Luís de Sousa Peixeira
Penedono
Apontamentos
Mozinho, Rio Bom, Rio Torto, Risca,Trancosã
PENEDONO – Apontamentos: Mozinhos, Rio Bom, Rio Torto e Trancosã
Pré-História
Antes mesmo de nos debruçarmos sobre a organização deste espaço na medievalidade, importa tentarmos um recuo aos idos milénios a.C.: quinto, quarto, terceiro, segundo, primeiro e, assim, melhor intuirmos, porventura, a organização social dos povos que nos deram origem.
Começaremos por abordar a problemática da ocupação humana na Península Ibérica até à formação de Portugal, se bem que de uma maneira sucinta e genérica, porém, essencial para que possamos, então sim, ocuparmo-nos da evolução humana nos actuais limites no nosso concelho de Penedono.
Claro que não estaremos, em riste, com régua e esquadro, confinados às marcas geodé-gicas. As fronteiras foram, talvez ainda sejam, imaginárias, simbólicas, convencionais e, quantas vezes, estratégicas.
É relevante referir a importância que teve o rio Tejo e toda a sua rede de rios e afluentes. Conhecem-se aqui alguns sítios com bifaces do Acheulense e foram descobertas dos primeiros indícios do que pode ter sido uma presença humana do Paleolítico Superior na Região Centro do território hoje português, no Monte de S. Roque e Levada, reforçando o conhecimento que havia através dos acampamentos e locais com arte rupestre no vale do rio Côa.
Durante milénios, a humanidade viveu da caça, da pesca e da recolecção de vegetais. O clima era então muito diferente do actual. Na Serra da Estrela chegaram a existir glaciares, ao longo de todo o ano, línguas de neve cobriam os vales dos actuais rios, com metros de gelo. Esta Idade Glaciária durou até aproximadamente de dez mil anos antes da nossa era. Corresponde ao Paleolítico, o período da pedra antiga ou lascada.
A economia do período Neolítico a partir do quinto milénio a. C., ou um pouco antes, no Oeste peninsular, pressupunha a produção de alimentos de recolecção e alguma produção rudimentar e pastoril em grupos pouco numerosos que seguiam ainda sistemas de mobilidade, caracterizados por estratégias de exploração territorial extensivas. Sem dúvida que começaram um processo de maior intervenção humana na natureza, para a controlar, alterar e revalorizar.
A par com as paulatinas mudanças alimentícias e económicas, os grupos tiveram uma grande tendência para fomentar transformações no todo social e ideológico. A consoli-dação das práticas agrícolas e pastoris, implicando a desflorestação de áreas trouxe consigo a necessidade de fixar e marcar os limites territoriais. Serão essas condições inerentes ao modo de vida onde eclodiram as arquitecturas megalíticas, numa garantia mais vincada dos vínculos entre sociedade e território.
A evolução cultural desses caçadores-recolectores nómadas foi também muito notável ao longo de todo o Paleolítico e está na origem das três grandes fases em que se divide este período: Paleolítico Inferior (ferramentas de pedra lascada, madeira ou osso, todas usadas na mão – furar, cortar e raspar); Paleolítico Médio (Homem de Neandertal – técnicas de encabamento, pontas de lança em pedra, talhe da pedra, raspadores e primeiras práticas de enterramento dos seus mortos); Paleolítico Superior entre cerca de 35.000 - 10.000 a. C. (arte rupestre dentro de cavernas ou ao ar livre – vale do Côa – instrumentos de pedra burilados – lascas, buris, raspadeiras e pontas, foices, serrilhas, pesos de pesca). Marca a descoberta e a expansão do simbolismo e da abstracção expressas pela criação artística com obras rupestres, na sua maioria de carácter zoomórfico.
No território que veio a ser português, a maior parte da arte paleolítica conhecida con-serva-se ao ar livre, nas margens xistosas de alguns rios: Côa (lugar cimeiro), Sabor e Zêzere, para além das margens de rios destacam-se ainda as decorações pictóricas e incisas do Paleolítico Superior do Escoural, a gruta decorada mais a Ocidente na Europa.
O Calcolítico, Idade do Bronze, abrange a quase totalidade do III milénio a.C. e é caracterizado pelo aparecimento de artefactos de cobre, utilizados a par de instrumentos de pedra lascada e polida. Neste período manifesta-se um novo sistema sociocultural materializados sobretudo pelo uso da cerâmica, pela prática reprodutiva dos animais e pelo desenvolvimento da actividade agrícola (semeiam e plantam e apascentam gado domesticado).
No final do Calcolítico, que corresponde ao período campaniforme, surge-nos, como um momento de profunda transformação, expressa no registo arqueológico, através de evidente locativo mais comum no habitat, mudaram-se os rituais funerários. Mudou a escala da organização social, dilatou-se o espaço de trocas.
Neste contexto peninsular importa atendermos mais ao nosso objecto de estudo, ou seja, a proximidade do território concelhio, sem olvidarmos a sua natural contiguidade espacial.
Assim, queremos deixar firmados os registos produzidos pelos arqueólogos: Pedro M. Sobral de Carvalho; Luís Filipe Coutinho Gomes.
Eles como académicos e peritos, especialistas no trabalho de campo, também não se deixaram encurralar por fronteiras administrativas que apenas servirão para mera gestão concelhia e regional.
Desse modo, os citados arqueólogos, designaram a sua área de escavação e apresentação de resultados por Necrópole Megalítica da Nossa Senhora do Monte (Penedono, Viseu). Associada a este conjunto monumental megalítico levaram a efeito o estudo e a valorização da emblemática Anta de Areita, actualmente inserida no território concelhio de São João da Pesqueira. Ora, não será difícil de perceber que, antes de qualquer organização concelhia, estará subjacente a presença de povos de culturas similares que, na zona da Beira Alta do Portugal do século XXI, ainda perduram vestígios de um certo modo de viver e, sobretudo, da maneira como enterravam os seus mortos.
A necrópole da Nossa Senhora do Monte compreende seis monumentos megalíticos: Dólmen de Sangrino; Dólmen 1 da Lapinha, Dólmen 2 da Lapinha; Dólmen da Capela da Nossa Senhora do Monte; Dólmen do Carvalhal; Dólmen do Turgal.
Trata-se de um conjunto de necrópoles situadas nos territórios administrativos das freguesias de Castainço e de Penela da Beira, naturalmente vizinhas da de Paredes da Beira onde se situa a de Areita que, por sua vez, confina com a de Trevões e se alonga à de São João da Pesqueira a raiar as margens do rio Douro.
É uma área planáltica bordejada de dois cursos de água, a uma cota média de novecen-tos metros. As linhas de água estendem-se pelos vales pouco cavados e dos cumes estende-se a vista em anfiteatro. Meia dúzia de monumentos que aqueles arqueólogos puderam estudar, preservando património possível, depois de séculos de lapidação, encontra-se nas vertentes do Vale de Nossa Senhora do Monte e no Vale Vidreiro, aquele um pouco mais distante, mas presumivelmente enquadrado no conjunto do qual fariam parte outros cujos vestígios não permitem certezas de localização. Deram conta, aqueles especialistas, de que, nos finais dos anos da década de noventa, do século vinte, ainda corriam descrições de memória acerca de outras construções, porém destruídas, umas para aproveitamento de pedra nas construções civis, outras desfeitas em virtude de terraplanagens na plantação de novos soutos de castanheiros. Nas vertentes próximas, provavelmente, enquadradas noutras necrópoles daquela localidade há referência de outros monumentos funerários da mesma época, como é o caso do Dólmen de Penela da Beira com visibilidade para Norte.
O estudo sistemático das manifestações megalíticas de Penedono teve início apenas em 1989, através de um projecto dirigido por aqueles arqueólogos, perspectivando o estudo e a valorização do megalitismo do concelho. Efectuaram-se trabalhos de prospecção, restauro e consolidação de manifestações megalíticas que ainda conseguiram estudar outros monumentos do concelho como, por exemplo, o Menir do Vale de Maria Pais e as sepulturas da necrópole da lameira de Cima, na actual freguesia das Antas, concelho de Penedono.
Em síntese, o arqueólogo Pedro Sobral, e o seu colega Luís Filipe Gomes afirmam que num vale de altitude pouco profundo e com ligeiro pendor para Sul, comum a tantos outros do Noroeste peninsular, terá sido concedida, no último quartel do IV/ princípios do III milénio a. C., a Necrópole da Nossa Senhora do Monte onde, a par de sepulcros megalíticos mais funcionais, estariam outros já selados. Após este período de apogeu do megalitismo, a necrópole tornou a ser alvo de novas inumações, já durante a Idade do Bronze. Assim, partem do pressuposto de que as comunidades que construíram a necrópole a terão abandonado no decorrer do primeiro quartel do III milénio A. C.
Salientam que não há aí materiais do Calcolítico. Porém, o espaço nunca terá deixado de ser sagrado e, assim, novos grupos de pessoas terão aproveitado estas construções megalíticas para servirem de sepulcros, alguns séculos mais tarde, durante o II milénio a.C.
Não sabemos se caso único, mas, deveras singular, é o facto de, já em período cristianizado, aí ter sido erigido, contiguamente, templo cristão. De resto, foram locais de inumação dos mortos até, praticamente, meados do século XIX da nossa era.
O espólio exumado é diverso onde se pode destacar pontas de seta de base triangular, em sílex, micrólitos, lascas, machados, contas de colar, alguns fragmentos cerâmicos, lamelas, goivas, objectos de adorno, elementos de moinhos manuais e, considerado importante, na zona do átrio do Dólmen da Capela da Nossa Senhora do Monte, foi exumado um depósito votivo de carácter colectivo, constituído por um recipiente cerâ-mico e um esferóide, uma pequena estrutura em forma de caixa, porventura, receptáculo de oferendas. No corredor intramular foram acesas fogueiras cujos restos carbonizados, após terem sido submetidos a análises radiocarbónicas, permitiram datar o sepulcro do IV milénio a.C.
A maioria dessas concentrações de carvão e de cortiças carbonizadas corresponderão a rituais relacionados com a selagem do sepulcro.
Acerca do espólio exumado refira-se: artefactos de pedra lascada e de pedra polida; objectos de adorno (contas de xisto); moinhos manuais; algum material cerâmico; fragmentos osteológicos.
A arte megalítica, arte por excelência do Paleolítico, encontra-se segundo dois tipos de monumentos: em dólmens e em menires.
A temática da arte megalítica compreende excelentes motivos abstractos, geométricos, naturalistas e semi-naturalistas, que poderão ser pintados ou gravados. As pinturas, normalmente a vermelho e preto, cobrem as superfícies dos esteios, tornando o espaço fúnebre, fechado e escuro, num ambiente colorido e esteticamente vivaz. São superfícies que adquirem sentido de conjunto como se fossem autênticos polípticos. Passa a existir uma lógica, um sentido, uma história que se transmitiria aos eleitos, aos sacerdotes, em fim: aos poucos que teriam acesso ao interior dos sepulcros. Não esqueçamos que eram espaços sagrados, mais do que sepulturas, simbolizavam o culto de verdadeiros templos à eternidade.
Igualmente expressivos são os motivos representados nos menires, monumentos de carácter votivo, normalmente associados ao carisma da territorialidade e da fecundidade; são raros no Centro de Portugal, conhecendo-se apenas a estela-menir da Caparrosa (Tondela), o menir dos Carvalhais (S. Pedro do Sul) e o menir do Vale de Maria Pais (Antas, Penedono).
A arte rupestre ao ar livre é uma realidade exposta, perspectivando contemplação pública, com incidências do sentido abstracto e artístico.
De facto, o menir do Vale de Maria Pais foi identificado em 1991, é um monumento de evidente configuração fálica, bem afeiçoado em toda a sua superfície, com secção ova-lada e de topo arredondado. Na face principal registam-se gravadas simples covinhas, formando uma configuração precisa e, na outra face, apresenta quatro covinhas grava-das. Faz parte da Necrópole Megalítica da Lameira de Cima onde se apresentam sepul-turas muito significativas., escavadas em rochas graníticas.
Assim, o menir do Vale de Maria Pais encontra-se implantado no limite Oeste de um amplo vale, nas faldas da serra do Medonho, onde correm várias linhas de água que alimentam as nascentes do rio Torto, subsidiário do rio Douro, a uma altitude média de 825 m. O substracto rochoso é granítico. Possui 3m de comprimento e uma largura entre os 0,70m e 1 metro e a secção é ovóide. Menir do Vale Maria Pais, um monumento identificado em 1991 que apresenta configuração fálica, bem afeiçoado em toda a sua superfície, com secção ovalada e topo arredondado. A sua superfície regista decoração com covinhas (fossetes) e um motivo que lembra uma representação solar. A disposição destes motivos leva a supor que este menir mediria, originalmente, entre 5 a 6 metros de altura.
Dólmen Nª Sª do Monte – Penela - Dólmen de Areita – Paredes
O Dólmen de Areita, Paredes da Beira, São João da Pesqueira
Trabalho levado a efeito pela equipa científica dirigida pelos arqueólogos Pedro Sobral de Carvalho e Luís Filipe Gomes entre 1996-1998, constitui um dos mais significativos monumentos megalíticos do território português.
Dista cerca de três quilómetros do conjunto tumular de Nossa Senhora do Monte de Penela da Beira.
Situa-se a poucos metros da estrada municipal que liga Paredes da Beira à de Riodades, ambas do concelho de São João da Pesqueira. Num planalto sobranceiro ao rio Távora, afluente da margem esquerda do rio Douro. A este dólmen estaria associado um conjunto megalítico do qual havia memória da população mais idosa nos anos noventa daquela região, nomeadamente a Mamoa do Imbigo cuja preservação tardou a ser implementada.
Na cercadura de uma encosta do rio Távora encontra-se a fraga d´Aia, um pequeno abrigo granítico onde se realizaram pinturas diversas em vermelho, porventura de conotação simbólica e religiosa.
Trata-se de um monumento de tipo clássico de grandes dimensões, com câmara poligonal alargada e corredor médio, bem diferenciado, quer em planta como em alçado.
Ao contrário do corredor, profundamente revolvido, o primitivo piso deposicional da câmara manteve-se intacto, proporcionando a identificação de um só nível primário de utilização definido por uma camada arenosa polvilhada de ocre e sobre a qual se con-servavam ainda restos ósseos humanos associados a uma variada panóplia de artefactos – micrólitos, uma lâmina, elementos de adorno e artefactos cortantes em pedra polida, de pequenas dimensões – que, pelas suas características, nos indiciam a situá-lo nos finais do IVº milénio a. C. ou mesmo um pouco antes.
Sob o primitivo espaço de utilização da câmara foram identificados vários troncos carbonizados contextualizados com uma significativa dispersão de cinzas, podendo relacionar-se com um conjunto de estruturas vegetais colocadas aquando da construção e utilizadas como apoio (escoramento) às próprias estruturas megalíticas. Poder-se-á colocar também a possibilidade de terem feito parte de uma estrutura pré-existente à edificação do sepulcro.
No interior da câmara, e utilizando um dos esteios laterais como face de fundo, conser-vava-se uma estrutura de tipo caixa, em granito, podendo talvez relacionar-se com a deposição temporária de oferendas e ou do inumado.
O acesso ao interior do sepulcro far-se-ia através de dois espaços diferenciados, quer em planta, quer pela disposição central de três lajes horizontais: átrio e o corredor intratumular.
Após um curto período de utilização, o acesso ao interior do monumento foi ritualmente obliterado com terra, cascalho e pedras – estrutura de condenação.
Nos esteios 4 e 7 da câmara, foram idenficados diversos motivos gravados merecendo especial destaque o conjunto patente, na lage central. Genericamente, trata-se de um painel ostentando quatro motivos sub-rectangulares segmentados, enquadrados por linhas em ziguezague.
No que toca aos vestígios osteológicos conservados, pode-se salientar a sua dispersão um pouco por todo o espaço da câmara, bem como a desconexão anatómica dos ossos, dispostos desordenamente; porventura, de seis indivíduos.
Formação de Portugal
As Raízes: do Paleolítico à prefiguração de um “condado”
As raízes de Portugal residiram nos povos e culturas que ao longo dos séculos se foram inscrevendo no espaço geográfico que se viria a desenvolver no Oeste ibérico.
O facto de, nesse espaço, ter perdurado a indústria asturiense até ao começo do Neolítico e de nenhuma das brilhantes civilizações do Paleolítico Superior se ter aí alicerçado, sugere-nos o isolamento em que viveria então o Ocidente peninsular.
Do longo período que medeia entre o Paleolítico e a prefiguração de um condado, rele-vemos: a civilização megalítica; a civilização castreja; a romanização da Lusitânia; os reinos suevos e visigóticos; a dominação muçulmana. Isso porque concordamos com Jaime Cortesão de que “(…) a história de um povo ficaria incompleta se não remontás-semos, sempre que possível, até à profundura das suas raízes, procurando determinar-lhe as ascendência de certos caracteres (…)”1.
A civilização megalítica parece conter a primeira individualidade cultural do Ocidente peninsular.
Inserida na Península entre finais do quarto milénio e os inícios de 2000 a.C., é uma civilização que se caracteriza fundamentalmente pela construção de monumentos tumulares de pedra – as antes ou dolmens – com espólios interiores ricos, desde placas de lousa, cilindros e machados de calcários até aos vasos de cerâmica, semelhantes aos da cultura dolménica do levante peninsular. Geralmente associadas, constituíam grandes necrópoles. É Orlando Ribeiro que, no entanto, nos adverte que “(…) seria exagerado procurar na civilização megalítica ocidental a génese da nacionalidade portuguesa (…)”. Para logo condescender: “ (…) mas é lícito filiar nesta primeira manifestação da individualidade humana do território, a continuidade de um elemento de diferenciação que, por mais de uma vez, voltará a actuar” .
