ribeiro?
- Sim, sim senhor, fica melhor, soa melhor – de Bouça Ribeiro, Aquilino Augusto de Bouça Ribeiro.
- Que raio de nome, homem, não podia ser João, Manuel, Luís, António, sei lá, agora Aquilino.- Contestou o funcionário, desagradado com o nome Aquilino.
- Faz-me lembrar o reviralho… - Retornou, ainda, mostrando má cara a Abel.
- Pois, É Aquilino que fica – Respondeu Abel. Pagou, e saiu de cédula do filho, em mãos…

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

Mozinhos - Capitães de Abril - Literatura


Faleceu Gertrudes da Silva, Capitão de Abril, nascido em Alvite, Moimenta da Beira
Morreu hoje em Viseu, aos 75 anos, Diamantino Gertrudes da Silva, Capitão de Abril, que à data da Revolução dos Cravos comandou as tropas sublevadas idas de Viseu para Lisboa, com as companhias de Aveiro e da Figueira da Foz, e que na marcha gloriosa teve a seu cargo a tomada da prisão de Peniche. Foi uma figura decisiva na gesta heróica da inesquecível madrugada. Era natural de Alvite (1943), concelho de Moimenta da Beira, e, por ser “um dos nossos maiores cidadãos, com um percurso de vida imaculado e um gosto especial por tudo o que era nosso”, o presidente da Câmara Municipal de Moimenta da Beira, José Eduardo Ferreira, curvado à “grandeza e nobreza de vida e de espírito” de Gertrudes da Silva, endereça à família as mais sentidas condolências.
Faleceu graduado de coronel das Forças Armadas, mas ficou para sempre a memória do Capitão de Abril, Herói de Abril. Ingressou na Academia Militar em 1963, seguindo a carreira de Oficial do Exército na Arma de Infantaria. Cumpriu duas comissões na Guerra Colonial, a 1ª em Angola e a 2ª na Guiné.
Integrou o Movimento das Forças Armadas, tendo-lhe sido conferido aquela missão relevantíssima para o sucesso da Revolução de Abril. A sua coragem (e espírito de missão patriótico) foi distinguida com várias condecorações de âmbito especificamente militar, sendo ainda agraciado com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade pela sua particular participação no Movimento do 25 de Abril de 1974.
Dois anos depois da Revolução dos Cravos quis obter ferramentas que lhe permitissem compreender melhor a evolução histórica, matriculando-se em 1976 na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, concluindo a licenciatura em História em 1980.
Desenvolveu nas últimas décadas uma intensa actividade cívica através da apresentação de comunicações, em várias instituições, nomeadamente nas escolas.
No campo literário desenvolveu também intensa actividade, tendo publicado uma trilogia inspirada nas suas vivências da guerra colonial (“Deus, Pátria e... A Vida”, Palimage 2003; “A Pátria ou a Vida”, Palimage 2004; e da Revolução do 25 de Abril “Quatro Estações em Abril”, Palimage, 2007). Para além disso publicou ainda “Tempos sem remissão”, Palimage, 2011, livro de saborosa escrita aquiliana por onde perpassam sagas familiares da terra onde nasceu em tempos de Estado salazarista/fascista.

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Mozinhos - O Menino da Serra, do Rio e do Moinho








