ENDAS E EPIFANIAS EM DIA DE REIS. O 6 de Janeiro está estabelecido de há muito como o dia dos Reis. Por essa razão, o tema da Adoração dos Magos, ou Epifania, é um dos mais comuns e popularizados de toda a iconografia cristã. São inúmeras as representações que existem, desde a arte paleocristã, com esse assunto, sempre tão estimado pelas comunidades dado o seu carácter festivo e ecuménico. Escolhi dois exemplos de princípios do século XVI para o ilustrar. O primeiro remete para a oficina coimbrã do pintor Vicente Gil, que produziu para o mosteiro de Santa Maria de Celas um painel da Adoração dos Magos com uma explícita caracterização quer dos adorantes quer das opulentas oferendas ao Menino Jesus. Pelos mesmos anos, uma oficina itinerante, activa em zonas da raia transmontana, pintou num dos frescos da igreja de Nuestra Señora de la Expectación de Badilla em Sayago (Zamora) outra Adoração dos Magos onde as jóias e adereços oferecem também uma especial atenção por parte do anónimo artista, algo de inusual nesse contexto de ruralidade. Ambas as pinturas mostram a atenção que o tema desde sempre sugeriu a artistas e encomendantes de arte sacra.
Trata-se de um passo que, todavia, apenas surge referido no ‘Evangelho de São Mateus’ (2,1-12), no qual se cita a visita feita por certos reis «vindos do leste», guiados por uma estrela, que vieram adorar o Menino Jesus «nascido Rei dos Judeus», a quem trouxeram oferendas. Só no século VI o Papa Leão I o Grande fixou em três o número dos Reis Magos, pois São Mateus não o precisa. A mesma tradição recolhida no chamado ‘Evangelho Apócrifo Armeno da Infância’ (5,10), do final do mesmo século VI, dá-nos nome a esses magos, «que reinavam sobre os persianos» e que trouxeram ouro, incenso e mirra como ofertas: «o primeiro era Melkon, rei dos persas; o segundo Gaspar, rei dos índios; e o terceiro Baltazar, rei dos árabes, e as tropas que com eles vinham somavam doze mil homens» (XI, 1-3). No século XII, o beneditino inglês Beda aprofunda a descrição dos três magos, tornando-se a sua representação cada vez mais popular na arte, a Ocidente e a Oriente. Autores famosos como Louis Réau (‘Iconographie de l’art chrétien’) e Gilbert Vezin (‘L'Adoration et le cicle des Mages dans l'art chrétien primitif’) não têm dúvidas em afirmar que foi o tema assunto mais popular de toda a arte cristã.
A referência a ‘magos’ explicita o carácter universal da religião instituída. Tais reis seriam sábios de origem gentia (isto é, não judeus), com conhecimentos de Astrologia; pensam algumas fontes que seriam sacerdotes da religião zoroástrica da Pérsia ou conselheiros, seguidores da profecia do Antigo Testamento (Miquéias 5,1) sobre o nascimento do Messias, assinalado por uma estrela. Após várias peripécias que incluíram as dificuldades postas por Herodes à viagem (como diz Mateus), a estrela conduziu-os a Belém, perto de Jerusalém, onde adoraram o Menino recém-nascido.
A alusão neste passo do Evangelho a uma estrela, levou a que no século XIV o célebre pintor toscano Giotto da Bondone a imaginasse como cometa, após o impacto da passagem do Halley em 1301 e assim pintasse a Epifania num dos seus frescos. Uma fonte moderna identifica a estrela com a conjunção simultânea, ocorrida no ano 7 a.C., na constelação dos Peixes, reforçando a sua simbologia messiânica, patente também no Livro dos Números a respeito do profeta Balaão (‘um astro procedente de Jacob se torna chefe’: (24,17) e o texto de Isaías (9,1: ‘O povo que andava nas trevas viu uma grande luz, uma luz raiou para os que habitavam uma terra sombria’).
Assim, a mensagem do Evangelho de Mateus atesta o carácter universal da história, e o seu simbolismo, patente na significação dos presentes: o ouro, metal nobre por excelência, simboliza a realeza; o perfume do incenso alude à divindade; e a mirra, ao sofrimento e à redenção. A mirra, recorde-se, nasce numa planta usada para fins medicinais e também no embalsamamento de corpos. Tudo isto explica a imediata popularização do tema e o crescente número de representações em pintura a óleo e a fresco, em esculturas e baixos-relevos, na iluminura, no azulejo, em Presépios de madeira e barro, etc, etc.
Só na arte portuguesa, conhecem-se largas centenas de representações deste tema, tanto eruditas como populares, oferecendo algumas especificidades iconográficas, caso da identificação de um dos magos como índio do Brasil, por exemplo, ou a (mais rara inclusão) de quatro reis como simbologia das quatro Partes do Mundo. Alguns estudos de Flávio Gonçalves, Carlos Alberto Ferreira de Almeida, Luís Alberto Casimiro e D. Carlos Moreira Azevedo contribuíram para a sua melhor definição topológica e iconográfica. E não é de esquecer a expressão festiva dos Presépios barrocos, que passam cedo a integrar a chegada dos Reis Magos e seu séquito na temática do Nascimento de Jesus, o que multiplicou as possibilidades de variação imaginosa de um tema que sempre se prestou a grande impacto no contexto do ciclo das festividades natalíceas: recordo o de Machado de Castro na Basílica da Estrela. É por isso que a tábua ‘manuelina’ de Vicente Gil aqui escolhida oferece tantas razões de interesse histórico, iconográfico e artístico no contexto da arte portuguesa. Ou, na mesma linha referencial, o fresco da igreja de Sayago (Zamora). Ambos explicam a razão de ser de um tema que desde sempre exaltou o imaginário das populações e abriu linhas de convergência ecuménica no seu seio.