A civilização castreja que, entre os séculos VIII a.C. e II d.C., marcou o Noroeste da Península Ibérica, caracteriza-se pela existência de povoados fortificados – os castros – rodeados de muros de pedra solta e alcandorados no cume dos montes. Esses povoados manteriam, durante milénios, marcas de civilizações anteriores, do Neolítico à romanização. Mais numerosos na Galiza, também se estenderam a todo o território do Centro e do Norte do Mondego. De dimensões variáveis poderiam albergar tanto escassos, como centenas ou milhares de habitantes, identificados com: o arcaísmo dos objectos reproduzidos dos modelos neolíticos; a prática de uma economia pastoril, na base de uma atitude colectivista quanto a rebanhos e ao usufruto de uma agricultura rudimentar de subsistência. Caprinos e ovinos constituiriam, fundamentalmente, a sua base de sustentação, quer na alimentação – carne e leite –, quer nos agasalhos – lã. O pastoreio apresentar-se-ia relativamente fácil na execução, apascentado o gado em regime livre pelas montanhas e vales. No obstante a área relativamente densa de bosque, que dificultava a circulação, apenas necessitariam de resguardar os pequenos talhões de reprodução de escassas plantas gramíneas e de folha, de consumo directo. O facto de todos os povoados se circunscreverem ao espaço interior dos muros de pedra solta permitia, por um lado, a defesa face a eventuais grupos rivais, por outro, resguardavam humanos e animais perante as ameaças de feras predadoras, na época abundantes na Península Ibérica, nomeadamente ursos, lobos e outros felinos de menor porte, mas igualmente carnívoros caçadores. A castanha e a bolota seriam então indispensáveis na dieta dessas gentes.
Para os castrejos contribuiriam as civilizações dos ligures e dos celtas, sem olvidar que não perduraram vestígios arqueológicos ou outros elementos do património material ou imaterial que nos permitam distinguir, caracterizar e datar os respectivos contributos para a moldagem dessa civilização.
A romanização da Lusitânia iniciou-se com a sua conquista e submissão em 193 a.C., só terminando um século e meio depois, no ano 25.
Acerca dos lusitanos discute-se a origem étnica, porém conhecemos-lhes alguns hábitos e costumes quotidianos, que se enquadravam na civilização castreja da Idade do Ferro. Eram montanheses que procuravam superar as deficiências de uma agricultura irregular de sobrevivência mínima nos bosques e das proveniências dos produtos dos rebanhos. Alimentavam-se da carne e do leite de cabras e de ovelhas; da caça directa, usando armas de arremesso, através de armadilhas, de emboscadas e do uso de varapaus; de raízes, plantas e demais produtos dos bosques e nomeadamente do pão de lande, feito da castanha e da bolota. Dormiam em montes de palha e de arbustos, cobrindo-se com mantas grosseiras de lã.
Paralelamente à agricultura e à pecuária desenvolveram-se outras actividades produtivas. A cerâmica, a tecelagem, a fundição dos metais abriram largas possibilidades de se criarem novos instrumentos que substituíssem, em grande parte, os de pedra. Também está verificado que começaram a desenvolver-se, no interior das diferentes comunidades, novos ofícios como: oleiro, tecelão e ferreiro. Esta separação da agricultura constitui a segunda grande divisão social do trabalho.
A cerâmica, tendo tradições muito profundas, encontrava-se generalizada por todo o território. Inicialmente trabalho exclusivamente de mulheres, no regime do matriarcado, na Idade do Ferro constitui um ofício específico, que continua, no entanto, a cargo da mulher. É provável que o emprego dos artefactos de barro fosse comum. Vitrévio, segundo Martins Sarmento, fala de casas de madeira e de barro. Os utensílios de cozinha seriam de argila.
Os espólios arqueológicos identificam, com vulgaridade, a existência de peças de tear, o que admite instrumentos de fiação e de tecelagem. Os tecidos seriam fabricados de linho, de lã e de peles. O linho era abundante. Plínio refere-nos o linho dos Zoelas, de Trás-os-Montes, objecto de tratamentos tintureiros.
A arte de tecelagem tem raízes fundas na ibéria. Estrabão elogia os habitantes de Emporias (Ampúrias) no seu conhecimento especializado na tecelagem do linho. O mais afamado no tempo de Plínio era chamado Carbasus, segundo Garcia y Bellido, era uma variedade do Linum humile. Fiavam aquilo que lhes facilitava a grande riqueza de gado ovino, ou seja, a lã.
A tinturaria era conhecida, sendo a purpura haemastoma a forma mais vulgar. Havia grande variedade de plantas empregues nesta técnica, o que permitia, por sua vez, alguma variedade de cores nos tecidos. Porém, sabe-se que predominava o preto.
Quanto à curtimenta, não aparecem nos povoados objectos específicos para esse fim. Deduz-se que utilizassem a urina, como no Paleolítico, para apodrecer os pêlos e a epiderme, aproveitando as substâncias azotadas.
O desenvolvimento da metalurgia traz mudanças profundas às técnicas artesanais. O trabalho do ouro diferencia técnicas como a estampagem, a fundição, a soldadura, o emprego do granulado e a gravação a buril. Os finais da Idade do Ferro no território onde hoje é Portugal são demonstrativos do conhecimento de diversas técnicas.
A fortificação dos povoados deve ter impulsionado consideravelmente a fabricação dos instrumentos de produção da construção de edifícios. Mas as armas de ferro comprovam já uma certa capacidade no domínio da sua fundição e forjadura. O ferro seria extraído da serra de Moncayo, terra de Numância, o cobre da região de Almeria, (Rio Tinto) e Vipasca (Aljustrel), o chumbo na Medobriga.
Estrabão refere-se à extracção do ouro das minas e às técnicas usadas. Na lavagem da areia trabalhavam mulheres, e os homens nos crivos e tabuleiros. O estanho era obtido no Noroeste da Península. Plínio diz que o ouro era extraído dos rios e ribeiras e cita o Tejo.
As lutas havidas correspondem ao período da invasão, conquista e pacificação da península pelos romanos; significaram também a aculturação dos povos aqui fixados. É a romanização que marcaria para sempre a Península Ibérica.
Passar-se-ia: de uma economia de montanha – produtos dos bosques (bolotas e casta-nhas) – para uma economia agrícola com aproveitamento intensivo dos solos, mediante a exploração simultânea da vinha, do olival, das árvores de fruto e da ceara alternada com o pousio; dos povoados fortificados, com casas de pedra, chão de terra batida e telhados de colmo, para povoações abertas, nas planícies e nos vales – as vilas rústicas -, com casas de tijolo ou adobe, chão de ladrilho e telhas de cobertura; dos vários falares indígenas para o uso do latim que se tornaria um forte elemento de unificação entre os povos ibéricos.
A romanização manifestou-se no território peninsular que extravasa as fronteiras daquele que se viria a tornar português, embora com maior intensidade nas regiões do Sul. Entre as transformações lembremos: o desenvolvimento das indústrias – forjas, olarias, pedreiras, salga de peixe e a tecelagem doméstica -; a reanimação de actividades comerciais, através da criação de feiras e mercados; o crescimento das cidades, vilas e de uma vasta rede de vias calcetadas – as singulares estradas romanas; o delineamento de quadros administrativos que, permanecendo mediante as influências de outras civilizações, iriam durar até ao período da formação de Portugal.
As divisões administrativas romanas denominadas “conventi” terão tido origem em anteriores limites étnicos. A propósito, é Torquato de Sousa Soares quem acentua o significado de uma relativa coincidência dos “conventi” da Lusitânia romana com o traçado das fronteiras de Portugal, definidas cerca de mil anos depois.
A romanização que atingiu o seu apogeu no século II, marcaria sobretudo o Sul, com importantes construções – na Lusitânia, principalmente na portuguesa, os monumentos seriam menos expressivos.
Contribuiria, ainda, a romanização para alguns particularismos regionais, uma vez que o grau de assimilação dos modos de vida romana seria menor na região Norte.
A urbanização de antigos castros, a fundação de cidades e a delimitação dos territórios das civitates dos vários povos que constituíam os lusitanos representam uma profunda reforma administrativa, operada pelos romanos a partir de 25 a. C. Concomitantemente, promoveu-se a construção de uma rede viária, ligando as cidades e alguns lugares habitados nesta região que hoje designamos, genericamente, de Beira.
Foi uma medida prática que, ao ordenar o território, aculturou os diferentes povos que então ocupavam a região, estendendo eficazmente a unidade política e administrativa às zonas de entre o rio Tejo e o rio Douro.
As civitates foram fixadas nominalmente numa inscrição romana da ponte de Alcântara que hoje liga Espanha a Portugal (sobre o Tejo, no distrito de Castelo Branco), designando as populações autóctones de: Igaeditani, Lancienses Oppidani, Tapori, Interannienses, Coilarni, Lancienses Trancudani, Aravi, Meidubrigenses, Arabrigenses, Banienses e Paesures. Terão sido povos que certamente contribuíram e participaram na construção daquela ponte extraordinária e, eventualmente, trabalharam igualmente na edificação da estrada que ligava Emerita Augusta a Bracara Augusta, passando por Cáceres e por Viseu (Viseu foi um centro de vias onde convergiam e divergiam mais de uma dezena de estradas romanas).
Com a criação das civitates foi necessário delimitar os respectivos territórios. Essa demarcação efectuou-se através da colocação de marcos designados de termini augustales dos quais se conhecem alguns no distrito de Viseu.
Um desses marcos foi encontrado na capela de S. Bartolomeu, freguesia de Guardão, concelho de Tondela.
Trata-se de uma peça de extrema relevância, no entanto, bastante truncada, segundo Jorge Alarcão e João Luís Inês Vaz, apenas é possível decifrar-se a terminação do nome de um povo […] ieses. Segundo os citados historiadores e epigrafistas, o marco de Guardão delimitava a civitates dos Interannienses cuja capital era naturalmente Viseu.
Pensa-se que Guardão constituiria um dos extremos da "civitas" romana.
IMP(eratore).CAESAR(e).DIVIF[ilio]/XIII(décimatertia)TRIB(unitia).POTEST[ATE]/AVGVST(o).INTER/[AN]IE(n)SES.Q(uintus).ARTICLEI[VS]/5[C]AVSA.COGNI[TA] — Pelo Imperador César Augusto, filho do divino, detentor do Poder Tribunício pela décima terceira vez. Os Iteranienses. Quinto Articuleio, por causa conhecida.
No mesmo marco estaria também referida outra civitates, a Sul de Tondela, então a monumental povoação de Bobadela. Segundo Inês Vaz, o povo que habitava esse terri-tório era o tapori, embora implantado fortemente a Sul do Mondego, abrangeria uma vasta área a Norte desse rio, compreendendo, provavelmente, os actuais concelhos de Mortágua, Santa Comba Dão, Carregal do Sal e regiões Sul de Tondela.
No interior das civitates surgem, por vezes, inscrições, essencialmente, votivas. Algu-mas das inscrições apresentam, a par do latim, expressões locais. Outros monumentos epigráficos, rupestres, referem entidades étnicas menores, como os casos do Trifinium de Silvares e na serra do Caramulo, concelho de Tondela. Tratar-se-á, nestes casos, de marcos territoriais. No Caramulo, as comunidades Ireucoutiori, Arvoni, Seareas e Paessicaico foram aí registadas (Inês Vaz, citado por Jorge Adolfo M. Marques, op. cit, p. 59).
O reino suevo e o visigodo são uma consequência das invasões germânicas. Os suevos e os visigodos, sendo pouco numerosos e rudes, facilmente se deixaram influenciar pela superioridade da civilização romana. Limitaram-se a copiar e a adoptar os seus modelos institucionais políticos e administrativos, a religião e a língua (o latim).
No conjunto das invasões germânicas na península no início do século V (408-409), ocuparia primeiro a Galiza, expandindo-se depois para a região entre o Minho e o Dou-ro.
O reino suevo que aqui se constituiu, duraria cerca de 167 anos, acabando por ser des-truído em 585, pelo rei visigodo Leovigildo. Este, como afirmou Alexandre Herculano em Eurico, o Presbítero “ acabara com a espécie de monarquia que os suevos tinham instituído na Galécia e expirara em Toletum depois de ter estabelecido leis políticas e civis, e a paz e a ordem pública nos seus vastos domínios (…). Desde essa época a dis-tinção das duas raças, a conquistadora ou goda e a romana ou a conquistada, quase desaparecera (…)”
A conversão dos vencedores à crença dos vencidos constituiria a fusão social dos dois povos, em que a monarquia visigótica procurou imitar o luxo do império romano que morrera e que ela substituíra.
O reino suevo tivera a capital em Braga e a sua primeira praça-forte em Portucale.
No final do século VI, a região entre Minho e o Douro seria a mais desenvolvida de todo o território do Noroeste Peninsular. Estaríamos em presença de uma individualidade étnica e cultural do reino suevo, mais ou menos coincidente com a do Condado Portucale; facto que levantou a hipótese de o poder considerar como uma prefiguração do Portugal da Reconquista.
A dominação muçulmana iniciou-se com a invasão da Península Ibérica. O recontro decisivo entre as tropas de Rodrigo com as de Tarique, conhecido pela batalha de Gua-dalete, teve lugar em Julho do ano de 711, traduzindo-se na conquista da arabização e islamização da ibéria, entre o século VIII e IX.
No território que viria a ser Portugal, a herança muçulmana far-se-ia sentir de forma diversa, quanto ao Norte, ao Centro e ao Sul desse espaço geográfico. Com efeito, foi a região Norte que mais cedo se libertaria do domínio muçulmano, através da Reconquista Cristã, enquanto o Sul conservaria legados mais expressivos, que chegariam aos nossos dias, nomeadamente património edificado e resquícios dos hábitos e das mentalidades colectivas, se bem que, por vezes, sejamos surpreendidos com factores culturais claramente moçarabes, um pouco por todo esse território, particularmente na região de Lamego. De tão abrangente património, realcemos a herança linguística, traduzida na importação de cerca de 600 vocábulos, usados na toponímia, na denominação de pessoas e lugares, na designação de conceitos militares e administrativos, na vida campestre, designadamente o pastoreio, os utensílios e as práticas agrícolas, as plantas e os frutos e ainda outros definidores de conceitos no campo das ciências, das artes, da filosofia, da poesia.
Já no século VIII, num território em que dominava o latim, se faziam sentir os primeiros sintomas de arabização que, embora de forma lenta e descontínua, nos permite considerar a existência de um certo bilinguismo. Formas do árabe dialectal passariam a ser corrente entre funcionários, artesãos, camponeses de hortas e jardins periurbanos. Com o avanço da Reconquista, o árabe falado nas cidades seria relegado para as mourarias dos arredores, sendo que, já nos finais do século XI, apareciam os primeiros sinais da sua extinção.
Seríamos, todavia, herdeiros, muito para além das formas e conteúdos concretos, da sua sensibilidade e erotismo.
Para intuirmos as raízes do Portugal agrário, fiquemos com a magnífica síntese de Borges Coelho, quedando-nos, depois, a repensar a resposta…
“ (…) Apaguem por um momento dos campos de Portugal as sombras do pessegueiro, do limoeiro, da laranjeira, da nespereira, da ameixoeira, da alfarrobeira; recue-se para Sul a oliveira, suprimindo a comercialização do azeite e da azeitona; rareiem-se as amendoeiras e as folhas largas da figueira com o almeixar; suprimam-se as noras, os alambiques, as alquitarras; intensifique-se a vinha no Alentejo e no Algarve; retirem-se da periferia das cidades a mancha verde das hortas, dos meloais, das forragens; castrem-se os cavalos de Alter; afoguem as azenhas ou calem o canto dos moinhos de vento; abatam a camartelo as muralhas do Centro e do Sul cujo risco, para lá das reparações e dos acrescentos posteriores, as abóbadas do chamado gótico alentejano, as fontes abobadadas; piquem as taipas, os estuques; destruam as casas de adobe caiadas de branco por dentro e por fora; enterrem os azulejos; queimem as esteiras, as alcofas, os capachos, os tapetes; rachem os alguidares; tentem destruir os couros, os arreios, os tapetes, as grades geométricas. Que nos fica? (…).
Condado Potucalense
Da Origem à Independência
A base geográfica do condado foi o território de Portucale, uma circunscrição civil que, durante o domínio suevo e visigótico, teve por sede a cidade de Portucale.
Após a queda do império ficaria a região deserta cerca de um século (pelo menos deserto de administração, visto que algumas populações isoladas terão permanecido); seria reocupada por volta de 868, sob o comando de Vimara Peres, que escolhera Portucale para uma importante acção de repovoamento, fundando a cidade do mesmo nome.
O território portucalense que se estendia a Norte até ao rio Lima, confinaria com os territórios de Braga, Lamego, Viseu e Coimbra.
No século X surgia um condado na área geográfica, mais ou menos correspondente à do território de Portucale. Um condado que poderia ser considerado hereditário, já que o seu governo permaneceria, durante gerações, a cargo da descendência da Condessa Mumadona e do seu marido Mendo Gonçalves – uma dinastia de grandes proprietários da região, conforme a genealogia.
Assim sendo, as raízes de Portugal estarão no condado portucalense, surgindo da reconquista. Um condado com uma unidade cultural advinda já da época castreja e sobre a qual escreveu Orlando Ribeiro. “ (…) Os elementos fundamentais de uma civilização especificamente indígena encontraram, no seu isolamento dos planaltos retalhados, dos vales profundos e das serras elevadas do Norte, condições de desenvolvimento ou de conservação: persistência de elementos culturais megalíticos, arcaísmo da civilização castreja e da Lusitânia tradicional, de que muitos traços chegaram à Alta Idade Média e alguns até nós. (…)”
A política centralizadora dos reis de Leão e Castela contrariava a forte influência dos descendentes de Mumamdona, enviando apenas infanções para o exercício da autorida-de nas terras de Guimarães até portucale.
Nos últimos anos do século XI, no Noroeste peninsular, alterou-se a fisionomia admi-nistrativa; a terra portucalense é concedida a Henrique de Borgonha, que se casaria com D. Teresa, filha de Afonso VI – rei de Leão. Nesta data já o condado se estendia do Minho ao Tejo.
O território concedido abrangia vários senhorios, pelo que os vassalos do rei residentes na terra portucalense passaram a ser vassalos de D. Henrique. O conde seria o primeiro e o mais alto senhor da terra portucalense, e assim as terras da coroa leonesa passaram a pertencer aos condes que delas dispunham como se fossem próprias, apenas reconhe-cendo a suserania do rei leonês no seu direito de exercer a alta justiça.
Com o tempo ir-se-iam afrouxando os vínculos que ligavam D. Henrique a Afonso VI; com a morte deste afirmava-se a autoridade do condado.
Marcelo Caetano em Lições de História de Direito Português, afirma que a concessão a D. Henrique apareceu como outorga de um senhorio, mas com a particularidade de ser hereditário e de constituir um senhorio dos senhorios em relação aos quais o conde exercia suprema jurisdição. A esta circunstância alia-se o forte desejo de autonomia que pairava no território.