O Menino da Serra, do Rio e do Moinho
- Oh Abel! Oh Abel! – Gritava Lucinda, do alto da serrania para a margem do rio. Todavia, parecia que a voz de Lucinda ia nas asas dos gaviões, de serra a serra, de cume a cume e à margem do rio, à olga e ao lameiro, apenas se aquietasse o marulhar das águas, ora, ali mansas, mansinhas, acolá, logo ali, adiante, saltitantes, alegres, serpenteando, cantando melodias onomásticas: Aquilino, Aquilino, tra,tra,ta…ta, ta…
Abel cuidava da levada, no sentido de toda ou quase toda a água, desviada do leito do rio, por força do açude, plantada em toda a extensão, estorvando o natural deslize rio abaixo, fosse de encontro ao moinho. Aí sim, cairia sobre o rodízio cuja gravidade conferiria a força hídrica necessária para que o dito rodízio fizesse rodar a mó andadeira e, por sua vez, grão a grão, a partir do olho da mó, a farinha se amontasse no panal.
Abel, absorto, sem ouvir o chamamento da sua Lucinda, de sachola em punho, tapava todos os orifícios, canais construídos pelas toupeiras: malditos energúmenos – vociferou ele e repetiu e repetiu no seu monólogo. Tanto repetiu sobre as melodias das águas em fundo: tra, tra, ta zu, zu, zu… que até da onomatopeia se alheava – a rã continuava a coaxar, o pombo bravo a arrulhar, e Abel continuava: infernais, malditas e energúmenos toupeiras. Já, pertinho do moinho, ao cabo da levada, cessaram todas as onomatopeias e outras melodiosas e naturais vibrações do Parnaso, Ali, só a queda da água ecoava do alto sobre o rodízio e, este, girava, fazendo guinchar a mó: ru, ru aquilino, rum, ru, aquilino…
Abel entrou no moinho, recolheu e pesou a farinha, recargou a moenga de grão de centeio, apertando ainda mais o veio para que a farinha saísse fina, quase em pó, ao gosto do senhor José Santa Maria, cliente seguinte, e saiu: mó parada não faz farinha, anda moleiro – atirou, no seu monólogo, e repetiu, e repetiu, carreiro abaixo até ao rio, mesmo ao ponto onde a água, desviada, se voltava a juntar ao caudal, depois de mover a mó do Abel e com capacidade para rodar a do Gregório, logo, ali, a jusante. A mesma corrente não volta atrás no leito, porém, até à respectiva foz, fará mover quantos rodízios lhe surgirem, basta que mão humana a conduza…
- Abel! Abel! – Clamou por si o moleiro vizinho, o Gregório da Conceição.
- Senhor. – Respondeu Abel, de pronto, cessando o monólogo de: mó parada não faz farinha, anda moleiro…
- Oh rapaz, vais para aí com uma ladainha… Deste agora em falar sozinho, sais ao teu falecido avô Júlio que não se calava, por aí a imitar a passarada, a raposa, as perdizes, olha: até os lobos…
- Ouça, senhor Gregório, não ouve aquele pombo a chamar a minha Lucinda: Lu-ciiin-daaaa; Lu-ciiin-daaa?
- Tem juízo, rapaz, senão ainda te mandam para uma casa de correção dos doidos…
- Oh, não faltaria lá doidos, sem contar com os que se dizem de juízo perfeito…
- Lá isso, mas não me estás também a chamar tolo, pois não?
- Oh senhor Gregório, pela alma de quem lá tem: não senhor, por amor de deus…
- Está bem, está bem rapaz, anda daí beber um caneco, anda cá homem!
- Não senhor, bem-haja, fica para outro dia: escute, lá está o diabo do pombo: Lu-ciiin-daaa, Lu-ciiin-daaa.. E olhe que o rodízio também não para com a cantilena: Aquiii-liii-nooo, Aquiii-liii-nooo, Aquiii-liii-nooo…
- Homeça, rapaz, hã, hã, hã.. – Ria-se o moleiro Gregório, dando meia volta, enquanto Abel alargava a passada de regresso a casa, deitando, por cima do ombro:
- Até à manhã, senhor Gregório, se deus quiser!
- Vai com deus, rapaz. - Ainda retorquiu Gregório.