Trata-se de um passo que, todavia, apenas surge referido no ‘Evangelho de São Mateus’ (2,1-12), no qual se cita a visita feita por certos reis «vindos do leste», guiados por uma estrela, que vieram adorar o Menino Jesus «nascido Rei dos Judeus», a quem trouxeram oferendas. Só no século VI o Papa Leão I o Grande fixou em três o número dos Reis Magos, pois São Mateus não o precisa. A mesma tradição recolhida no chamado ‘Evangelho Apócrifo Armeno da Infância’ (5,10), do final do mesmo século VI, dá-nos nome a esses magos, «que reinavam sobre os persianos» e que trouxeram ouro, incenso e mirra como ofertas: «o primeiro era Melkon, rei dos persas; o segundo Gaspar, rei dos índios; e o terceiro Baltazar, rei dos árabes, e as tropas que com eles vinham somavam doze mil homens» (XI, 1-3). No século XII, o beneditino inglês Beda aprofunda a descrição dos três magos, tornando-se a sua representação cada vez mais popular na arte, a Ocidente e a Oriente. Autores famosos como Louis Réau (‘Iconographie de l’art chrétien’) e Gilbert Vezin (‘L'Adoration et le cicle des Mages dans l'art chrétien primitif’) não têm dúvidas em afirmar que foi o tema assunto mais popular de toda a arte cristã.
A referência a ‘magos’ explicita o carácter universal da religião instituída. Tais reis seriam sábios de origem gentia (isto é, não judeus), com conhecimentos de Astrologia; pensam algumas fontes que seriam sacerdotes da religião zoroástrica da Pérsia ou conselheiros, seguidores da profecia do Antigo Testamento (Miquéias 5,1) sobre o nascimento do Messias, assinalado por uma estrela. Após várias peripécias que incluíram as dificuldades postas por Herodes à viagem (como diz Mateus), a estrela conduziu-os a Belém, perto de Jerusalém, onde adoraram o Menino recém-nascido.
A alusão neste passo do Evangelho a uma estrela, levou a que no século XIV o célebre pintor toscano Giotto da Bondone a imaginasse como cometa, após o impacto da passagem do Halley em 1301 e assim pintasse a Epifania num dos seus frescos. Uma fonte moderna identifica a estrela com a conjunção simultânea, ocorrida no ano 7 a.C., na constelação dos Peixes, reforçando a sua simbologia messiânica, patente também no Livro dos Números a respeito do profeta Balaão (‘um astro procedente de Jacob se torna chefe’: (24,17) e o texto de Isaías (9,1: ‘O povo que andava nas trevas viu uma grande luz, uma luz raiou para os que habitavam uma terra sombria’).
Assim, a mensagem do Evangelho de Mateus atesta o carácter universal da história, e o seu simbolismo, patente na significação dos presentes: o ouro, metal nobre por excelência, simboliza a realeza; o perfume do incenso alude à divindade; e a mirra, ao sofrimento e à redenção. A mirra, recorde-se, nasce numa planta usada para fins medicinais e também no embalsamamento de corpos. Tudo isto explica a imediata popularização do tema e o crescente número de representações em pintura a óleo e a fresco, em esculturas e baixos-relevos, na iluminura, no azulejo, em Presépios de madeira e barro, etc, etc.
Só na arte portuguesa, conhecem-se largas centenas de representações deste tema, tanto eruditas como populares, oferecendo algumas especificidades iconográficas, caso da identificação de um dos magos como índio do Brasil, por exemplo, ou a (mais rara inclusão) de quatro reis como simbologia das quatro Partes do Mundo. Alguns estudos de Flávio Gonçalves, Carlos Alberto Ferreira de Almeida, Luís Alberto Casimiro e D. Carlos Moreira Azevedo contribuíram para a sua melhor definição topológica e iconográfica. E não é de esquecer a expressão festiva dos Presépios barrocos, que passam cedo a integrar a chegada dos Reis Magos e seu séquito na temática do Nascimento de Jesus, o que multiplicou as possibilidades de variação imaginosa de um tema que sempre se prestou a grande impacto no contexto do ciclo das festividades natalíceas: recordo o de Machado de Castro na Basílica da Estrela. É por isso que a tábua ‘manuelina’ de Vicente Gil aqui escolhida oferece tantas razões de interesse histórico, iconográfico e artístico no contexto da arte portuguesa. Ou, na mesma linha referencial, o fresco da igreja de Sayago (Zamora). Ambos explicam a razão de ser de um tema que desde sempre exaltou o imaginário das populações e abriu linhas de convergência ecuménica no seu seio.
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