O ambiente de disputas e desordem, gerado após a morte de Afonso Vi, em torno da contestação de D. Urraca como herdeira do trono, seria aproveitado por D. Henrique. Coordena a sua política segundo duas linhas de acção: o alargamento do condado em rendas e terras, o que consegue prolongando o limite Sul do condado até ao Tejo, adop-tando uma progressiva independência governativa, até cessar os seus feudais, sem no entanto, assumir a revolta. Aproximava-se a independência.
D. Henrique morreu em 1112. Inicialmente, sua mulher, Teresa, continuaria a mesma política independentista. Porém as suas posteriores relações amorosas com o nobre galego Fernando Peres de Trava fariam com que se desviasse para uma sujeição do condado aos interesses da Galiza. O facto despertaria forte oposição em D. Afonso Henriques, oposição que terminaria no confronto armado com a mãe, na Batalha de S. Mamede em Junho de 1128.
Esta batalha marca o princípio da actividade política daquele que viria a ser o primeiro rei de Portugal.
Embora aspirando a ser rei, até 1139, Afonso Henriques intitulava-se apenas infans ou príncipe. A sua aspiração era lógica: por um lado, era detentor de um estado, maior que outros reges de Espanha; por outro lado, ser rei não implicava independência no sentido da anulação completa dos laços feudais.
Antes, o acordo de Tui, em 1134, havia conseguido uma certa paz entre os dois dirigentes peninsulares – Afonso Henriques e Afonso VII. Certas cláusulas do acordo obrigavam o primeiro à aceitação de alguns princípios feudais – a promessa de fidelidade, segurança e auxílio militar – para com o seu suserano Afonso VII.
Em 1140, Afonso Henriques invadiu a Galiza e Afonso VII entrou também em Portugal. Após os recontros militares da Cerneja e de Arcos de Valdevez, chegaria a paz definitiva, em Outubro de 1143, com a conferência de Zamora. O imperador reconhecia o título de rei a Afonso Henriques, título que aliás este já havia tomado, sendo mesmo, por vezes, assim tratado. Por isso, segundo Damião Peres, a conferência ter-se-ia, preferencialmente, ocupado das relações entre os dois contentores e, sobretudo, dos limites do reino português.
Cessariam as obrigações assumidas por Afonso Henriques no tratado de Tui, tendo este desistido de qualquer reivindicação territorial para além da terra propriamente portuguesa, doada pelo seu avô Afonso VI ao conde D. Henrique, seu pai.
Para que se completasse a independência, Afonso Henriques teria que ser reconhecido pela cristandade, facto só possível pelo reconhecimento papal do seu título. A ratifica-ção só chegaria no tempo de trinta e cinco anos de luta diplomática, apoiado pelo arce-bispo e prelados de Braga; também eles empenhados na sua independência perante os arcebispados de Toledo e de Compostela.
D. Afonso encomendou o território à santa Sé que, não obstante, continuaria a designá-lo por dux portucalensis e Portugal, por terra – uma atitude que advém da sua amizade com Afonso VII e que o impediria, na sua óptica, de apoiar separatismos.
Só em 1179, com o papa Alexandre III, Afonso Henriques, pela Bula Manifestis Proba-tum, seria reconhecido como rei e Portugal como reino, passando então a ser juridica-mente independente e aceite como tal no concerto dos Estados da cristandade.
Com D. Afonso Henriques todas as dioceses de Portugal se unificariam, uma vez mais, sob o primado de Braga.
“ (…) Em meio duma agitada vida, que quase permanentemente se passava nos campos de batalha, ora contra as forças que serviam Afonso VII, ora contra as hostes agarenas que ameaçavam as terras de Portugal, Afonso Henriques ganhava gradualmente prestígio; gradualmente também se ia afirmando a autonomia de Portugal. Chefe militar e político de primeira grandeza, tinha atingido a plenitude da sua capacidade actuante e representava a geração nova – essa geração cuja infância decorrera no dealbar da liberdade portuguesa e em cujo espírito se desenhava agora com precisão de contornos a figura excelsa da pátria. Defrontando em sucessivas campanhas o poder do imperador – assim se intitulava Afonso VII – ou fazendo por sua própria conta a guerra da Reconquista, o moço chefe dos portugueses actuava verdadeiramente como soberano. Assim o entendia o consenso geral; assim o entendeu ele também, assumindo finalmente o título de rei – em 1139 ou 1140 – e proclamando com esse acto, tão atrevidamente significativo, a definitiva independência de Portugal!”
Do Povoamento e Definição de Fronteiras
O alargamento do território português, para além das fronteiras do primitivo condado, enquadra-se na reconquista Cristã da Península Ibérica. Com efeito, nas lutas levadas a cabo pelos nossos primeiros reis, para expulsar os mouros das terras a Sul, encontram-se também empenhados outros reis cristãos peninsulares.
Antes do século XII, raras vezes se encontram quaisquer semelhanças entre a reconquista e uma guerra santa de religião. Isso a despeito de isoladas tentativas nesse sentido, como a do Papa Urbano II que planeou uma cruzada do Ocidente, entretanto falhada por falta de adesão.
Quatro séculos de luta intermitente tinham aproximado cristãos e muçulmanos, ibéricos; exemplo disso, são as relações comerciais e culturais que, entretanto, se estabeleceram.
É esta uma atitude que, a partir do século XII, se iria alterar de forma gradual: os cris-tãos que se iam tornando senhores começariam a encontrar o termo do domínio muçul-mano; a tolerância e a coexistência pacífica dariam lugar a perseguições. Para a radicalização de posições contribuiria o fanatismo religioso dos Almorávidas e Almóadas da época. Progressivamente, os apelos à guerra, à violência e ao ódio iam transformando a Reconquista em guerra religiosa, em cruzada com características políticas.
Nenhum país da Europa cristã poderia deixar de ser afectado pelas sucessivas pregações de guerra contra o infiel. Para mais, tais apelos à violência e ao ódio eram apoiados por armas muito eficientes, tais como indulgências espirituais e a concessão temporal de dízimas e outras rendas.
“ Em cada estado ibérico, as terras a Sul das respectivas fronteiras consideravam-se sua área de conquista. (…) Portugueses, Leoneses, Castelhanos e Aragoneses aceitavam em geral esse acordo básico que parecia lógico e impedia a concorrência excessiva. Havia casos frequentes, contudo, em que cada parte violava as regras e se lançava à conquista na área do vizinho” .
São atritos deste teor, frequentes entre portugueses e leoneses, que conduziriam à deli-mitação de fronteiras entre os dois reinos, o que só iria acontecer em 1297 pelo Tratado de Alcanices, fixando os limites da zona nevrálgica da Beira, permitindo estabilizar a fronteira portuguesa.
No alargamento do território português, que se prolongou até finais do século XIII, contaram os nossos reis com uma série de circunstâncias favoráveis: a ajuda dos cruzados; o contributo de bulas e indulgências papais; as ordens militares recém-criadas que contribuiriam para o reforço do espírito de cruzada e para a manutenção dos cristão na posse das terras conquistadas, consequentemente, para o povoamento do reino.
Com efeito, à medida que o alargamento do território avançava para o Sul, não só se impunha o repovoamento das áreas conquistadas, como impedir a recuperação, por parte dos muçulmanos, dessas mesmas terras, como, ainda, implantar definitivamente quadros administrativos cristãos.
Às ordens militares competia guardar as fronteiras, promover o desenvolvimento agrá-rio e fazer do castelo medieval, no dizer de Herculano, “ (…) o ponto de partida para uma nova povoação”.
Para o povoamento contribuíram também as ordens religiosas, especialmente nas zonas desertas ou dizimadas pela guerra, onde incentivavam a exploração da terra.
No século XI foram muitas as ordens que, com os seus conventos, principalmente na região de entre Douro e Minho e das Beiras contribuíram para a criação de novos focos de povoamento. Mencionemos: a ordem de S. Bento com a acção relevante na zona de entre Douro e Minho; a dos Cónegos Regrantes, em Santa Cruz de Coimbra, e São Vicente de Fora; a de Cister, em torno do Mosteiro de Alcobaça.
O povoamento do território acompanha a Reconquista, num processo que implica objectivos, agentes colonizadores, processos de povoamento, tipos de colonos, segundo o seguinte esquema:
Objectivos Agentes organizados Processos de povoamento Colonos
-Promover o desenvolvi-mento económico das regiões conquistadas;
- Impedir a reocupação das zonas conquistadas;
- Organizar a defesa permanente do território (nomeadamente nas zonas de fronteira e na faixa costeira Sul).
- Os reis (sobretudo a partir de D. Sancho II);
- As ordens religiosas (Cistercienses, clunicen-ses, etc);
- As ordens de cavalaria (Santiago Calatrava, Hospitalários e Templários);
- Os nobres que ficaram possuidores de terras nas zonas reconquistadas (ex: os alcaides).
No norte:
- Concelhos – rurais – urbanos
Papel dos primeiros forais
No Centro (além Monde-go):
- Constituição de grandes domínios eclesiásticos das ordens monacais
No Sul e zonas fronteiri-ças:
- Constituição de grandes domínios entregues às ordens de cavalaria.
- Excedentes populacio-nais do Norte
- Colonos estrangeiros (francos, catalães, etc.)
- Aproveitamento da população moçárabe que não fugiu durante a reconquista cristã
- Mouros cativos
- Judeus
Conhecidos que estão os factos históricos conducentes à formação de Portugal, tornam-se possíveis duas conclusões:
- Que o alargamento do território nacional resultou da guerra violenta: contra os mou-ros, na expansão para Sul; contra leoneses e castelhanos, na fronteira, ponto de encontro entre as duas acções da Reconquista;
- Que a nossa independência resulta da convergência de vários factores: geográficos, históricos, humanos e políticos.
Mas, dos citados factores, quais terão sido preponderantes?
c) Dos factores determinantes – a problemática
Quanto a factores que terão determinado a formação de Portugal, consideremos três teses, fundamentando-se respectivamente: em factores geográficos; factores étnicos e histórico-culturais; em factores políticos.
Factores Geográficos (pró e contra)
“Portugal constitui, na Península, uma individualidade geomorfológica: a sua forma (…), os caracteres das suas redes hidrográficas, os aspectos climáticos ao Norte e ao Sul do Tejo, imprimem ao nosso país uma feição especial que o torna diferente do resto da Península. Exceptuando a Galiza, que é um prolongamento geográfico do Norte de Portugal (…), o continente português, embora geologicamente deva ser considerado como uma parte da Península Ibérica é, do ponto de vista dos seus caracteres geomorfolócos, bem diverso do reino vizinho. Foi esta autonomia que mais influiu na formação política.”
A negar esta tese geográfica temos Amorim Girão que afirma em 1915: “(…) é indubi-tável que algumas das regiões portuguesas diferem mais entre si do que comparadas com regiões espanholas a que directamente se ligam (…) O Algarve difere mais do Minho do que o Minho da Galiza, tendo, por outro lado, mais relações de semelhança com a Andaluzia do que com qualquer outra terra portuguesa” .
Diria ainda Amorim Girão: “ (…) o desmembramento de Leão do Condado Portucalense (1097), constituído pelas terras situadas ao Sul do rio Minho, é um acontecimento que os acasos da história e a ambição pessoal de um príncipe, aliás estrangeiro, explicam melhor do que a adversidade de condições geográficas ou étnicas do território por onde se estendia o referido condado (…) mais do que uma nacionalidade, havia talvez então (…), nacionalidades diversas mas confusas, a que só mais tarde os laços políticos viriam a dar consistência e linhas bem definidas.”
Pelo que, na sua opinião, não são as condições geográficas que explicam a formação de Portugal, mas sim os acasos da história ou a ambição dos Príncipes.
Factores Étnicos e Histórico-Culturais
Mendes Correia defende para a formação da nacionalidade a existência de uma certa consciência da alma lusitana, a partir da romanização da Península Ibérica. “(…) são a cultura luso-romana, a língua, as instituições e a consciência infiltrada na alma lusitana pelos colonizadores romanos que prepararam as gentes ocidentais da Península para (…) se transformarem duma simples propriedade de caprichosos barões mediévicos numa Nação, cada vez mais ciosa da sua independência e mais forte na sua personalidade.”
Jaime Cortesão corrobora e aprofunda o pensamento de Mendes Correia, apresentando a ideia de uma atlantização do povoamento a partir dos romanos que, “(…) com o seu traçado da rede de vias militares criaram linhas gerais de povoamento (…) O sistema das estradas romanas, como instrumento de organização social, envolvia duas consequências do maior alcance para futuro: a atlantização do povoamento e a sua unificação por meio de uma linha dorsal no sentido meridiano (…) A existência de um único romance na vertente ocidental (…) prova que a administração romana, valorizando certas virtualidades do território, permitiria a criação de um sólido nexo entre as suas populações (…)”.
O autor estará a referir-se à via romana que ligava o Algarve à Galiza ou à que, pelo litoral, ligava Olisipo a Bracara Augusta.
Porém, o litoral não teve sempre uma grande atracção; em tempos mais recuados essa procura foi muito localizada, como no caso dos fenícios. Até aos Descobrimentos Por-tugueses o interior foi bom resguardo para os povos ligados à pastorícia e à agricultura incipiente nos cabeços das serranias.
Jaime Cortesão é o autor que mais convictamente defende a unidade linguística do Ocidente Peninsular que, a par de uma progressiva atlantização do povoamento, criaria, por fim, a Nação.
Factores Políticos
A favor destes factores aparece Alexandre Herculano que, negando o nexo essencial entre portugueses e lusitanos, defende a ideia de formação de Portugal através da revo-lução e da conquista. Terá sido a acção política de príncipes e nobres portucalenses a determinar a formação da nacionalidade. Oliveira Martins secunda a tese de Hercula-no, afirmando o seguinte:
“ (…) Se a unidade da raça primitiva se não vê, menos ainda Portugal obedece na sua formação às ordens da geografia: os barões audazes, ávidos e turbulentos, são ao mesmo tempo ignorantes de teorias e sistemas. Vão até onde vai a ponta da sua espada: tudo lhes convém, tudo lhes serve, contanto que alarguem o seu domínio. (…) Com um retalho da Galiza, outro de Leão, outro da Espanha meridional sarracena, esses príncipes compuseram para si um estado”.
A contestar estes dois autores, surge Jaime Cortesão:
“Nem Herculano, nem Oliveira Martins estavam na razão; um ao negar o nexo existente entre portugueses e lusitanos, outro quando atribuía a formação de Portugal a um acto de vontade dos barões portucalenses, isento de toda a influência da geografia e duma comunidade social anterior.”
Para Damião Peres “ (…) Portugal é uma realidade nacional assente numa elaboração político-económica. Essa elaboração fez-se, obscuramente, desde a segunda metade do século IX, com o início da restauração das terras do Sul do rio Minho, que a Reconquista devastara. Simultaneamente despertariam as ambições de carácter político, depois visíveis, aspirações que no século XII se concretizarão no estabelecimento de um Estado autónomo e na génese do sentimento nacional português.”
António José Saraiva confirma Damião Peres, “ (…) A ideia de Portugal remonta ao Século IX, à época da junção dos territórios de Portucale e de Coimbra, e é indissociá-vel do fenómeno de rebeldia dos barões do Sul (…) contra a autoridade real de Leão.”
Face ao exposto, por nós concluímos que:
- Tão errado será negar por completo todas as teorias apresentadas pela historiografia portuguesa como atribuir exclusividade a qualquer exclusividade a qualquer delas;
- As continuidades e rupturas terão existido sempre ao longo de todo o processo da formação de Portugal. Contudo, a complexidade de algumas fronteiras dos séculos XII e XIII na Hispânia não retratarão os limites entre os actuais Estados da Península Ibérica;
- A unidade do núcleo onde nasceria Portugal forjou-se nas lutas da Reconquista e nas querelas entre Portucalenses e Leoneses-Castelhanos;
- A definição de fronteiras acaba por obedecer mais às peripécias dessas lutas do que a quaisquer outros factores, sejam de ordem geográficos. Étnica ou outros.
Note-se que, no passado, as fronteiras incidiam a vários níveis, tanto em termos naturais como a nível linguístico e cultural.
Administração e Organização do Território
Para melhor entendermos a administração e organização do território, iremos ao encontro da estrutura social portuguesa dos séculos XII e XIII, das respectivas instituições da administração central e local.
A estrutura social portuguesa dos séculos XII e XIII tem características feudais (entre outras, a vassalidade, as concessões régias), embora algo deturpadas, devido às circunstâncias, citemos: o grande prestígio e autoridade conferida ao rei como chefe supremo e unificador de todas as forças: o incremento e a importância dos núcleos municipais que defenderam as regalias populares contra as ambições da nobreza. Sem que seja possível fazer uma caracterização da demografia portuguesa de então, podemos, no entanto, afirmar que o território era escassamente povoado, sendo mais populoso no Norte do que no Sul.
O país, fundamentalmente rural, estava dividido em grandes, médias ou pequenas pro-priedades fundiárias, entre as quais ressaltavam as vilas, aldeias e lugares.
A população dividia-se em classes: o clero, a nobreza, o povo, cada uma com os seus foros e vida social própria. Quanto às condições, as do clero e as da nobreza eram idênticas; inferiores eram as do povo que só com o tempo ascenderia à administração pública.
O clero usufruía de vastos privilégios, como o de possuir um foro próprio, o de manter os bens eclesiásticos isentos de encargos fiscais, o direito de asilo e implicava duas categorias – secular e regular.
O clero secular, constituindo hierarquias religiosas à frente de paróquias e dioceses, respectivamente: o baixo clero (curas ou padres locais); o alto clero (bispos).
O clero regular integrava ordens religiosas e religioso-militares, bem como os monges, respectivamente: o alto clero (abades, priores, mestres das ordens da cavalaria); o baixo clero (monges).
Durante a monarquia visigótica, os bispos adquiriram autoridade em numerosos actos civis, chegando a superintender magistrados – um prestígio que lhes advém da fé das populações, das riquezas de que dispunha a classe e da sua instrução superior.
Sendo pois a classe mais erudita, destinatária de várias doações, de reis e de particula-res, de acordo com o espírito da época, exerceria cargos civis; foram notários, juízes e chanceleres, autorizados para tal por bulas pontifícias.
Esse poder e influência ultrapassam o curto período muçulmano e manter-se-ia vivo nos reinos saídos da Reconquista; para isso contribui o clero regular através das ordens religiosas ou religiosos militares nas actividades da conquista, defesa, povoamento e organização económica e administrativa do território, durante a primeira dinastia.