Lá do alto, da serrania da Retorta, o sol escapulia-se, escondendo-se, em forma de bola vermelha. Abel não queria voltar a casa noite cerrada. Temia que, em pleno baldio dos urgais, lhe saísse, ao encontro, um lobo, até um gato bravo receava e o regougar da raposa, o pio do mocho e o canto noctívago do noitibó traziam-lhe à memória maus presságios. Por isso, apressou-se, a trote, como o seu cavalo, o mulato, que deixara na corte a descansar das estafas dos habituais carregos de grão e de farinha de e para o moinho, bem como das cargas de fenos e de lenha a que submetia o quadrupede. Ali, em pleno monte dos urgais, entre urzes, giestas, estevas, rosmanos, carrascos e pinheiros, podia imitar o pombo – Lu-ciiin-daaa, Lu-ciiin-daaa; o rodízio – Aquiii-liii-nooo… Lá prosseguiu no seu monólogo, mas parou, repentinamente, ao recordar-se dos reparos que lhe tinha feito o moleiro Gregório. De facto, para quê, por que razão ele se comportava como o seu avô, objecto de troça por causa daquela mania de falar só…
Calou-se e pensou: disparate – os pássaros não falam e o pau do rodízio precisava era de azeite ou de óleo como se costuma fazer nas novas moagens, lubrificando os gonzos…Diabo das máquinas que vieram a acabar com a freguesia, qualquer dia não há quem queira farinha dos moinhos. Vai tudo para as máquinas: a maquia é menor, é rápido e mói todo o ano, o diabo do vapor não falta como a água do rio; a caldeira arde sempre…
Ia com pressa, as pernas galgavam pedras, montículos e de mais obstáculos, pelo carreiro. Ao abeirar-se da fonte comunitária, guindou-se à direita, pelo atalho do olival, rente ao castanheiro grande, na margem do ribeiro, a passarada levantou voo, esbaforida, face à inusitada presença humana, àquela hora, de aconchego a fim de dormir empoleirada. Aquele castanheiro não era apenas a sua árvore das castanhas, era também uma casa, uma morada, um abrigo da bicharada, ali nidificavam: papa-figos, estorninhos, melros, pintassilgos, chapins, até cotovias, em covinhas, ao toro, no chão.
Abel entrou na povoação e não via mulheres, nem crianças, só homens a descansar nas soleiras e paredes dos quintais, conversando e afagando os fiéis cachorros. Abel deu as boas noites e todos responderam num tom diferente, parecia que sabiam algo que a ele escapava. Ao chegar, junto da sua habitação, logo ali, a criançada a brincar no chão, curiosos, uma menina a fazer de parideira e uma outra a imitar o grito de um recém-nascido. Entrou, empurrando a porta semicerrada, lá estava o mulherio, ainda ouviu a tia Soledade: é bem redondinho, benza-o deus…
Pronto! Abel percebeu que a sua Lucinda tinha parido um menino, um filho de ambos e, em voz alta atirou:
- Bem me avisou o pombo e o maldito rodízio!
- Que é homem, que estás para aí a arengar? – Intrometeu-se a sua mãe, A senhora Ana Luísa, enquanto as outras sorriam, principalmente a sua mulher que sorria também, refeita do esforço, e reconfortada com uma canja de galinha, acabada de sorver.
- Eu chamei-te do alto quando me deram as dores, não ouviste… - Adiantou Lucinda, feliz.
Aos pés da cama, sobre uma tabuinha, a fazer de prateleira, permanecia o seu único livro, “Quando os Lobos Uivam” Aquilino Ribeiro, pôde ler na respectiva lombada. Abel atirou, determinado:
- Vai chamar-se Aquilino! Aquilino, como o do livro. – Apontou para a prateleirita…
Pronto! O menino acabado de vir ao mundo, mais um herdeiro dos hábitos e dos costumes das gentes da serra, das courelas, dos lameiros, das hortas, dos soutos e de um infindável de encantos da ruralidade ficou de nome próprio, Aquilino, o menino da serra, do rio e do moinho.
Foi assim que Abel quis registar o seu filho no registo civil da devida repartição, na vila.
O funcionário perguntou:
- Hora e dia do nascimento? - Abel retorquiu:
- Às 7 horas de sábado.
- Sábado, dia 14, foi de manhã ou à tarde? – Voltou o funcionário.
- À tarde.
- Então, nasceu às dezanove, homem…
- Nome completo?
- Aquilino Augusto Bouça Ribeiro.
- Não fica melhor Aquilino Augusto de Bouça Ribeiro?
- Sim, sim senhor, fica melhor, soa melhor – de Bouça Ribeiro, Aquilino Augusto de Bouça Ribeiro.
- Que raio de nome, homem, não podia ser João, Manuel, Luís, António, sei lá, agora Aquilino.- Contestou o funcionário, desagradado com o nome Aquilino.
- Faz-me lembrar o reviralho… - Retornou, ainda, mostrando má cara a Abel.