A nobreza dos primeiros séculos da monarquia era constituída: por uma velha nobreza autóctone, descendente de visigodos ou de hispano-romanos, reconhecidos pelo seu valor militar e pelas riquezas adquiridas; por uma nova nobreza, constituída pelos filhos segundos da nobreza de além-Pirenéus e que tinham emigrado para a Península na procura de riquezas e honrarias nas campanhas da Reconquista.
Tradicionalmente, o nobre era um guerreiro de cuja actividade lhe advinha a fama, o prestígio, as terras e as rendas. Fora assim sempre em Portugal, desde que o conde D, Henrique recebeu o Condado e o cargo político-administrativo em troca dos feitos bélicos nas campanhas de D. Afonso VI.
A nobreza vivia dos rendimentos da terra, mediante as rendas e os direitos que cobrava, sendo na sua maioria grandes e médios proprietários rurais. Os que não tinham terras, viviam na dependência de outros nobres, mas sobretudo do rei, para a obtenção de senhorios, cargos ou mercês.
Os membros da alta nobreza possuíam terras isentas do serviço militar e de outras obrigações; aqui usufruíam de direitos reais: cobravam impostos sob diversos pretextos e exerciam a jurisdição civil e criminal, geralmente através de juízes que nomeavam. Possuíam um património que muitas vezes se alargava à custa de terras ilegalmente usurpadas à coroa.
O povo agrupava-se fundamentalmente em duas categorias sociais: a dos homens livres - cavaleiros, vilãos e peões; a dos homens não livres – servos e escravos. Constituíam a esmagadora maioria da sociedade vivendo nas honras nos coutos e nas terras regalengas; ainda em concelhos com maior ou menor autonomia administrativa, determinada pelas respectivas cartas de foral.
A Administração Central
A administração central cabia ao rei. Desde o início da monarquia que a figura régia ocupou o lugar cimeiro da administração, tendo recebido este princípio da tradição visigótica. Os reis exerciam o poder em nome de Deus e a sua sucessão respeitava a norma hereditária na pessoa do filho primogénito; é este princípio que confere à realeza um marcado carácter religioso e político.
O rei, como supremo chefe militar e judiciário dispunha de muitos poderes se bem que a sua força se devesse em grande parte ao apoio do alto clero e da alta nobreza. Pertencia-lhe também o direito de aposentadoria a que se obrigavam as terras onde se instalava durante a itinerância da corte que obedecia aos seguintes motivos: à necessidade da administração e justiça, cobrindo maiores áreas do reino; ao receio de epidemias e assim à busca de lugares de maior comodidade e abastança; à necessidade de convocar cortes com antecipação e assim ouvir os vários estados do reino.
As condições de luta em que se gerara o estado português foram propícias ao poder real, pois obrigavam os reis a ser, simultaneamente, chefes políticos e militares. Todavia, nem sempre foi possível evitar a ascensão de uma classe senhorial que, sobretudo nas províncias a Norte do Mondego, procuravam limitar a autoridade da coroa através da usurpação de terras; para reprimir tais abusos, a realeza foi forçada a intervir mediante confirmações e inquirições, com D. Afonso II e D. Afonso III. Pelas confirmações havia que provar ao rei que as doações tinham sido recebidas de antepassados; pelas inquirições averiguava-se a eventual existência de terras usurpadas.
Seria, assim, possível recuperar terras e impedir a extensão do predomínio rural da nobreza.
No exercício das suas competências, a administração central contava com o apoio de duas instituições: concelho do rei e a chancelaria real; cúria régia e as cortes.
Quanto à primeira, o concelho do rei, tem carácter consultivo, e não tem normas fixas; do seu funcionamento faziam parte prelados, ricos-hmens e militares. A chancelaria régia tem valor deliberativo e executivo; formavam-na funcionários permanentes: o chanceler, o notário e o escriba.
Em relação à segunda, a cúria régia e as cortes, correspondem a um órgão consultivo; cúria régia é um conselho mais alargado que, nas ocasiões de maior importância governativa, o rei reunia e onde participavam os membros do alto clero e da alta nobreza do reino. Cortes é apenas outra designação que cúria adoptará mais tarde.
Entre as duas instituições houve uma lenta evolução. Nos concílios dos séculos XI e XII figuravam já os nobres, os ricos-homens, não já em virtude da nomeação régia, como na monarquia visigótica, mas por direito próprio. A ingerência dessas assembleias nos negócios políticos tornava-se mais constante e efectiva, fazendo-se, assim, a transição dos antigos concílios para as assembleias nacionais, chamadas cortes.
Nessas assembleias, inicialmente, só teriam lugar o clero e a nobreza; depois da intro-dução das ordens militares na Península Ibérica, seriam os seus representantes admiti-dos às cortes. Os do povo, que já não intervinham nos concílios da monarquia visigóti-ca, só mais tarde, nas novas monarquias cristãs, enviariam às cortes os seus delegados.
Os reis estavam obrigados à convocação de cortes pelo direito consuetudinário; contu-do, não havia regra que fixasse a periodicidade da convocação que ficava, por isso, ao livre arbítrio do rei.
As primeiras cortes, em que participaram os procuradores dos concelhos, aconteceram em Leiria, em 1254. Os concelhos nomeavam os seus representantes que variavam em número, entre os homens-bons; geralmente em número de dois, recebiam os poderes sob a forma de uma procuração escrita.
Se bem que tivessem funções meramente consultivas, num ou outro caso, revestiam o carácter deliberativo; assim, as suas resoluções não tinham força de lei, a menos que fossem sancionadas pela autoridade real, em que sempre residia o poder supremo.
A Administração Local
A administração local, muito diversificada, estava praticamente a cargo dos grandes donatários, civis e religiosos e das organizações concelhias. O estudo da administração local, durante a idade média, reveste-se de muitas dificuldades devido à insegurança das fontes, do tipo de administração usada, com características que passamos a expor.
- O direito ou lei não se encontrava ainda escrito ou compilado. Predominava, por isso, o direito consuetudinário ou de costume, não escrito, transmitido de geração em geração pela tradição oral, de onde resultaram desmandos e abusos, em virtude das várias interpretações. O direito estava longe de ser uniforme, variando em todo o território, consoante o costume de cada localidade. As primeiras leis gerais só apareceram com D. Afonso II (cortes de Coimbra de 1211) e não abrangiam toda a matéria jurídica.
- A existência de várias jurisdições estanques relativa aos foros (das diferentes ordens): ricos-homens nas suas terras; mosteiros e mestrados das ordens; eclesiásticos que abrangia todo o clero secular; organizações concelhias, tão variáveis quanto os documentos que lhes davam origem.
- A inexistência de um funcionalismo qualificado que exercesse a administração públi-ca.
- As condições de Reconquista em que se formou o reino, o que fazia com que os reis alienassem a administração local às entidades regionais – os grandes donatários leigos e eclesiásticos que possuíam as principais parcelas do território, e os magistrados dos concelhos – que passaram a gozar de larga independência, cometendo abusos de poder em que o rei eram chamado pelo povo a fim de proceder a correcções.
Tornava-se necessário aguardar pela fase em que a conquista e defesa do território não oferecesse problemas tão prementes, para que se passasse a reorganizar a administração pública local. Esta medida passava pela restrição dos foros privados dos grandes donatários e das grandes fundações; reprimindo abusos, fortalecia-se o poder real. Foi nesta linha de actuação que tiveram lugar as confirmações gerais (1217-1221) de D. Afonso II; as leis de desamortização de D. Afonso II a D. Dinis, as inquirições a partir de 1220 (com D. Afonso II), a que já fizemos referência. Essas leis, embora com objectivos diferentes, permitiram recuperar património régio, alienado pelas muitas doações; reprimir os abusos do clero, da nobreza e mesmo de certos concelhos; consolidar a autoridade real sobre todo o território.
Nesta luta pela centralização do poder, a organização concelhia, principalmente através dos seus representantes nas cortes, seria um importante contributo para os intentos reais, denunciando os abusos e as prepotências dos grandes donatários.
No contexto desta economia de base rural lembremos que o povo incluía uma série de categorias sociais em que se dividia a população não nobre e não eclesiástica, e que as suas relações económicas e sociais quanto à produção, no domínio do senhorios, era de três tipos.
- As que se caracterizavam pela circunstância do camponês, o peão, não ter qualquer estabilidade, sendo admitido a cultivar uma determinada parcela de terra de uma entidade senhorial, ano a ano, poderia ser despedido no termo do ciclo anual, terminadas as colheitas.
- As que envolviam um contrato antecipadamente fixado, podendo atingir dezenas de anos – o emprezamento. Era um contrato por duas vidas, já que perdurava até ao fale-cimento do último cônjuge.
- As relações que estabeleciam a fruição perpétua das terras, por parte do camponês que cultivava – terras foreiras sendo os usufrutos designados de foreiros.
Para além dos servos ligados à terra ou em torno do paço ou do solar, haviam os traba-lhadores livres – rurais ou não –, os artífices, os mercadores ambulantes que, teorica-mente livres, estavam, contudo, presos a contratos de arrendamento precário ou de trabalho assalariado. Restava-lhes, porém, uma vantagem, a de poderem adquirir alguma terra, ou, eventualmente, mudarem-se para áreas dos concelhos onde fosse viável alguma promoção social e económica.
Com a Reconquista, particularmente a partir do século XII, aumentaria o número dos que cultivavam a terra, mediante um contrato de aforamento – os foreiros.
No âmbito da administração local, e nesta economia agrícola, mercados e feiras, prerrogativas da coroa, terão sido os grandes impulsionadores do comércio interno. Referimo-nos ao comércio local, a cargo dos mercados e feiras, que surgiram, primeiro de um modo espontâneo e depois por determinação régia
Os Concelhos e a sua Diversidade
O nome concelho equivale a município, é uma expressão puramente peninsular. Deriva de concelho que no tempo do império romano designava o conjunto de habitantes de uma povoação, de um distrito ou até de uma província.
O concelho como pessoa colectiva da população e território é a forma organizativa mais expressiva, pelo seu carácter democrático e deontológico, inicialmente ainda embrionários.
À medida que o reino ia sendo reconquistado, foram surgindo os concelhos, um pouco por todo o espaço territorial, como resposta às necessidades de povoamento, defesa e organização. Alguns, os mais antigos, são o testemunho da sobrevivência de tradições muçulmanas e visigóticas e possuíam velhos forais baseados no costume. Outros, os novos concelhos, surgidos das condições politico-militares e económico-sociais do reino recém-formado, são formas de administração local cujo foro é instituído por documentos denominados cartas de foral ou simplesmente foral. Os forais institucionalizadores dos concelhos podem ser outorgados pelos senhores ou pelo rei.
Neste sentido, mais concretamente no da organização concelhia, caberia aos forais definir a forma de uma determinada organização municipal, precisar o sistema de impostos e a organização da justiça, de onde emergem dois tipos de cartas:
- Cartas de povoação que derivam do direito senhorial, representam geralmente direitos privados e senhoriais em que o direito consuetudinário se impõe pela força da tradição, numa organização do feudo na lógica do senhorio e segundo as suas prerrogativas;
- Cartas de foral que derivam do direito público (bens da coroa), representam a vontade do rei como chefe de Estado e a administração do território, na perspectiva do interesse público.
De diferentes modos aparecem designados, desde o século XI até às primeiras décadas do século XIV – período em que foram outorgados, na sua quase totalidade – os docu-mentos que actualmente designamos por forais.
Foral é, pois, a palavra que se generaliza gradualmente para designar o conceito, aquilo que, em termos diplomáticos, do século XI ao século XIII, se chamou entre nós foro, carta de foro ou carta de foral. Sendo que foral e foro poderão eventualmente ter um significado diverso. O primeiro para designar o documento, o segundo para referir determinada renda a pagar.
Foi na diversidade dos lugares e das gentes que terão surgido formas próprias na orga-nização e administração de povoados, moçárabes e cristãos.
Origens e Definição
De um modo geral, os autores portugueses partem do princípio de que os concelhos foram criados por decisão régia; mesmo que tenham acontecido antes da concessão do respectivo foral, só o sancionamento régio lhe daria direito à existência.
José Mattoso defende que a investigação recente tem mostrado cada vez mais a capaci-dade organizativa de grupos locais humanos independentemente de qualquer autoridade ou sancionamento superior, daí a afirmação de que o que constitui, de facto, a natureza própria dos concelhos seja precisamente a sua capacidade autonómica. Segundo Matosso, o foral ou o sancionamento régio resultam muito mais de um pacto entre a autoridade superior e a comunidade local para uma delimitação dos respectivos direitos do que de uma decisão unilateral do soberano. Neste contexto, este autor, considerando segura a respectiva base documental, não só a adopta, como ainda a implementa.
Assim, para José Mattoso, no Norte da Península se foram criando durante os períodos visigóticos e asturiano-leonês vários tipos de comunidades rurais, independentemente de qualquer autoridade superior. Quer as comunidades vicinais directamente derivadas de grupos gentílicos que sobreviveram à dominação romana, quer as que se foram criando posteriormente preservaram ou restabeleceram espontaneamente formas pri-mitivas de organização e de solidariedade, entre as quais se contam as prescrições jurí-dicas penais que perseguem as infracções, a coesão comunitária, a relação antagónica com as comunidades vizinhas. A regulamentação do uso de instrumentos de produção comuns, como o bosque, as pastagens, o moinho, o forno, a eira e as águas.
No Norte da Península Ibérica, entre os séculos VIII e XII, quer a comunidade ocupe um espaço relativamente vasto, quer se concentre numa mais ou mais aldeias, tem muitas vezes de substituir, sem qualquer apoio de uma autoridade superior.
As condições concretas em que foi difundido o regime senhorial de guerra permanente e a implantação lenta da autoridade régia, permitiram a algumas dessas comunidades preservar certos vestígios das suas prerrogativas autonómicas, mesmo depois da expansão do regime feudal; e a outras, que haviam conseguido substituir em zonas de fronteira, graças à sua intervenção na guerra, negociar com os soberanos cristãos o sancionamento dos seus direitos mediante o reconhecimento da sua autoridade. Historicamente falando, portanto, houve concelhos porque antes deles existiram comunidades autónomas que conseguiram sobreviver à implantação do regime senhorial e da autoridade monárquica.
Se a maioria das comunidades vicinais criadas na Galécia acabaram por ser absorvidas pelo regime senhorial, todavia, muitas sobreviveram com capacidade para elegerem os seus juízes e os próprios párocos, sobretudo em Trás-os-Montes. Dessas organizações resultaram formas híbridas como as beetrias e os chamados concelhos imperfeitos, na terminologia de Alexandre Herculano, ou concelhos rurais, na designação de Torquato Sousa Soares.
As comunidades de fronteira, cimentadas pela guerra, eram fortemente estruturadas e dominadas por oligarquias de cavaleiros-vilãos; aqui, o rei foi forçado a pactuar com elas, reconhecendo-lhes uma efectiva autonomia.
Assim aconteceu nos casos de São João da Pesqueira, Penela da Beira, Paredes da Bei-ra. Linhares e Ansiães cujos foros foram dados por Fernando, o Magno, sancionados por D. Henrique. Muitas destas cartas, adoptaram modelos de forais concedidos a cida-des melhor estruturadas. Citemos o de Coimbra, dado a povoações da Beira Ocidental; o de Salamanca, às da Beira Interior; o de Ávila, às do Alentejo e da Beira Baixa.
As vantagens da criação de um regime legal para a organização municipal seriam sufi-cientemente reconhecidas para que o rei as estendesse a outras povoações, já não apenas por lhe conferir uma certa autonomia, em razão da sua função militar, mas para favorecer a actividade económica, atraindo mercadores.
Dois motivos essenciais estavam na base do povoamento: a criação de pontos de apoio à administração régia para melhor aproveitamento agrícola; a criação de pontos de defesa militar por motivos estratégicos de ocupação de fronteiras.
O regime concelhio é, assim, uma organização social particular cujas características ressaltam da sua comparação com o regime senhorial:
- Capacidade deliberativa do concelho cuja autonomia se exprime pelo direito de eleger os seus magistrados, de criar um direito próprio, o costume, de estabelecer um regime fiscal e um regime judicial, de organizar as suas forças militares;
- A garantia para os respectivos vizinhos de poderem ser titulares dos instrumentos de produção, em sua posse;
- A exclusão de privilégios, no mínimo, do exercício das suas prerrogativas no âmbito do território do concelho.
Apesar destes pontos se encontrarem em contradição com elementos importantes do regime senhorial, José Mattoso admite que terá havido contaminação feudal em deter-minados concelhos, uma vez que o regime senhorial se tornara hegemónico.
Não esqueçamos, conforme adverte Mattoso, que o senhor dos homens dos concelhos era sempre o rei, pelo que as prestações que se lhes cobravam se podem considerar como senhoriais: não só as propriedades ditas como pousada, o quinto dos despojos de guerra, o relego, o monopólio de fornos e de outros instrumentos de produção como também as de voz e coima, de fossadeira e jugada.
Lembremos ainda que os homens dos concelhos tinham de se sujeitar a prestações clericais. O rei podia exercer a sua autoridade por intermédio do senhor da terra. Podia também imiscuir-se na administração da justiça através de alcaides e, ainda, como suprema instância de apelo.
António Borges Coelho expõe a criação de concelhos como organização económica, atende às diferenciações políticas sem deixar de parte os aspectos jurídicos contidos tanto no código visigótico como no direito romano e ainda no direito consuetudinário.
José Mattoso considera na criação concelhia todos os fenómenos políticos, jurídicos e sócio-económicos, acrescentando-lhes outros aspectos das ciências humanas, numa análise global, na perspectiva da nova História. Deste conceito interdisciplinar onde se cruzam múltiplas realidades. Resulta uma organização cultural, política e económica e social.
A partir da segunda dinastia depara-se com uma política régia de desmembramento dos concelhos. O poder central pretenderia esvaziar o poder local de muitos direitos e privilégios que dificultavam a acção das estratégias do governo central.
Organização Concelhia – Forais
A génese constitutiva dos municípios portugueses permanece como uma das principais razões de força do espaço onde nasce Portugal. Neste sentido, Matos Reis procede a um estudo criterioso dos forais gerados dos concelhos, segundo uma visão sincrónica e diacrónica, debruçando-se particularmente sobre Alexandre Herculano e Torquato de Sousa Soares.
Alexandre Herculano advoga a organização dos municípios em Portugal segundo os princípios do direito romano, tendo começado os seus estudos pela transcrição de forais, anos depois publicada na Portugalae Monumenta Histórica – Leges et Consuetudines.
Posteriormente, um estudo acerca dos municípios portugueses, nos séculos XI e XII, permitir-lhe-ia concluir que as magistraturas romana, embora com outras designações, encontram-se total ou em parte nos municípios portugueses, sobrevivendo às convulsões resultantes das invasões bárbaras e à ocupação muçulmana.
Para este historiador, conforme se aproximam mais ou menos da estrutura dos municí-pios romanos os concelhos portugueses ou anteriores à monarquia ou fundados durante os séculos XII e XIII, podem dividir-se em três classes: rudimentares, imperfeitos e completos.
Segundo Matos Reis, no essencial, o que faz deferir os concelhos perfeitos dos imper-feitos é o número de juízes e também o montante de garantias e privilégios que lhes conceda: os concelhos imperfeitos têm apenas um juiz, sendo-lhes conferido um menor número de garantias.
Para Teófilo Braga, os concelhos portugueses fundamentam-se exclusivamente no género germânico, em reacção constante contra o código visigótico e contra o direito romano.
Para ele, a tradição germânica manter-se-ia entre os povos submetidos durante a ocupação muçulmana, e seria durante esse tempo que se deu a fermentação que levaria ao nascimento dos nossos municípios
Segundo este autor, a classificação de Herculano peca porque os nossos forais, como derivados dos costumes germânicos, não podiam, antes de D. João I, apresentar a natu-reza de um contrato positivo, do direito romano, propondo, ao invés, a sua própria classificação.
Esta tese é contrariada por Matos Reis para quem Teófilo Braga não poderia ter-se baseado numa análise profunda dos forais ou de outros documentos, pelo que a classificação resultante não reflecte o conteúdo dos diplomas e ainda menos organização interna dos municípios.
Torquato Sousa Soares, em 1931, tentou rever a teoria de Alexandre Herculano, despo-jando-a do seu acendrado romano.
Para o autor, nessa época existiam três grupos de concelhos: rurais, urbanos e distritais.
No grupo dos concelhos rurais encontram-se três categorias municipais que correspon-deriam, em geral, à sobrevivência de comunidades, instaladas nos antigos castros: Com um só juiz, único magistrado local; com um juiz de eleição popular ao lado de um mordomo; com mais juízes e maior representação do poder central no qual a população agrupada em torno de um castelo, de uma catedral ou de um mosteiro, constitui os chamados burgos.
Os concelhos urbanos eram simultaneamente cabeça de distrito, se bem que a organização distrital nada tivesse de comum com a organização do município.
Os concelhos distritais compreendiam quatro grupos, consoante o modelo adoptado, Salamanca, Ávila, Coimbra (1111), Santarém/ Lisboa (1179), ou o de Zamora.
Posteriormente, Torquato Sousa Soares reveria essa sua classificação, adoptando uma nova nomenclatura, na qual distingue apenas dois grandes grupos de concelhos: os concelhos rurais e os concelhos urbanos.
No grupo dos concelhos rurais inclui localidades, todas a Norte do Douro, embora admitindo a existência de concelhos do mesmo tipo nas Beiras, sem citar exemplos.
Constitui base destes concelhos um contrato enfitêutico (aforamento colectivo duma parcela de território, muitas vezes inferior em dimensão a uma paróquia.
A respectiva autonomia apenas se vislumbra nas cartas de povoação, pela alusão a um magistrado local, dotado de poderes jurisdicionais (juiz local e ou a um mordomo exactor fiscal) ou ainda a ambos os funcionários simultaneamente.
Em regra são magistrados de eleição local, não havendo, por isso, a mínima intervenção dos delegados da administração central.
Os diplomas que lhes dizem respeito estipulam o pagamento de foros e outras obriga-ções, para além do cumprimento de encargos concelhios como a anúduva, o fossado e o pagamento de coimas ou multas judiciais.
O próprio Torquato Sousa Soares refere que o grupo de municípios por ele arrolados na categoria de rurais corresponde aos que Herculano classificou de rudimentares e imperfeitos dos três primeiros grupos.
Humberto Baquero Moreno intervém neste sentido para dizer que os restantes seis gru-pos estudados por Herculano, os quais correspondem aos três últimos géneros de concelhos imperfeitos e aos três únicos tipos de concelhos completos, deverão inserir-se na classificação apresentada pelo professor Torquato Sousa Soares sob a designação genérica de concelhos urbanos, incluindo agora seis categorias: os burgos, as terras de Coimbra – Santarém – Lisboa (1179), de Salamanca e de Zamora.
Concelhos que segundo a natureza dos forais que lhes foram outorgados, ou seja, as seguintes diferenciações:
- Aqueles que são concedidos aos burgos de que é padrão o foral concedido a Guima-rães;
- Os que se relacionam com o foral outorgado a Coimbra (1111);
- Os que seguem mais ou menos fielmente o modelo de Salamanca e que abrangem as regiões de Ribacoa e da Guarda;
- Os que copiam o paradigma de Ávila e englobam a vasta planície alentejana;
- Os que em 1179 foram atribuídos a Santarém, Coimbra e Lisboa;
- Aqueles com que se organizaram a partir do século XIII os concelhos distritais situa-dos a Norte do rio Douro com particular incidência sobre a região de Trás-os-Montes e que, não obstante o seu carácter indeterminado, parecem inspirar-se nos forais de Zamora e de Salamanca.
Estes são os diferentes tipos de concelhos cuja representação gráfica, no mapa de Portugal, nos permite visualizar.
O modelo de Burgos, a Norte do Douro, engloba o foral do Porto (1103), conferido, a este, o carácter episcopal. Outorgado pelo bispo D. Hugo, segue como modelo o que foi concedido aos burgueses em 1123.
O modelo de Coimbra, de 1111, remonta a uma época de lutas entre cristãos e muçul-manos, com avanços e recuos de ambas as partes, num território estratégico. António matos Reis atribui grande significado a este tipo de foral. Fará parte de um processo de povoamento e fixação de pessoas, das margens a Norte do Tejo aos campos de Sátão e Trancoso.
O foral de Coimbra de 1111 estabelece um marco fundamental na história das origens do nosso municipalismo, porque é uma resposta da autoridade aos cidadãos sublevados.
O modelo de Ávila cobre um longo território fronteiriço; denota um certo género militar e é geralmente destinado a concelhos pertencentes ou dominados pela acção das ordens militares e religiosas.
O modelo de Salamanca começa por ser aquele sobre o qual Alexandre Herculano se debruça primeiramente, na tentativa de daí extrair a tese de concelhos perfeitos e imperfeitos. Talvez, mais importante do que as considerações de Herculano a respeito de completos ou incompletos, seja realçar o facto de ter sido a partir deste modelo que se criaram os primeiros forais dados a povoações actualmente portuguesas. Estamo-nos a referir ao foral de São João da Pesqueira (1055-1065) da outorga de Fernando Magno, quando no Ocidente Peninsular se iniciava uma nova fase da Reconquista: a recuperação do território situado entre o rio Douro e o Tejo, na qual se enquadram as conquistas de Lamego (1057), de Viseu (1058), e ainda a de Coimbra (1064), controlando, assim, o domínio da linha do Mondego.
O modelo de Santarém de 1179 corresponde já a uma política de organização e administração do território ocupado. É outorgado a três cidades: Coimbra, Santarém e Lisboa.
O modelo indeterminado está praticamente limitado à área de Trás-os-Montes e a duas povoações a Sul do Douro, sendo uma delas Vila Nova de Gaia, em oposição régia ao bispo do Porto. De facto, o bispo daquela cidade detinha demasiado poder e influência na margem Norte do Douro, beneficiando, desse modo, de privilégios e de instrumentos administrativos capazes de contemplar os moradores do Porto em detrimento dos de Vila Nova de Gaia, correndo o rei riscos de assistir à fuga de certos habitantes de Gaia para o Porto. Ora este foral de modelo indeterminado foi usado pelo rei em Vila Nova de Gaia no sentido de atrair moradores ou, no mínimo, tentar impedir a sua saída. Ao mesmo tempo, enfraquecia politicamente o bispo do Porto.
O funcionamento dos concelhos revela uma certa continuidade familiar nos cargos públicos, onde aparecem muitas vezes filhos a ocupar cargos deixados vagos pelos pais na administração local do reino.
Muitos destes homens destacados nos concelhos seriam nobres que não viveriam exclusivamente dos rendimentos da terra, mas que necessitariam cada vez mais dela como demonstração de poder e capacidade económica, por forma a canalizarem para si influências e prerrogativas concelhias às quais, por vezes, se associavam estrategica-mente representantes concelhios para daí extraírem proveitos e favores.
A hierarquia não era estabelecida ao mesmo nível em todo o espaço geográfico do con-celho. Verificam-se categorias em que os vizinhos do núcleo da vila se elevam relati-vamente aos moradores das periferias e estes, por sua vez, ainda se sobrepõem social-mente aos de fora do termo.
Serão três espaços definidos no concelho que se afirmaram por tradição e que foram perdurando através dos tempos, mediante vicissitudes de desenvolvimento político, militar, religioso e económico e social. Aquilo que na Europa medieval representava: um grupo urbano; a zona das hortas, da vinha, dos pomares e dos cereais; a zona das pastagens, de produções esporádicas e da recolha de lenha; a zona distante e perigosa da floresta desconhecida e misteriosa.
Os habitantes da vila teriam maior actividade política, social e religiosa e, por isso, mais informados e influentes nas decisões políticas e administrativas.
Os moradores das periferias possuiriam outra mobilidade, repartindo as suas actividades pelo cultivo de vinhas, cereais, pela pastorícia e até pela prática cinegética.
No termo das terras de cultivo e da pastorícia ficaria a floresta como espaço estranho ao qual nem todos se atreviam a pisar. Havia o perigo real de alguns animais predadores atacarem homens e gado e, além disso, existia o medo do desconhecido, dos perigos lendários de monstros, de bruxas e de mafarricos.
Não há uma indicação geral, quanto a um funcionamento tipo ou esquema organizativo dos concelhos. No entanto, face às exposições, sobretudo de Torquato de Sousa Soares, um concelho perfeito ou completo poder-se-ia representar, considerando: comunidade de vizinhos; assembleia de homens-bons; magistrados.
Uma comunidade de vizinhos – moradores do mesmo concelho que, reunindo-se em assembleia dos homens-bons, elegiam entre si magistrados, nomeadamente, dois ou quatro alvazis ou juízes como supremos representantes e administradores da comunidade; um ou dois procuradores como representantes exteriores do cncelho; um ou dois almotacés (magistrados menores, encarregados da vida económica do concelho); um alcaide ou juiz, com funções judiciais e/ou militares (caso existisse cidadela ou fortaleza), nomeado pelo rei, representando o poder central.
Atente-se ao seguinte exemplo organizativo:
A Área Entre Viseu e Lamego
Nestas regiões, D. Henrique tomou numerosas medidas de intervenção directa, não já para aumentar a rede de senhorios, mas para confirmar a autonomia de comunidades rurais e urbanas, dirigidas por cavaleiros vilãos; para reforçar os poderes locais de alguns cavaleiros que colaboravam na luta contra os mouros; para promover o repo-voamento de regiões menos habitadas, apoiando a acção dos bispos adeptos da reforma eclesiástica. Isso poderá ter sido o sentido das doações directas a cavaleiros em Seia e no Sátão. Poderá indiciar as características das outorgas dos forais de: Azurara da Beira, Tentúgal, Sátão, Coimbra, Soure e Tavares; justificar o couto concedido à Sé de Viseu e a doação do Mosteiro de Lorvão a favor do bispo Gonçalo Pais de Coimbra.
Ao mesmo tempo, as forças militares autóctones, compostas por cavaleiros, alguns deles de origem moçárabe, e por imigrados de outras regiões da Península, foram enquadrados por francos, que exerciam funções administrativas em nome do conde. Uma parte ter-se-á fixado em Viseu e provavelmente nos arredores.
A atribuição de forais como o de Sátão, do modelo de Coimbra de 1111, mostra que o conde reconhecia a necessidade de reforçar os privilégios das comunidades locais no sentido de as encorajar a participar na defesa do território, então ameaçado pelos Almoráveis.
Sátão, embora seja uma povoação do interior, bastante a Norte de Coimbra, recebeu a sua carta de foral à semelhança daquelas que faziam parte da linha de defesa de Coim-bra, ou seja, o posto avançado e estratégico, contra os ataques conduzidos a partir de Badajoz, susceptível de atingirem toda a região beirã, isto até cerca de 1147.
A partir de 1157 foi dado foral a um grupo de concelhos situados próximo da fronteira leonesa e que reproduzem geralmente o modelo de Salamanca: Trancoso, Marialva, Aguiar da Beira, Celorico da Beira, Moreira de Rei, Linhares da Beira e Penela da Bei-ra.
São povoações fortificadas cujos privilégios concedidos se destinariam a formar as malhas de uma rede defensiva contra eventuais agressões militares leonesas, a partir das entradas no território pela Cidade Rodrigo.
Para além destes casos, foram dadas cartas de povoação a pequenas comunidades agrí-colas, dispersas pelo Vale do rio Douro: Ansiães (1137-1139), Mesão Frio (1152), São João da Pesqueira (1169-1175).
São povoações que constituem um conjunto de comunidades campesinas relativamente próximas de Constatim de Panoias, a qual tinha recebido foral do conde D. Henrique, sendo nesta época, sede de uma das feiras mais antigas de todo o território hoje portu-guês.
A política concelhia relacionava-se com a criação dos primeiros órgãos da administra-ção central. Entre os funcionários palatinos refiram-se os cargos de mordomo-mor e o de alferes-mor. Estes, em muitos casos, aparecem como alcaides, limitando-se a comandar as guarnições militares dos respectivos concelhos nesta região.
Na Beira e na fronteira meridional, desde a zona de Viseu e de Lamego, até às áreas de combate, o carácter militar do cargo levava ao seu exercício por períodos mais curtos e a frequentes substituições dos seus agentes. Os cargos de poder eram, em geral, atribuídos a cavaleiros durante a sua juventude como forma de iniciação na carreira da administração local e regional.
Enquanto a fronteira cristã não ultrapassou o Mondego, Viseu continuou a ter a impor-tância fundamental no ocidente peninsular, ultrapassando mesmo, em certas ocasiões, Coimbra que funcionava como cidade de fronteira e de defesa da via romana que de Lisboa se dirigia a Braga e daí mais a para Norte.
No século X, após a morte de Ordonho II (914-924, e durante o reinado do seu filho Afonso IV, é confiado ao irmão deste, Ramiro, o futuro Ramiro II, o território da Gali-za, que tinha Viseu como capital. Mais tarde, na segunda metade do século XI, a repar-tição do reino de Fernando I, o Magno, entre os seus filhos, dava a Garcia o reino gale-go.
As crónicas escritas no tempo de Afonso III, engrandeceram as investidas de Afonso I, dando a ideia de que se terá tratado de uma vasta estratégia de ataques sistemáticos às posições islâmicas cuja ocupação definitiva só terá abortado devido à falta de gente que se instalasse. Ainda segundo as investigações de Pedro Barbosa, a Reconquista da época de Afonso I das Astúrias, fixada através da crónica de Albeldense, escrita no reinado de Afonso III, conhecida como “rotense e overtente”, refere um conjunto de cidades devastadas e conquistadas por Afonso I das Astúrias. Destacam-se então Braga, Porto, Viseu e Chaves, para além de vários castelos, vilas e aldeias, povoando algumas regiões com cristão que o rei deslocava para zonas estratégicas, não fazendo referência às populações autóctones. Coloca-se aqui a questão do ermamento. Alguns autores, sobretudo modernos, defendem que sempre permaneceram habitantes dispersos pelas zonas ocupadas e reocupadas, independentemente das investidas, saques e devastações, quer de islâmicos, quer de cristãos.
O que nos parece mais seguro é de que as campanhas de Afonso III, ou de nobres em seu nome, como Vímara Peres ou Hermenegildo Guterres, levaram a fronteira da linha do Douro, em 868, até ao Mondego, por volta de 880.
O conjunto de vias romanas facilitava a penetração do exército, não só de cavaleiros, mas ainda de peões e até de carroças puxadas por animais. Seria, nessa época, possível atingir as cidades fortalezas que tinham sido parte destacada da ocupação romana, refi-ra-se a via que ligava Lisboa a Braga e de Santarém que se chegava a Viseu, Chaves e a Braga.
Recuámos, assim, aos séculos VIII, IX, X e XI, para chegarmos à época da formação de Portugal, pela qual começámos, mas que nos parece indissociável de todo o processo evolutivo e de combate nos campos de Lamego e Viseu. Ora, é ainda Pedro Gomes Barbosa que nos relembra 868 como data de chegada do magnata da corte astur-leonesa, Vímara Peres, ao Porto. Fica registado como momento marcante na tomada e posse do território entre o rio Minho e o Douro, em nome do rei asturiense, Afonso III. Esta posse é sensivelmente ao mesmo tempo que Odoário ocupava a região de Chaves, antiga Aqua Flávia romana e, como vimos, ligada por via romana a Viseu e a Lamego, zona Tampão, quer na conquista da linha do Mondego aos muçulmanos, quer, mais tarde, na consolidação do território a Norte do Mondego, quer, ainda, na formação de Portugal contra castelhanos e leoneses.
É certo que as crónicas são parcas nas referências às regiões entre Lamego e Viseu, mas, pelo menos, Viseu teve importância fundamental já na administração regional. Daí partia a coordenação dos movimentos de resistência aos muçulmanos ou de ataque em direcção ao Sul, nomeadamente até à primeira metade do século XI. Para Viseu confluíam várias estradas romanas, tornando-se, assim, essa cidade num dos nós fulcrais na actividade administrativa, militar e política da Península. Esta região não terá merecido ainda um aturado estudo de modo a conferir-lhe a importância histórica que terá tido nestes primórdios da construção do reino astur-leonês. Foi capital da região galega, entendida no sentido que tinha esta designação para os muçulmanos, sede escolhida por Ordonho II e, mais tarde, por Ramiro II para capital do seu principal reino. Posteriormente, por ironia do destino ou não, lugar onde terá nascido o primeiro rei de Portugal, D. Afonso Henrique.