- Pois, É Aquilino que fica – Respondeu Abel. Pagou, e saiu de cédula do filho, em mãos…

quarta-feira, 19 de setembro de 2018

Mozinhos - Mó do Pingarelho

Mozinhos, mó descoberta na casita que foi de Isaías Augusto Macena (27/06/1896-27/06/1954), o pingarelho, talvez proveniente de antigo moinho do Rio Bom... poderá ter sido mó movente manual, já que ostenta um orifício onde se colocaria um apetrecho para a manobrar (manualmente). No entanto, falta análise capaz.
O que se pode afirmar, com segurança, é de que foi achada no pequeno quinteiro cuja última utilização foi do casal: Soledade  dos Prazeres Peixeira (prima do Isaías) e Daniel de Jesus Aguiar (este natural de Britelo). A pequena casa com o respectivo quinteiro foi construída em 1862 - um esperto, espertalhão, sabichão qualquer do município de Penedono classificou-a como de herança judaica (o único processo de heresia que consta nos arquivos da inquisição, relativo à actual freguesia do Souto é o da moleira Maria Lopes do Rio Torto, 1728, mesmo este tal como a generalidade dos processos do concelho deve-se a acções de vingança e usura, excepto a dois de Penela que aí se verifica raiz judaica). Todavia, nada desses vestígios, nos Mozinhos, aliás, já ruiu por completo (a própria autarquia que a tinha classificado a arrasou (demolindo-a) na recente abertura de um caminho largo para combate a eventuais incêndios). Fazendo uma retrospectiva histórica e familiar do Isaías que a terá herdado dos seus pais (José Joaquim Macena - de Custóias- e Maria dos Anjos da Costa Peixeira); por sua vez, Maria dos Anjos da Costa Peixeira era filha de Leonor do Nascimento e de Manuel António da Costa Peixeira - este natural do Souto; Leonor do Nascimento era filha de Maria José e de Alexandre José  ( este natural de Bebeses); Maria José era filha de Bárbara Maria e de Manuel Gregório. Tendo em conta a data de construção, que esteve inscrita na lage sobre a porta de entrada (1862), talvez essa data se reporte à época de Leonor do Nascimento (falecida em 1877)/ Manuel António da Costa Peixeira (falecido em 1880, depois de ter ainda casado, em segundas núpcias, com Luísa do Nascimento de Bebeses, da qual não deixou filhos, ficando, portanto, os dois do primeiro casamento (com Leonor): António Bernardo da Costa Peixeira e Maria dos Anjos da Costa Peixeira. Refira-se, a propósito, que a povoação dos Mozinhos só existe a partir do século de (XVII), porventura, por volta de 1630/50. Antes, segundo doação do século X (960), existiu aí um pequeno mosteiro. No primeiro inquérito demográfico de que há registo, 1527, habitavam nos limites da actual freguesia os seguintes moradores: 21 (Souto); 11(Arcas); 1(Trancosã).


Mozinhos - 24/09/2018.
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Ao fundo da quelha o quinteiro e a casa em referencia foto 1990

A imagem pode conter: ar livre e comida



sexta-feira, 27 de abril de 2018

Douro Sul - apontamentos



Douro Sul – apontamentos

Sinopse
Do megalitismo, civilização castreja, romanização, invasões godas, ocupação islâmica, reconquista cristã, ao povoamento e organização administrativa do território, aqui fixamos imenso do nosso legado histórico, social, cultural, político e económico.
Realçámos as lutas fratricidas havidas no espaço geográfico de entre Viseu e Lamego; a exaração documental primeira de São João da Pesqueira e de Penela (1055-1065), Numão (1130), Penedono (1195); a descrição e caracterização do património edificado, nomeadamente, do segundo corredor de defesa e de segurança do Douro Sul.
Enaltecemos e transcrevemos muitos dos documentos e memórias, particularmente as episcopais, administrativas e paroquiais, que nos regeram, moldaram e definiram aos logo destes séculos.
Compilámos os registos paroquiais na integra de gente que edificou, povoou e desenvolveu lugares actualmente desertos, onde a nossa observação quase nada retém dos vestígios desses moradores dos séculos: XVI, XVII, XVIII, XIX e XX.