Contudo, ainda nos finais do século X, Viseu e Lamego foram fustigadas por reencon-tros sangrentos entre muçulmanos e cristãos, nomeadamente, durante as campanhas de Almançor, a partir de 997, quando o general muçulmano atingiu Santiago de Compostela. Nesta altura, os caudilhos da região de Viseu e de Coimbra, na ânsia de autonomia, colocaram-se decisivamente ao lado do chefe islâmico. É neste contexto que se terá cavado grande fosso entre Viseu e Lamego, tornado aquela mais próxima de leoneses e Lamego mais tolerante, assimilada e aculturada face aos padrões e influências de Almançor.
De facto a herança islâmica na urbe e limítrofes de Lamego perdura: toponímia, gastronomia, costumes e demais traços que ainda no século XXI, mil anos após, serão perceptíveis ao olhar dos mais atentos. Naturalmente miscigenados do confluir de influências e de cruzamentos culturais e biológicos cuja dinâmica demográfica tem conhecido múltiplas vicissitudes ao longo desta década de séculos. Lamego mais próxima da linha do Douro e Viseu no seu pedestal entre o Douro e o Dão, estendendo-se pela singular região de Lafões que, no entanto, não se destacará assim tanto em épocas mais remotas, nomeadamente na da idade do bronze e do ferro, na designada pré-história da Beira Alta que apresenta traços de similitude entre os diferentes monumentos megalíticos, desde a região de São João da Pesqueira até para Sul de Tondela.
Almançor foi um verdadeiro flagelo para os territórios cristãos, em toda a sua extensão. Coimbra e a sua região foram atacadas e o caudilho muçulmano chegou mesmo a atacar Santiago de Compostela em 997, ainda que, por respeito para com o túmulo, este não tenha sido alvo de depredação.
Nesta campanha terão tomado parte nobres moçárabes que se reuniram em torno de Almançor na estratégica cidade de Viseu, não chegando depois a Santiago.
Após a morte de Almançor, em 1002, Fernando Magno ter-se-á batido, primeiro com os chefes locais da Beira interior, desunidos, e só depois terá avançado sobre Coimbra. Será por isso que se nota diferenças entre a exaltação da conquista de Coimbra e as ténues referências a outras conquistas desta região. Coimbra surge como grande devolução ao cristão ao passo que, nesse tempo, os documentos já consideram as regiões de Lamego e de Viseu como regiões controladas militarmente.
Contudo, não podemos pensar em posições consolidadas à luz da sociedade contempo-rânea, pois, quando as fronteiras se tornam móveis, a iniciativa dos indivíduos e dos grupos aumenta e desenvolve-se um espírito empreendedor e combativo. Isto pode ser observado sempre que se apresenta a possibilidade de uma revisão do confim entre os Estados ou quando o aparecimento de uma nova situação jurídica ou cultural desenca-deia uma luta sobre fronteiras linguísticas e étnicas aparentemente consolidadas.
Será neste sentido que poderemos entender a recomendação contida na confirmação do foral aos habitantes de Penela da Beira, referindo-se a uma das suas obrigações de defender e ampliar as fronteiras. Na Idade Média a linha de fronteira não existia em termos topográficos, o espaço era amplo, imaginário, convencional e abstracta, só com a cartografia se tornou efectiva e real.
A zona de separação entre Estados e regiões, neste período de Reconquista, não é, pois, uma linha estável e de paragem duradoura, mas sim um momento de estacionamento ou acampamento temporário, dada a falta de condições para uma maior segurança e penetração territorial. De qualquer modo, o espaço organizado estava sempre atrás de zonas militarizadas de defesa avançada, actuando em simultâneo.
Na linha do Mondego, no século XII, parece haver divisões claras. As regiões de Coim-bra e de Seia são de defesa e de consolidação avançadas. A Estremadura que corresponde, de forma geral, à região da Beira Alta, entre o Côa e Viseu registava também alguma variedade em termos de segurança e singularidade administrativa. O território viseense aparece autonomizado em termos defensivos e envolvido por zonas de protecção. Ocupava o centro estratégico regional, já que, para Viseu, convergia, de todas as regiões, um feixe de vias, na maior parte, de origem romana. A importância de Viseu está demonstrada no facto de Ordonho II ter partido da cidade quando foi assolar o Ocidente do Andaluz (913). Almançor terá aí feito a sua plataforma para atacar a região mais a Norte. É ainda significativa a tradição ter feito o rei Rodrigo morrer em Viseu.
Será de admitir que a defesa avançada do vale do Douro contasse, antes da reconquista de Viseu, com uma faixa, a partir do Paiva e da Serra de Montemuro continuasse pelo castro de Resende e por Lamego, estendendo-se até São João da Pesqueira.
Um outro exemplo poderá ser encontrado na linha constituída por Numão, Longroiva, Marialva, Moreira de Rei, Trancoso, Tavares e Celorico da Beira. Sem esquecer a região fronteira iniciada por São João da Pesqueira, Penedono, Sernancelhe e Aguiar da Beira e ainda outras penelas et populaturas citadas por documentação de D. Chama, 960.
Por se tratar da abordagem ao surgimento, afirmação e desenvolvimento de Penedono, um concelho medieval, indissociável do processo de formação de Portugal como Nação, julgamos oportuno referir algumas considerações acerca da tese do investigador e historiador lamecense, Almeida Fernandes, a propósito da naturalidade do nosso primeiro rei, Afonso Henriques.
A base da investigação de Almeida Fernandes fundamenta-se na busca da data suficientemente aproximada do nascimento de Afonso Henriques e, concomitantemente, descobrir o local de residência de sua mãe, D. Teresa, aquando do parto.
A data afirma que é possível descortiná-la, através das indicações documentais indirectas da época: tendo Afonso Henriques dois para três anos, sensivelmente dois anos e nove meses, quando o seu pai, D. Henrique, morreu, no início de Maio de 1112. Subtrai a esta data a presumível idade da criança, conclui que ela tinha nascido no princípio de Agosto de 1109.
Quanto à residência de D. Teresa, nessa data, Almeida Fernandes diz-se documentado, provando Viseu, no paço da cidadela que já vinha do tempo dos reis Ordonho II e Ramiro II, no século X.
Entre Coimbra e Viseu, já que Guimarães se exclui totalmente, dada a total ausência de provas da sua fixação dela aí, pelo contrário, surge então vinculada à diplomacia da Beira, Viseu apresenta-se, a seu ver, uma evidência.
Torquato de Sousa Soares tinha defendido Coimbra como naturalidade de Afonso em virtude de ter descoberto um documento de D. Teresa datado de 1109, em Coimbra. Todavia, Almeida Fernandes apresenta uma vasta diplomacia de D. Teresa, também desse ano a partir de Viseu, salientando cartas de doação a proprietários de Viseu, Mangualde, Tavares, Sátão, Cota, Alves e Ferreira. Além disso, aponta outras questões prementes como seja a segurança de D. Teresa em Viseu em contraste com Coimbra. Pois, Viseu beneficiava da orografia protectora da cordilheira da Estrela, numa época em que a presença muçulmana bordejava o Mondego e se fazia sentir em terras como Gouveia, Coimbra seria sempre um perigo eminente.
Em termos de fontes directas, Almeida Fernandes alonga-se num conjunto de factos de que parece difícil duvidar ou contrapor, realçando o Paço da cidadela (O Palacium) de Viseu, que já havia sido dos reis leoneses Ordonho II (914-923) e de Ramiro II (931-951). Deste modo, a cidade de Viseu, além de mais segura, com o seu paço, conservava a cidadela real.
A diplomacia, de natureza variada, apresenta diplomas, através dos quais, datando de Viseu, D. Teresa e o seu marido outorgaram forais, fazendo doações a particulares e a outras instituições eclesiásticas, como é o caso do Mosteiro de Lorvão à Sé de Coimbra (1109) onde D. Teresa não poderia estar presente in loco, mesmo sucedendo aquando da outorga do foral a Mangualde (1109), neste caso nem o conde iria a Mangualde (Agosto).
À morte de D. Afonso VI, em Toledo, onde se encontrava o imperador na agonia dos seus últimos dias de vida, Estava lá D. Henrique sem a sua mulher, filha do imperador que permanecia em Viseu, grávida.
A presença de autoridades leonesas em Viseu: o arcebispo de Toledo e o conde Peres de Trava, após o falecimento de Afonso VI, dirigem-se a Viseu. O arcebispo foi aquela cidade dar apoio a D. Teresa na sucessão a seu pai.
No socorro a Sintra, tendo tido conhecimento de uma revolta muçulmana, D. Henrique abandonou, precipitadamente, o sogro no leito de morte, passando por Viseu, dirigiu-se a Sintra no auxílio dos seus apaniguados cristãos.
A figura de Egas Moniz também é considerada, na tese de Almeida Fernandes, tendo em conta que, sendo um nobre proeminente, não é nomeado entre aqueles que se deslo-caram nas acções diplomáticas e de combate, nem do conde, nem na de D. Teresa, nessa data, mas surge em Viseu entre uma delegação da alta nobreza. Para este investigador, Egas Moniz aguardava o nascituro para recebê-lo de imediato e levá-lo para Riba de Douro lamecense onde governava e aí o criaria.
Concordando com Almeida Fernandes, o fundador e primeiro rei de Portugal nasceu e foi criado no distrito de Viseu, ou seja, veio à luz no Paço da cidadela de Viseu e medrou nas terras de Lamego, como dissemos, região de larga influência moçárabe, quiçá, o seu próprio educador.
Claro que, por entre os factos históricos, as férteis imaginações e ousadas lucubrações, ganharam espaço algumas façanhas lendárias que terão ou não sentido. Vem à liça algumas interrogações colocadas em debate à plateia do Congresso de Viseu comemorativo dos cem anos do nascimento de Afonso Henriques, Agosto de 2009.
Nessa assembleia magna, perante a esmagadora aceitação de Viseu como terra pátria do primeiro rei, alguém aflorou os preceitos lendários do milagre de Britiande, segundo o qual a criança que D. Teresa deu à luz em Viseu era deficiente e Egas Moniz ao colocá-la no altar da capela de Britiande, intercedeu e foi atendido, operando-se miraculosa transformação e, assim, o aleijadinho transformar-se-ia num menino robusto. Isso, porém, é uma das versões lendárias, pois existe a outra que, até fará mais sentido, ou seja, D. Teresa teria, de facto, dado à luz um menino aleijadinho dos membros inferiores e, posteriormente, teria morrido. Egas Moniz, secretamente, teria ocultado o sucedido e no lugar do filho do conde D. Henrique e de D. Teresa colocaria o seu próprio filho, com aproximada idade. Então, nesta última versão lendária, teríamos um fundador originário de Lamego e, porventura, moçárabe.
Vem de tempos longínquos a nomeação de magistrados locais como representantes do poder real. Falamos de meirinhos, corregedores e juízes de fora que, desde o século XIII, marcaram presença na realidade local portuguesa.
Os meirinhos e corregedores exerciam a sua acção ao nível da comarca e, para além das funções judiciais inerentes ao cargo, foram consolidando, ao longo dos séculos, formas de intervencionismo social, político e económico. Os juízes de fora, nomeados pelo rei para os concelhos, podiam exercer as funções de presidentes de câmara, mas eram pouco frequentes em todo o país.
Com a revolução liberal outros cargos surgem, embora com funções diferentes: O Administrador Geral, previsto na Constituição de 1822, e o Prefeito, referenciado no Decreto de 1832. O Administrador Geral passaria a constituir um prolongamento do governo junto dos órgãos locais, surgindo o distrito como divisão administrativa no articulado da Constituição de 1822, assumindo-se como uma das instâncias que substitui a comarca do Antigo Regime.
A designação de Governador Civil aparece-nos pela carta de lei de 25 de Abril de 1835, com funções administrativas. É esta lei que estabelece a divisão administrativa do país em distritos e concelhos. A província da Beira Alta era, então, dividida em quatro distritos: Aveiro, Coimbra, Lamego e Guarda.
O Decreto de 18 de Julho de 1835 vem consolidar esta reforma administrativa estabelecendo os magistrados e os corpos administrativos que lhe correspondem. Altera--se ainda o anterior sistema administrativo, dividindo o país em distritos, concelhos e freguesias, governados por magistrados que eram, respectivamente, o Governador Civil, o Administrador do Concelho e o Comissário da Paróquia.
No que concerne a Viseu, a situação desagradou profundamente já que esta cidade pre-tendia vir a assumir a liderança da vasta circunscrição distrital então criada.
Será o Decreto de 15 de Dezembro de 1835 a estabelecer a passagem da sede de distrito, da cidade de Lamego para a de Viseu.
Vem de tempos longínquos a nomeação de magistrados locais como representantes do poder real. Falamos de meirinhos, corregedores e juízes de fora que, desde o século XIII, marcaram presença na realidade local portuguesa.
Os meirinhos e corregedores exerciam a sua acção ao nível da comarca e, para além das funções judiciais inerentes ao cargo, foram consolidando, ao longo dos séculos, formas de intervencionismo social, político e económico. Os juízes de fora, nomeados pelo rei para os concelhos, podiam exercer as funções de presidentes de câmara, mas eram pouco frequentes em todo o país.
Com a revolução liberal outros cargos surgem, embora com funções diferentes: O Administrador Geral, previsto na Constituição de 1822, e o Prefeito, referenciado no Decreto de 1832. O Administrador Geral passaria a constituir um prolongamento do governo junto dos órgãos locais, surgindo o distrito como divisão administrativa no articulado da Constituição de 1822, assumindo-se como uma das instâncias que substitui a comarca do Antigo Regime.
A designação de Governador Civil aparece-nos pela carta de lei de 25 de Abril de 1835, com funções administrativas. É esta lei que estabelece a divisão administrativa do país em distritos e concelhos. A província da Beira Alta era, então, dividida em quatro distritos: Aveiro, Coimbra, Lamego e Guarda.
O Decreto de 18 de Julho de 1835 vem consolidar esta reforma administrativa estabelecendo os magistrados e os corpos administrativos que lhe correspondem. Altera--se ainda o anterior sistema administrativo, dividindo o país em distritos, concelhos e freguesias, governados por magistrados que eram, respectivamente, o Governador Civil, o Administrador do Concelho e o Comissário da Paróquia.
No que concerne a Viseu, a situação desagradou profundamente já que esta cidade pre-tendia vir a assumir a liderança da vasta circunscrição distrital então criada.
Será o Decreto de 15 de Dezembro de 1835 a estabelecer a passagem da sede de distrito, da cidade de Lamego para a de Viseu.
Forais do Grupo da Pesqueira – 1055-1065
Na região de São João da Pesqueira, em tempos anteriores, o povoamento concretizava-se na existência de alguns foros habitacionais, a partir dos quais se organizavam e exploravam gradualmente as terras circunvizinhas, sem ter necessariamente um termo ou alfoz bem definido.
Seria artificial precisar a área geográfica dessa época, já que a delimitação do termo por linhas cartográficas e marcos geodésicos, só bastante mais tarde, se generalizariam, conforme foi avançando a ocupação do território, mediante necessidades e sistemas de organização e estruturação da administração civil e eclesiástica. Numa fase inicial do povoamento, a partir dos finais do século X, os colonos ocuparam um espaço vagamente definido que polarizava a vila, aldeia ou povoação cuja autoridade máxima era o concilium.
O espaço aparecia distribuído por várias zonas que se podem esquematizar num diagrama com vários círculos. No interior situava-se a aldeia, constituída pelas casas, tendo em contiguidade uma reduzida parcela de terra, quase sempre vedada, de exploração permanente, a cortinha, destinada ao cultivo da horta e de alguns cereais. O círculo envolvente era formado pelo espaço agrícola, inicialmente de propriedade colectiva ou comunitária, embora de usufruto individual, mesmo quando a lavoura se fazia com a participação dos vizinhos. No círculo exterior encontrava-se o bosque, fruído livremente por todos e cada um dos moradores.
São João da Pesqueira tinha feira anual, no oitavo dia de cada mês, outorgada por carta régia de 26 de Novembro de 1281. Uma feira condicionada a regras já que D. Dinis coutava a feira e os homens que a ela viessem, desde três dias antes de começar até três dias depois de terminar; avisava ainda que todo aquele que quebrasse a feira, que perseguisse ou causasse dano aos que a ela viessem seria considerado inimigo del-rei e pagaria o seu encouto .
Inicialmente, a pressão demográfica faria surgir novos aglomerados de habitações em zonas anteriormente polarizadas numa única vila, levando à constituição de novos municípios, dotados de poderes que interfeririam com o direito de propriedade e com o estatuto social dos moradores.
Mais tarde, em virtude do progressivo crescimento demográfico e o respectivo alarga-mento territorial colocaram-se novas exigências administrativas e, assim, haveria lugar a uma diferente organização local, provocando o desmembramento definitivo das estruturas adstritas àquelas comunidades, rompendo os limites do respectivo termo geográfico.
Este processo de segmentação terá originado novos municípios, nomeadamente a partir dos finais do século XI até aos começos do século XIII, na área de Ansiães – Pesqueira. Assim se compreende que, na confirmação do foral de São João da Pesqueira, apenas esta localidade apareça como objecto do diploma outorgado por Fernando Magno, enquanto nas confirmações destinadas a outros municípios se encontra como antecedente um documento no fim de contas respeitante a várias localidades.
São João da Pesqueira
Entre os primeiros forais outorgados a povoações localizadas dentro das actuais fronteiras do território português, o mais antigo é o de S. João da Pesqueira e vilas circunvizinhas.
Se o modelo é o de Salamanca, então é o foral de São João da Pesqueira que estabelece a ligação umbilical entre os ossos municípios e os de Leão.
A concessão do foral de S. João da Pesqueira tem lugar, quando, no Ocidente peninsular, se inicia uma nova fase de reconquista: a recuperação do território situado entre o rio Douro e o rio Tejo, compreendendo as conquistas de Lamego (1057), de Viseu (1058), de Coimbra (1064), assegurando o domínio da linha do Mondego.
O foral de S. João da Pesqueira terá sido concedido inicialmente apenas a uma comunidade, eventualmente a duas, então muito afins, uma a Norte e outra a Sul do rio Douro.
O texto sugere-nos que ele fora concedido a uma localidade próxima de um curso de água onde se terá somado a outra mais antiga, um facto a deduzir, também da própria toponímia: de ipsa pescaria det mediam partem ad palacium et de aliis antiquis quarta ubi labor nichil.
Foi este foral confirmado repetidamente, com outorga a várias localidades, sendo parte das respectivas cláusulas incluída em forais posteriores da Beira Alta e de Trás-os-Montes.
Dado que o texto original se perdeu, dele apenas são conhecidas inserções em confirmações posteriores, pelo que se torna muito difícil precisar o território abrangido pelo dito foral de 1055-1065.
No preâmbulo dessas confirmações posteriores, ora se refere, como destinatário do foral originário, somente S. João da Pesqueira, ora se cita, com S. João da Pesqueira, em primeiro lugar, uma série de localidades vizinhas, de um e do outro lado do rio Douro: Penela, Paredes, Linhares e Ansiães; num dos casos, Souto é também incluído no conjunto, precisamente quando é a esta localidade que a confirmação se destina.
Vide, a propósito, a genealogia dos respectivos forais.
Genealogia dos forais do Grupo de S. João da Pesqueira
Foral dado a Sam Joham da Pesqueira, tal como outros forais de Fernando Magno no reino de Leão, também refere o tributo de pagar anualmente ao rei parada (paradam) que voltaremos a encontrar noutros forais das margens do Douro e de Trás-os-Montes, nos séculos XII e XIII.
Neste diploma não são perceptíveis quaisquer destrinças entre peões e cavaleiros, embora as diferenças sociais existam como é o caso da distinção entre homens maiores e menores.
No foral de São João da Pesqueira supõe-se a existência de uma rede de castelos (pene-las) cujos vizinhos podem ser chamados a conduzir presos ou a levar mensagens (cor-reio).
Porém, estes castelos não resultariam da compactação dos aglomerados, mas antes constituiriam uma resposta á pressão muçulmana.
No vértice da organização administrativa encontra-se o rei, por vezes, representado pelo seu vigário.
O palácio engloba as estruturas, através das quais se faz sentir localmente o poder cen-tral, sendo o seu funcionamento garantido pela actuação do saião e do mordomo.
A comunidade está sujeita a determinadas obrigações para com o poder régio; os seus membros respondem ao apelido. Participam com o rei nas montarias, uma vez por ano, e não podem recusar-se a levar comunicações e os presos, dum para outro castelo.
Contribuem com os seus impostos para as despesas do palácio cujo principal imposto é a parada, fixada em géneros (dois pães, um almude de vinho e um almude de cevada).
A actividade venatória é taxada com a entrega de uma peça do animal caçado, salvo se a presa for javali, que está isento de taxa.
Das pesqueiras paga-se uma taxa que oscila entre metade (pesqueira nova) e um quarto (das antigas).
Dois tipos de impostos são pagos em dinheiro: o que recai sobre as viúvas que con-traiam um segundo casamento; o que incide sobre os maridos que deixem as mulheres e retomem os bens que lhe haviam pertencido (osas).
A lutuosa e o maninhadego, designação dos impostos sobre os bens deixados pelos que morriam (podendo o segundo absorver toda a herança), apenas se executam no caso dos clérigos que morram ou fiquem cativos, sem deixar parentes; mesmo assim a terça parte seria destinada a sufrágios. A recolha destes impostos estava a cargo do mordomo cujas funções o foral não especifica.
O concelho é o órgão máximo da hierarquia dentro da comunidade, de que é interlocu-tor perante o rei e perante o bispo.
O foral não fornece quaisquer dados sobre a sua composição, deixando-nos sem saber se seria constituído apenas pelos maiores ou se nele entrariam outros vizinhos.
A influência eclesiástica é testemunhada pela existência de uma igreja, na qual se centra a vida religiosa da comunidade. O foral de S. João da Pesqueira dispõe que, em relação à igreja, se entenda o concelho com o bispo.
Nessa carta estão previstos os seguintes poderes judiciais:
- Judicium (julgamento), reservado a casos muito graves, homicídio e rouso.
- Inquisitio ou exquiritio directa, isto é a audição de testemunhas, previsto nos delitos de furto de gado, de mutilação e calúnias graves.
- Lide ou luta, na ocorrência de mutilações, de cuja autoria não haja testemunha, desde que ambos os contentores aceitem essa fórmula.
- Prova testemunhal abonatória, simultaneamente com o juramento do acusado e com a apresentação de um fiador, nos casos de homicídio e de rouso, quando não existam testemunhas, mas apenas suspeitas.
- Penhora, aqui referida somente a propósito da distribuição das referidas recitas.
- Cúmulo de penas.
- Composição, é uma situação em que alguém comete um delito contra outro morador, porém havendo entre os contentores acordo na reparação do prejuízo, ficará livre do pagamento de coimas ao palácio.
A gravidade dos principais delitos é escalonada, para além da definição dos procedi-mentos a adoptar, também segundo a graduação das coimas.
Dos delitos e graduação das coimas:
COIMA DELITO
50 Soldos Homicídio
50 “ Rouso
30 “ Sequestro de pessoas
30 “ Agressão e lançamento por terra
30 “ Esterco à boca (lançamento de)
30 “ Ultrajes verbais graves
25 “ Mutilações (pé, mão, olhos)
10 “ Atirar à água
10 “ Ferimento com espada ou lança, a sair do outro lado
5 “ Ferimento com espada ou lança simples
5 “ Pedrada ou paulada que faz sangue
5 “ Bofetadas, puxar o cabelo
5 “ Entrar em casa alheia (além disso, duplica o que tirar)
1 “ Punhada e pedrada ou paulada sem sangue
D. Manuel I, em 1 de Junho, de 1510 confirmou o foral, introduzindo nova redacção: Visto ho foral dado per Rey dom Afonso anriques sendo Infante que as rendas e direitos se arrecadam na forma seguinte (lê-se a respeito das pesqueiras) E avemos mais daver das pesqueiras do dicto doiro as cousas seguintes as quaaes per bem do dicto foral foram asy julgadas em nossa corte e Rollaçam, a sabr da pesqueira grande que chamam a pena será nosso a metade de todo o pescado que se nellla matar e tomar. E do outro pescado que se matar nas outras pescarias antigas se recadará a quarta parte pêra nos.
Em 1527 tinha 505 vizinhos e confrontava com Trovões, Valongo, Penela, Vila do Souto, Numão, Ansiães, Soutelo, Ervedosa e Castanheiro. Em 1537, a vila de S. João da Pesqueira pertencia à comarca e à correição de Pinhel. Era de Luís Alvares de Távora.
Paredes
Paredes recebeu foral de D. Afonso I (sem data), e de D. Sancho I (06-04-1198), con-firmado por D. Afonso II (04-06-1218).
D. Afonso III, em Junho de 1257, confere-lhe novo foral.
D. Manuel I, em 15 de Dezembro, de 1512, atribui-lhe o foral novo.
Forll de Paredes dado por Rei Dom Sancho, o Primeiro refere-se a impostos dos mora-dores a senhorio em quantidades de trigo, centeio e vinho no lugar e villa de paredes pollo foral del rey dom Sancho o primeiro todo homem morador pagasse ao senhorio em cada hum anno dous paaes hum de trigo e outro de centeo e hum almude de vinho e outro de cevada.
E nom se levará portagem agora nem em nenhum tempo visto como numca a levaram nem há memória que se levassse.
Inicialmente fora-lhe atribuída a categoria de vila e de cabeça de concelho, formado por esta freguesia e pela de Riodades.
Em 1537 pertencia à vila da Correição, comarca de Pinhel e confrontava com Trevões, Penela da Beira, Penedono, Fonte Arcada, Sendim e Castanheiro.
Penela
FORALL DE PENELLA DADO PER EL REY
DOM SANCHO O PRIMEIRO
E assy sam da coroa reall os dereitos de penella segumdo o forall del Rey dom sancho o primeiro na forma seguimte. a saber. posto que pollo dito forall fosse Imposto tributo aos moradores do dito lugar que ouvese de pagar cada morador certos paeens e medidas de cevada e outras cousas comtheudas no dito forall nós as ouvemos aquy por escussadas por quanto por todallas cousas que nós aviamos daver por trebuto e foro reall no dito lugar avemos agora somente daver as cousas seguimtes. a saber. cada morador pagará três quartas dalqueire de çenteo desta medida dagora corremte e huma quarta de trigo da dita medida E mais em denheiro oyto reaaes cada huma das ditas pessoas e pagam mais todos jumtamente a colheita cadano que avemos daver e por ella quatrocentos Reaaes e mais nam.
E avemos daver ysso mesmo do mordomo setecemtos Reaes os quaes denheiros ham de seer per todo o comçelho pagos pollos quaes dereitos o dito comçelho avia daver as portajeens e todollos outros nossos dereitos os quaes o dito comçelho nam quis Recadar nem aver por favor e liberdade de sua terra Nem nós nem outrem em nosso nome os poderá ysso mesmo mais aver Nem se pagarão na dita villa outros dereitos senam os que ditos sam Salvo o gado do vemto se o hy ouver será do dito comçelho com as outras leis (sic = seis?) cousas do dito capitollo.
Penela recebeu foral de El Rey D. Sancho, o primeiro, em 1150.
Da vila de Penela, na antiga comarca de Pinhel, eram seus donatários os marqueses de Marialva.
Penela é uma povoação tão antiga que talvez tenha precedido o povoamento de Penedono, no século X. Terá tido castelo ou pequena fortificação, como indica o próprio topónimo (Penela).
No conjunto das povoações circunvizinhas de S. João da Pesqueira, à data em que esta recebeu o primeiro foral, 1055-1065, Penela teria a função de apoio, colaborando na transmissão de comunicações e na guarda de cativos, durante a fase dos confrontos da Reconquista.
Foi vila e sede de concelho, posteriormente suprimido, e englobada como freguesia no concelho de Trevões, até à extinção deste em 24 de Janeiro de 1855.
Vem a propósito referir a feira que El-rei D. Dinis, querendo fazer mercê a D. Afonso Bispo de Lamego, concedeu à sua vila de Trevões – 1304.
Uma vez extinto o concelho de Trevões, Penela passaria a fazer parte do concelho de Penedono, por decreto de 7 de Setembro de 1895, que extinguiu o município de Pene-dono, Penela seria anexada ao concelho de São João da Pesqueira. Voltou a Penedono com a reposição deste, do qual passou a fazer parte como uma das sua nove freguesias.
Enquanto vila recebeu foral de D. Fernando I de Leão, renovado por D. Afonso Henri-ques e confirmado por D. Afonso II, em 1217. EM 1 de Junho de 1514 ou 15 de Dezembro de 1512, foi-lhe atribuído foral Manuelino
SOUTO
1207
In Lib. i et in Lib. Ii (sic dicto) Donationum Alphonsi II hoc invenitur forale. Ex Lib. Ii textum sumpsimus : ex Lib I Lectiones varias.
In dei nomine. Hec est carta de foro quan iussi facere ego Sancius dei gratia portugalensis Rex, una cum filio meo Rege domno Alfonso et cum aliis filiis et filiabus méis, vobis populatoribus de Souto presentibus et futuris scilecet ut detis nobis septem modios, et duos quartarios de pane medietatem de milio et medietatem de Centeno per taygam directam et tres spadoas et sex fogacias unaquaque carum do tribus almudes et tres gallinas cum triginta ouis. Et de collecta ii carnarios et tres fogacias. Et concedimus uobis et cuuctis successoribus ut nunquam habeatis maiordomum super uos, et ut numquam pectetis nisi tres callumpnias furtum rausum et homicidium et debent esse per bonos homines et debet esse furtum pro uno nouem. Et pro homicidio decem morabitinos, et pro rausso decem morabitinos : et de istis morabitinis concilium dobet babere medietatem. Et non debetis ire in fossatum nisi citra dorium ubi ego fuero et ílios tres morabitinos debetis dare per tres partes anni. Et meus vassallus qui tenuerit terram super uos nunquam pauset in uilla uestra. Et uos nunquam pectetis aliam callumpniam, neque faciatis aliud fórum, nisi quantum iacet in ista carta. Quicunque igitur hoc nostrum factum uobis integrum obseruauerit, sit benedictus a deo, ámen. Et quicunque illud uobis infregerit ira dei ueniat super eum. Facta fiut hec carta apud Couilianam, Mense Augusto. Era M.ª cc.ª xxxx.ª v.ª anno regni nostri xxi.º nos reges qui hanc cartam fieri precepimus coram subscriptis cam roborauimus.
FORALL DO SOUTO DO COUTO DE LIOMILL PER
COMPOSIÇAM ANTIGA
E assy avemos daver do concelho do souto segumdo a composiçam amtiga estes derei-tos per bem da quall composiçam e avemça há de pagar cada morador do dito lugar hum alqueire de pam da medida dagora. a saber. tres quartas de cemteo e huma de trigo e em denheiro oyto Reaaes O quall dereito foy chamado antigamente paradas assy neste lugar como nos outros comarcaaos. E pagam mais por dia de mayo de colheita trezemtos Reaaes (50) Repartidos per todollos beens que há no dito lugar ora sejam moradores demtro no comçelho ora fora E per este respeito pagam as ditas parada do pam e denheiro acima contheudo as pessoas de fora que hy nam vivam sem embargo de nenhum privillegio que tenham posto que clerigos sejam.
Portajem
E nam se paga hy portagem nem outro dereito Real.
Montados. Maninhos
E os montados e maninhos seram do comcelho.
Gado do Vento
E o gado do vemto quamdo se perder será do senhorio amdando em segumdo nossa ordenaçam com decraraçam ect assy como em marialva se conthem.
Forais do Grupo de Numão
Alguns anos antes da outorga de qualquer novo foral por parte de D. Afonso Henriques – para além das confirmações dos forais de Guimarães e de Constantim, dava-se um facto que iria ter grandes repercussões na evolução do municipalismo português: a outorga do foral de Numão, ocorrida a 7 de Julho de 1130.
O foral de Numão de 1130, outorgado alguns anos antes de Afonso I ser reconhecido no mundo cristão como soberano de um novo reino independente, iria influenciar todo o distrito da Guarda, com excepção de Seia, o Sul do distrito de Bragança e ainda algumas povoações minhotas.
Foi outorgado por Fernão Mendes, genro de D. Teresa, e parece resultar da influência que tivera na região um outro foral mais antigo, outorgado inicialmente a Salamanca, sob o qual Numão dependeria em tempos anteriores.
Numão é uma povoação antiga, possuindo uma localização estratégica para o domínio das margens do rio Douro. Era uma povoação ligada por traçado romano desde a época de ocupação romana.
De Belmonte, uma estrada cortava a Serra da Estrela por Ribeira do Colmeal, Lameira, Valhelhas, Vilmonte, Folgosinho, continuando por Espinho, Alcafache e Ranhados, dirigia-se a Viseu, cidade onde confluíam cerca de 13 vias romanas. Outra estrada partia com destino à região da Guarda, porventura, no caminho de Marialva, Longroiva e da Meda, enquanto um ramo arrancava para Armamar, outro tomava provavelmente o destino de Freixo de Numão, atravessaria o Douro e dirigir-se-ia para a área da Torre de Moncorvo.
O Noroeste transmontano onde os vestígios da ocupação romana são abundantes, incluindo lápides funerárias e militares, devia ser percorrido por uma via entre os rios Douro e Sabor, a qual serviria as minas de ferro de Moncorvo, atravessando o Douro, talvez em Freixo de Numão, ligar-se-ia a Marialva, Longroiva, Meda e Ranhados. Localidades de forte romanização onde, por exemplo, se exploravam as minas da Meda e as de Santo António da Granja, em Penedono.
Em 48 a.C. o imperador romano designou para o governo da Ibéria Ulterior, Quinto Cássio Longino, o qual exerceu inusitada violência sobre as populações autóctones de que destaca um episódio de ataque e submissão de Medobriga (Ranhados, concelho da Meda) cujos motivos, consequências e descrições se desconhecem.
O centro do país está repleto de vestígios do período romano, no entanto a rede intrin-cada de caminhos antigos
e o forte desenvolvimento da região na idade Média, tornam difícil integrar na rede viária alguns pólos romanos
importantes da região, como Freixo do Numão, Marialva, Rabaçal, Idanha-a-Velha, Bobadela e toda a Serra da Estrela (Sá Coixão, 2000).
Rede viária romana em torno de Freixo de Numão (MEIDOBRIGA?)
Freixo de Numão (MEIDOBRIGA?) (muitos vestígios na provável capital dos Meido-brigenses; espólio no Museu Arqueológico da Casa Grande; villa em Salgueiro)
De Freixo partiriam vários caminhos romanos, um saindo da vila para norte, em direc-ção ao rio Douro e os restantes articulados com o nó rodoviário da Qta. da Pedra Escrita, próximo da Villa do Prazo, seguindo daí para poente em direcção a Numão e para sul em direcção a Marialva e Sernancelhe.
Calçada em Cunhos, no caminho para Citânia e Chavães, passando por Penedo do For-neiro/Forca, Santo Isidro, Castelo e Chã.
Arcos (passa no cemitério e segue para Sendim, à esquerda por terra)
Sendim(vicus no Fontelo)
Daqui poderia rumar a nordeste, passando em St. Ovídeo e na calçada do Vale da Vila em direcção à Paradela, podendo atravessar o rio Távora em direcção a Paredes da Beira, onde há calçada no sentido NO-SE.
A via também poderia continuar em direcção à civitas ARAVORUM em Marialva, atravessando o rio Távora em Riodades, passando em Aldeia, Paço, Cabeço de Pichel e Ferreiros, onde atravessa o rio e continuando talvez por Penedono, onde há 3 possíveis miliários ainda inéditos nas ruas da vila.
Também é provável uma ligação à via que passava a sul por Vide, Faia, Freixinho e Vila da Ponte, onde há miliários.
O território do município de Numão englobava uma vasta área da margem Sul do Douro que ia desde Celeiros até ao rio Águeda, isto é, abrangia pelo menos a parte Norte dos actuais concelhos de Vila Nova de Foz Côa e de Figueira de Castelo Rodrigo.
Foral da Villa de Numão designado de foral de 1130, por vezes, confunde os leitores e analistas, dado que não apresenta uma clara definição dos limites territoriais, dado que Freixo de Numão é uma povoação vizinhas e igualmente detentora de grande espólio arqueológico e histórico e, assim, não se sabendo se o referido foral foi outorgado ape-nas a Numão ou se englobava também Freixo de Numão.