Entre os primeiros forais outorgados a povoações localizadas dentro das actuais fronteiras do território português, o mais antigo é o de S. João da Pesqueira e vilas circunvizinhas.

Na confluência do Rio Bom, que outrora poderia ter outro nome, com o Rio Torto ficou situado um povoado designado Mozinhos. O étimo deste topónimo, antiquíssimo, está no latim: monachinos (de monachu: monge), talvez directamente, pois não se pode provar que tenha existido um termo como Mouzinho ou mozinho do nosso léxico arcaico ou proto-histórico, pelo que o significado do topónimo é monástico…
Concordando com Almeida Fernandes, o fundador e primeiro rei de Portugal nasceu e foi criado no distrito de Viseu, ou seja, veio à luz no Paço da cidadela de Viseu e medrou nas terras de Lamego, como dissemos, região de larga influência moçárabe, quiçá, o seu próprio educador.
Paulo da Fonseca -Estatuto social: cristão-velho -Idade: 50 anos -Crime/Acusação: bigamia-Cargos, funções, actividades: alfaiate -Naturalidade: Lugar de Covas, termo de São João da Pesqueira -Morada: Lisboa -Pai: Filipe da Fonseca -Mãe: Ana Domingues -Estado civil: casado -Cônjuge: Beatriz Rodrigues -Data da prisão: 24/02/1616.
Maria Lopes -Estatuto social: cristã-velha -Idade: 35 anos -Crime/Acusação: heresia -Naturalidade: Rio Torto, freguesia de Souto de Penedono, bispado de Lamego -Morada: Rio Torto, freguesia de Souto de Penedono, bispado de Lamego -Pai: Daniel Rodrigues, moleiro -Mãe: Maria Lopes-Estado civil: casada Cônjuge: Gaspar Rodrigues, moleiro.
Trancosã: 01-11-1834, faleceu Padre José António Martins, do lugar da Trancosã, recebeu todos os sacramentos e foi sepultado nesta igreja de São Pedro do Souto, junto ao altar…
Mozinhos: 01-03-1880, às 10 horas da manhã, faleceu Maria da Assunção, de 70 anos, casada com Joaquim António de Aguiar, tecedeira, natural de Bebeses, filha de António José Correia, proprietário, e de Maria do Espírito Santo, governanta da sua casa, naturais de Bebeses, deixou 2 filhos.





terça-feira, 24 de abril de 2018

Mozinhos - Douro Sul - apontamentos


Viagem por Terras de Penafiel

Terça-feira, 7 de Setembro de 2010
Não sei como o topónimo Mozinho se radicou para sempre no monte mais importante da Terra de Penafiel. Na meia-idade, é sabido, abundavam no país os sacristães, a que, de modo geral, se dava o nome de mozinhos, se bem que não era denominação exclusiva. Os mozinhos eram moços, e outros sim adultos, que serviam nos templos, mediante remuneração, algumas vezes destinados à vida eclesiástica. Viterbo fala-nos até de uma Confraria de Moozinhos existente em Coimbra no ano de 1281. Há muito que desapareceram os nossos mozinhos. O mais novo do meu conhecimento vivia no final do séc. XVI. Vi-o num assento de baptismo, letra do tempo, da freg.a de S. Romão do Coronado, era de 2-12-1590. Espanha ainda tem hoje os monaguillos ou monacillos, irmãos dos nossos mozinhos, quanto ao nome e sua origem. No séc. XVIII, têm-me aparecido uns ermitães a morar junto a capelas confiadas à sua devota guarda. Vou referir-me apenas a dois, ambos chamados Domingos, que viveram nas cercanias da «Ermida da Senhora da Lapa ou Santo António» (sic), da freg.a de S. Martinho de Lagares. O primeiro, Domingos Alves, já se encontrava «Velho de ssetenta annos de hidade» quando fez o seu testamento, em 20-6-1710, que possuo em cópia, por inteiro. O meu regalo era transcrevê-lo todo aqui, tão formoso é aquele testamento! (E aonde o espaço para tanto?). O outro ermitão, Domingos do Sacramento - nome tão sugestivo! - vem nomeado numa escritura de doação, feita em 11-9-1748, de que também tenho cópia fiel. Os outorgantes dessa escritura, senhores que eram da «Caza de Ordins», disseram que doavam à referida «Capella e a seos eremitoes» um cerrado contíguo à mesma, porque estavam muito agradecidos ao Domingos do Sacramento, pelo seu grande zelo em manter «a dita Capella bem ornada e venerada». Tais ermitãos, a bem dizer eram sacristães daquele tempo, herdeiros do ofício dos mozinhos de antanho. (Ainda há poucos anos ouvi chamar «ermitão» ao sacristão do Bom Jesus, em Braga). Depois disto, alguém achará impossível imaginar um mozinho, em serviço de sacristão, junto da ermida de S. Antão (fora de dúvida, muito anterior a 1622), ou então muito perto do Mosteiro das Freiras? Por mim, teimo em vê-lo em tal sítio, a uma distância plurissecular, a projectar-se, no futuro, mercê de uma simpatia tão forte criada na alma do Povo que fez que ele identificasse o monte com a veneranda pessoa do Mozinho.
MONAQUINO
In jornal Notícias de Penafiel, 1969-05-16, p.04




quarta-feira, 4 de abril de 2018

Professor Valter Almeida - Souto de Penedono, do tempo da PIDE



Antes de 25 de Abril de 1974, nomeadamente na década de 1960, era assim um professor déspota, absentista que se ocupava das burocracias da câmara para a qual não foi eleito, mas escolhido pelos informantes regionais da PIDE e abandonava os seus alunos, fechando-os à chave na sala. Carregava sobre eles com varas de marmeleiro, batendo-lhes na cabeça e em todo o corpo: crianças nas mãos de um agressor que tratava muito mal sobretudo os alunos provenientes das quintas da freguesia que depois de palmilharem 4, 5 e mais quilómetros, o Valter agredia à paulada e humilhava perante os outros, como se fossem criminosos. No final do ano lectivo, reprovava-os, assim, sem mais nem menos...




quinta-feira, 22 de março de 2018

Salazarismo



Depois de ler o artigo do "Expresso" da Pluma Caprichosa, neste fim de semana, ao terminar não me saída da cabeça outra frase que não fosse "filhos da puta". Como é possível que alguém (que não seja um grande filho da puta) possa ter saudades do país descrito (brilhantemente) pela Clara Ferreira Alves. Depois de gozarem aí fora o belo sol que nos cobre, com tempo, não deixem de ler a Pluma.
AQUI:
"Tão felizes que nós éramos
Anda por aí gente com saudades da velha portugalidade. Saudades do nacionalismo, da fronteira, da ditadura, da guerra, da PIDE, de Caxias e do Tarrafal, das cheias do Tejo e do Douro, da tuberculose infantil, das mulheres mortas no parto, dos soldados com madrinhas de guerra, da guerra com padrinhos políticos, dos caramelos espanhóis, do telefone e da televisão como privilégio, do serviço militar obrigatório, do queres fiado toma, dos denunciantes e informadores e, claro, dessa relíquia estimada que é um aparelho de segurança.Eu não ponho flores neste cemitério.Nesse Portugal toda a gente era pobre com exceção de uma ínfima parte da população, os ricos. No meio havia meia dúzia de burgueses esclarecidos, exilados ou educados no estrangeiro, alguns com apelidos que os protegiam, e havia uma classe indistinta constituída por remediados. Uma pequena burguesia sem poder aquisitivo nem filiação ideológica a rasar o que hoje chamamos linha de pobreza. Neste filme a preto e branco, pintado de cinzento para dar cor, podia observar-se o mundo português continental a partir de uma rua. O resto do mundo não existia, estávamos orgulhosamente sós. Numa rua de cidade havia uma mercearia e uma taberna. Às vezes, uma carvoaria ou uma capelista. A mercearia vendia açúcar e farinha fiados. E o bacalhau. Os clientes pagavam os géneros a prestações e quando recebiam o ordenado. Bifes, peixe fino e fruta eram um luxo.
A fruta vinha da província, onde camponeses de pouca terra praticavam uma agricultura de subsistência e matavam um porco uma vez por ano. Batatas, peras, maçãs, figos na estação, uvas na vindima, ameixas e de vez em quando uns preciosos pêssegos.
As frutas tropicais só existiam nas mercearias de luxo da Baixa. O ananás vinha dos Açores no Natal e era partido em fatias fininhas • para render e encharcado em açúcar e vinho do Porto para render mais. Como não havia educação alimentar e a maioria do povo era analfabeta ou semianalfabeta, comia-se açúcar por tudo e por nada e, nas aldeias, para sossegar as crianças que choravam, dava-se uma chucha embebida em açúcar e vinho. A criança crescia com uma bola de trapos por brinquedo, e com dentes cariados e meia anã por falta de proteínas e de vitaminas. Tinha grande probabilidade de morrer na infância, de uma doença sem vacina ou de um acidente por ignorância e falta de vigilância, como beber lixívia. As mães contavam os filhos vivos e os mortos era normal. Tive dez e morreram-me cinco. A altura média do homem lusitano andava pelo metro e sessenta nos dias bons. Havia raquitismo e poliomielite e o povo morria cedo e sem assistência médica. Na aldeia, um João Semana fazia o favor de ver os doentes pobres sem cobrar, por bom coração. Amortalhado a negro, o povo era bruto e brutal. Os homens embebedavam-se com facilidade e batiam nas mulheres, as mulheres não tinham direitos e vingavam-se com crimes que apareciam nos jornais com o título ‘Mulher Mata Marido com Veneno de Ratos’. A violação era comum, dentro e fora do casamento, o patrão tinha direito de pernada, e no campo, tão idealizado, pais e tios ou irmãos mais velhos violavam as filhas, sobrinhas e irmãs. Era assim como um direito constitucional. Havia filhos bastardos com pais anónimos e mães abandonadas que se convertiam em putas. As filhas excedentárias eram mandadas servir nas cidades. Os filhos estudiosos eram mandados para o seminário. Este sistema de escravatura implicava o apartheid. Os criados nunca dirigiam a palavra aos senhores e viviam pelas traseiras. O trabalho infantil era quase obrigatório porque não havia escolaridade obrigatória. As mulheres não frequentavam a universidade e eram entregues pelos pais aos novos proprietários, os maridos. Não podiam ter passaporte nem sair do país sem autorização do homem. A grande viagem do mancebo era para África, nos paquetes da guerra colonial. Aí combatiam por um império desconhecido. A grande viagem da família remediada ao estrangeiro era a Badajoz, a comprar caramelos e castanholas. A fronteira demorava horas a ser cruzada, era preciso desdobrar um milhão de autorizações, era-se maltratado pelos guardas e o suborno era prática comum.
De vez em quando, um grande carro passava, de um potentado veloz que não parecia sujeitar se à burocracia do regime que instituíra uma teoria da exceção para os seus acólitos. O suborno e a cunha dominavam o mercado laborai, onde não vigorava a concorrência e onde o corporativismo e o capitalismo rentista imperavam. Salazar dispensava favores a quem o servia. Não havia liberdade de expressão e o lápis da censura aplicava-se a riscar escritores, jornalistas, artistas e afins. Os devaneios políticos eram punidos com perseguição e prisão. Havia presos políticos, exilados e clandestinos. O serviço militar era obrigatório para todos os rapazes e se saíssem de Portugal depois dos quinze anos aqui teriam de voltar para apanhar o barco da soldadesca. A fé era a única coisa que o povo tinha e se lhe tirassem a religião tinha nada. Deus era a esperança numa vida melhor. Depois da morte, evidentemente. "
Clara Ferreira Alves.

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