No Arquivo Nacional da Torre de Tombo encontrámos, nos Registos Paroquiais, a indicação de que foi a paróquia de Freixo de Numão a receber o dito foral de 1130. Paróquia de Freixo de Numão, foral 1130, foral novo de D. Manuel I em 1512. Concelho extinto em 1853. Bispado de Lamego. Concelho de Vila Nova de Foz Côa; freguesia de Freixo de Numão. Orago São Pedro. Datas extremas – 1627-1911 – 68 Lv. (ADGRD: 3; CELMG: 55; ANTTT: 10).
Em 960 o castelo de Numão pertencia, a par de outros, a D. Châmoa Rodrigues que o doara ao convento de Guimarães, através da sua tia, a condessa Mumadona. Terá, entretanto, sido ocupado pelos islâmicos, já que, na opinião de alguns autores, terá sido reconquistado por Fernando Magno de Leão, em 1055.
à vila de Numão terá ficado destruída na sequência de incursões muçulmanas. Todavia, o abandono não teria perdurado, uma vez que, em 8 de Julho de 1130, D. Fernão Men-des e seus filhos lhe conferem a primeira carta. Em 1512, D. Manuel I concede-lhe ainda a carta de foral novo.
Posteriormente, enfraquecia a importância de Numão até que, a partir de meados do século XVI, deixaria de ser a sede de concelho que, então, se muda para Freixo de Numão. Em 1853, Freixo de Numão foi integrado no concelho de Vila Nova de Foz Côa. Concluímos que, nesta região Douro Sul, Numão e Freixo de Numão seguiram partilhando importância e supremacia até que ambos foram subordinados a Vila Nova de Foz Côa.
Seja como for, foram estes antigos municípios lugar especialmente populado durante a ocupação romana cujo espólio está patente, nomeadamente, pelas estações arqueológi-cas, no acervo do museu de Freixo de Numão e nas vias comunicação daquela época.
Foral de Numão de 1130
Nesta carta utilizou-se um paradigma já existente, uma versão mais ou menos próxima do designado foral de Salamanca.
É específica do foral de Numão a cláusula relativa ao montádigo, bem como a própria redacção das disposições tributárias.
Assim, a base da organização municipal em Numão está no concelho, constituído pelos vizinhos. A expressão, homens bons não é utilizada. É ao concelho que se vai pedir justiça que não pode ser procurada directamente por outros meios; sem autorização do concelho não é lícito fazer penhoras. Todo o concelho é parte em processo contra aquele que, sem a ele recorrer, fizer justiça pelas próprias mãos.
A principal autoridade dentro do concelho é o juiz que intervém para julgar os processos penais e contenciosos. Cada vizinho paga-lhe anualmente a soldada de doze soldos. O juiz é o único intermediário credenciado para requisitar pousada em casa de um peão, quando alguma personalidade a ela tiver direito.
É difícil de averiguar até onde chegava o domínio efectivo desta comunidade de Numão, ao contrário do que sucederia com S. João da Pesqueira onde inicialmente o problema do termo não se poria e o domínio administrativo do território se diluía.
A extensão do município iria, porém, exigir a multiplicação do número de magistrados a quem compete governá-lo, dando origem ao corpo dos alcaides que partilham as fun-ções do juiz ou o substituem.
A sociedade de Numão não é igualitária; o foral admite dentro do município várias qualidades de pessoas. Há cavaleiros, peões e clérigos a quem eventualmente se acrescentam os mercadores. Os proprietários com trabalhadores dependentes nas suas casas ou herdades terão direito de lhes aplicar a justiça, cabendo ao concelho apenas uma função supletiva, na ausência dos respectivos donos. Numão tem um significativo número de normas de âmbito judicial, entre os quais citemos:
- Está reservada ao concelho a administração da justiça, ninguém por sua iniciativa pode realizar acções que colidam com esse princípio, designadamente efectuar penhoras.
- Nenhuma autoridade estranha, além do juiz, intervém em nullum pactum nec aliquam calumpniam, isto é, compete ao juiz julgar os processos contenciosos ou de crime.
- Ninguém pode ser chamado a responder sem rancurso (o queixoso).
- Para os julgamentos em que uma das partes não é o município fixa-se o local onde decorrerá o acto, no extremo do concelho.
- Através de juramento, o acusado, acompanhado de um certo número de testemunhas, pode defender o seu bom-nome ou a sua inocência.
- O município de Numão concede asilo a todos os que nele entrem depois de noutra localidade terem cometido qualquer delito, mesmo dos mais graves, incluindo rouso e homicídio, desde que não levam consigo mulher alheia.
Quanto a fiadoria e penhoras o foral 1130 esclarece:
- Fiadoria ou fiança consiste em apresentar uma pessoa, o fiador ou fiel, que dará garantia do cumprimento de obrigações assumidas por alguém. Depois de apresentar um fiador idóneo, o réu pode aguardar em paz o julgamento; se aquele a quem é exigida a fiança não cumprir as suas obrigações, entra em seu lugar o fiador, embora este possa depois reclamar os seus direitos. As obrigações assumidas pelo fiador caducam ao fim de meio ano ou por morte, de tal modo que não obrigam os filhos órfãos nem a viúvas.
- Penhora, ou melhor fazer uma penhora, consiste em reter, apresentando depois os bens de alguém ou selando-os, enquanto este não reparar os danos causados ou não tiver cumprido os seus deveres de justiça. Poderá ser o próprio réu a dar os seus bens de penhora, em vez de apresentar fiador.
Em Numão é proibido fazer penhora, devendo-se pedir justiça ao concelho; os habitan-tes de Numão não podem ser penhorados em vez do senhor ou de meirinho estranho ao concelho.
As infracções à lei implicam uma graduação de coimas e respectivos destinatários.
A versão do foral de Numão serviu de paradigma na redacção do foral de freixo, em 1152. A carta de Freixo apresenta muitas diferenças em relação à maioria dos outros forais deste grupo, sendo possível, para um perito, reconhecer o procedimento do escriba, em determinada parte da sua elaboração. No entanto, não se encontravam no núcleo original da carta de Freixo certas cláusulas próprias do foral de Numão: homicídio por altura de concentrações públicas, restituição de furto, violação de domicílio, juramento em caso da suspeita de delito. Em contrapartida, há uma cláusula relativa ao sequestro no interior da própria habitação que apenas parece encontrar-se em dois forais – no de Numão e no de Freixo.
Tabela de Coimas Aplicadas aos Delitos – Foral de Numão
Coimas Delitos Destinatários
3000 soldos Homicídio na cidade ou arredores ½ às suas gentes / ½ ao palácio.
3000 “ Homicídio de vizinho, dentro do concelho perpetrado por parentes de estranho ao concelho, por ele assassinado. ½ às suas gentes / ½ ao palácio
500 “ Homicídio de homicida na casa deste. ½ às suas gentes / ½ ao palácio
500 “ Violação do direito de asilo, por estranho ao concelho. Senhor de Numão – ao lesado paga as feridas ou penhoras.
300 Homicídio. Aos parentes / 1/7 ao palácio.
300 Homicídio praticado por solarengo. Ao senhor do solar / 1/7 ao palácio.
300 Rouso ½ ao palácio / ½ às suas gentes.
300 Rapto ½ ao palácio / ½ aos pais.
300 Prender Homem de Numão Senhor?
300 Sequestro (por cada homem) ½ ao palácio / ½ aos parentes.
300 Ferir mulher alheia Ao marido / 1/7 ao palácio.
300 Violação ao domicilio ?
300 Tirar a esposa ao marido (cada noite). Marido e ao palácio
300 Abandonar o marido (a mulher é também deserdada). ?
60 Penhora indevida. Senhor
60 Ferir em público (mercado, igreja, concelho). Concelho / 1/7 ao palácio.
5 Descavalgar cavaleiro de outra terra. Senhor?
5 Contentor que exige fiador indevidamente. ?
1 coelho Abandono da esposa Juiz
8 vezes o valor Furto O seu ao seu dono / 1/7 ao palácio – o resto ao concelho.
Expulsão Perseguição feita por alguém de fora do concelho, a quem matou alguém da sua gente.
Segundo o esquema genealógico do grupo de forais de Numão de 1130, este dera ori-gem ao de freixo e ao de Mós, que não reproduz as cláusulas relativas ao montádigo, como também a três outros forais, muito semelhantes, igualmente extensos e relacionados entre si: Trancoso, Linhares e Guarda.
Da carta de Freixo derivam a de Urros, Junqueira, Vilariça e Santa Cruz.
O foral de Linhares originaria o de Gouveia e o de Folgosinho.
O texto da Guarda forneceria a norma para os de Alvende, Touro, Castelo Mendo e Contrasta (Valença).
Valença, por sua vez, estenderia a sua influência a várias vilas minhotas: Monção, Pena da Rainha e Caminha cuja propagação nos é descrita por António Matos Reis.
Uma versão inicial da carta de foro de Valença deu origem ao primeiro foral de Monção, deste se originando o de Melgaço e a forma definitiva do Monçanense; derivada do de Valença, a primeira versão de foral de Viana deu origem ao de Prado e logo a seguir à redacção definitiva da carta municipal da povoação da foz do Lima; posteriormente, surgiria o texto definitivo do foral de Valença, seguido pelo de Pena da Rainha e, mais tarde, como suas últimas emanações, pelos de Caminha (1289) e Vila Nova de Cerveira de 1321.
Entretanto, a carta de foro de Trancoso serviu de paradigma aos forais de Aguiar da Pena, em 1220, Marialva, s/d, Moreira, s/d, Celorico, s/d, Valhelhas, 1182, Vila Franca da Serra, 1196, Castreição, 1196, Pinhel (1196?), Vila Nova do Mondego, s/d, Aguiar da Beira, 1258, antes, porém, em 1195, ao foral de Penedono de que nos ocuparemos seguidamente.
Foral de 1195 – Transcrição para Português
Pena de Dono/ Penedono – 1195
Em nome da Santa e Indivisível Trindade, Pai, Filho e Espírito Santo: fazemos esta carta em nome do supremo Deus, da Sua trindade.
Eu, Sancho (I), rei dos Portugueses, com meus filhos e filhas, a vós e de meus filhos, e também aos que aí agora sois povoadores por meu mandato e de meus filhos, e também aos que vierem para povoar, fazemos carta como a que fizemos por escritura e que a possuais firmemente por nosso preceito para que tenhais um bom foro tal como têm os homens de Trancoso. E não me pagueis, nem à minha progénie, nem a qualquer outro homem por homicídio, sendo a sétima ao palácio, dos trezentos soldos apreçados pelo Concilio e pelo poder judicial: e em nenhuma acareação ou calúnia entre aí algum meirinho, à excepção do juiz do concelho. E façam fossado a terça parte dos cavaleiros e duas partes estejam em Pena do Dono. E dessa parte que tiver de andar no fossado e não for, pague como fossadeira cinco soldos por avaliação. E não façam fossado a não ser com o nosso senhor, uma vez no ano, ou como for vossa vontade. E os peões não façam fossado nem os clérigos. E que não entre aí pregoeiro nem manaria de nenhum homem por foro de Pena de Dono.
E quem, no termo de Pena de Dono violar filha alheia sem ser pela sua vontade, pague ao palácio trezentos soldos e saia como homizieiro de seus pais. E se alguém entre vós, no mercado ou no concelho, convocado por pregão, fizer uma ferida no seu vizinho pague, sessenta soldos ao concelho, através do juiz. E de qualquer furto restitua ao seu dono os bens que apanhar e dessa multa reparta ao meio com o juiz.
E quem edificar uma casa ou vinhas ou melhora a sua herdade e durante um ano estiver nela e, se depois for para outra terra, do mesmo modo lhe sirva toda a sua herdade onde esse habitante estiver. E se as quiser vender, venda a quem quiser no termo de Pena do Dono. E os homens de Pena de Dono que tiverem uma questão ou um ajuntamento com homens de outras terras, tenham-nos nas fronteiras dos seus termos.
E dou-vos por foro que fique o cavaleiro de Pena de Dono como infanção de todas as outras terras, tanto em juramento como em juízo e passem sobre eles com dois jurados. E os peões de Pena de Dono que passem à frente de cavaleiros-vilãos de todas as terras em juízo e em juramento, com dois jurados. E os homens que saírem das suas terras por causa de um homicídio ou de uma mulher rousada ou por outra culpa, qualquer que seja, excepto o que traga mulher alheia não abençoada e que venham para junto do senhor de Pena de Dono, sejam livres e defendidos pelo foro de Pena de Dono. E se algum homem de quaisquer terras vier com inimizade ou com penhor e entrar no termo de Pena de Dono e algum inimigo entrar atrás dele e lhe tirar os penhores ou lhe fizer mal, do mesmo modo pague ao senhor quinhentos soldos, dobre a penhora ao seu senhor ou (compense-o) dos prejuízos causados. E quem penhorar homens de Pena de Dono e não tiver pedido autorização ao concelho, do mesmo modo pague sessenta soldos ao senhor de Pena de Dono, duplicando os penhores ao seu dono. E os homens de outras terras que descavalgarem cavaleiro de Pena de Dono paguem-lhes sessenta soldos. E homens de Pena de Dono, quem os prender e os meter na prisão pague-lhes trezentos soldos. E se os homens de Pena de Dono prenderem homens de outras terras e os meterem na prisão, paguem-lhes cinco soldos. E se homens de Pena de Dono por qualquer fiança, em meio ano, não forem procurados, fiquem livres. E se tiverem emigrado fiquem livres os filhos e a esposa. E os homens de Pena de Dono não paguem penhores em favor do senhor, ou do meirinho, só em prol do seu vizinho. E não dêem pousada no termo de Pena de Dono, em casa de cavaleiros nem viúvas, nem de clérigos, a não ser por ordem do juiz, na casa de peões. E os homens de Pena de Dono que tiverem homens nas suas herdades ou nos seus solares, e não estiver aí o seu senhor, venham ao sinal do juiz e dêem um fiador, até à vinda do senhor, e façam o que mandarem: qualquer que seja a penalidade, seja de seu senhor e pague a sétima ao palácio: e não sirva (m) a nenhum homem a não ser a (seu) senhor, ou em cujo solar estiver. E a seara e as vinhas d´El-Rei tenham tal couto o qual o vizinho de Pena de Dono. E se matar um vizinho e fugir para sua casa, quem atrás dele entrar e em sua casa o matar pague trezentos soldos aos parentes do morto. E o que forçar uma mulher e ela vier a contar (a gritar), se não puder salvar-se com doze (testemunhas) pague trezentos soldos à mulher e ao seu marido e a sétima ao palácio. E os homens de Pena de Dono que arranjarem fiadores por uma dívida que lhe pediram e outorgar o fiador com dois vizinhos e (se) não lhe quiserem recolher o fiador, e se além disso o matarem, nós imputaremos este homicídio a todo o concelho. E o palácio de Rei ou do Bispo tenham (direito a) multa e todo o resto da vila tenha foro único e outro palácio não tenha (direito a) multa. E o homem de Pena de Dono que entra por fiador e tiver contendedor qual fiança fiarem, tal paguem. E se o contendedor tiver bens, entregue-os e saia da fiança: e se for suspeito de dez soldos para cima, chame doze vizinhos, vivam em redor da sua casa e jure com dois deles e saia da calunia. E se for de dez soldos para baixo, jure-se outro consigo, quem quer que encontre que encontre que seja vizinho. E todo o homem de Pena de Dono que voltar para outro senhor, que lhe dê em seu benefício as suas casas e suas casas e suas herdades, que a sua esposa e seus filhos sejam livres e soltos nos termos de Pena de Dono. E dou-vos foral para que não tenhais outro senhor a não ser o Rei ou o seu filho ou quem vós, em concelho quiserdes. E todo o homem de Pena de Dono que for deserdado e não conseguir pagar por si, volte à sua herdade se a quiser sem multa. E todo õ homem de Pena de Dono que tiver uma herdade em outra terra, não faça fossado, a não ser por foro de Pena de Dono. E todo o homem de Pena de Dono que tiver uma mulher abençoada e a deixar, pague ao juiz um denário. E se a mulher que tiver recebido homem em casamento o deixar que pague trezentos soldos, metade para o palácio e metade para o marido. E da casa arrombada com escudos, espadas e lanças quem a arrombar pague trezentos soldos, metade ao dono da casa e metade para o palácio. E o que ferir o seu vizinho com espada, pague quarenta soldos e a sétima ao palácio. E o que ferir o seu vizinho com lança se o trespassar pague vinte soldos e a sétima ao palácio. E da região de onde o osso sair, vale dez soldos cada osso e a sétima ao palácio; e de outra espécie de chaga, cinco soldos e a sétima para o palácio. E por toda a penhora do concelho ou do palácio receba-se fiador sobre ela, segundo o foro; E dou-vos foral pelo qual não haja nenhum monte ou rio proibido, mas sim de todo o concelho. E os montes do termo de Pena de Dono usufruam-nos cavaleiros de Pena de Dono com o seu senhor e recebam daí a terça parte do que pagam os gados de fora. E que nenhum gado de Pena de Dono seja sujeito a montado. E de portagem de pão e vinho, por carregamento, pague-se três mealhas e de cavalo e de macho quem vender, um soldo; e de boi e de burro, seis denários; de carneiro e de cabra ou de porco, três mealhas. E de toda a portagem que vier a Pena de Dono, receba a terça o seu estalajadeiro.
Era de 1233 – (1233-38=1195).
Eu, Afonso (II) pela graça de Deus Rei de Portugal, com a minha mulher, Rainha dona Urraca, e com meus filhos infantes D. Sancho e D. Afonso, concedo e confirmo a vós, povoadores de Pena de Dono esta carta e este foral que vos deu meu pai, de ínclita memória, o Rei D. Sacho. E para que o meu feito tenha mais firmeza, mandei fazer esta carta e fi-la certificar com o meu sinete de chumbo. Feita a carta no mês de Outubro, em Trancoso.
Era Mª. C. C.ª Lª (1255-38=1217)
Nós reis acima mencionados que mandámos fazer esta carta, confirmamo-la na presença dos que abaixo assinam e nela fizemos estes sinais +++++
Estiveram presentes: D. Martinho João, Alferes-Mor do Rei, confirma – D. Gomécio Soares – D. Gil Velásquez – D. Fernando Fernandez – Afonso, confirmam – Vicêncio Mendes – Pedro Garcia – João Pelágio, testemunhas.
D. Estêvão, arcebispo de Braga – D. Martinho, bispo do Porto – D. Pedro, bispo de Coimbra – D. Soeiro, bispo de Lisboa – D. Soeiro, bispo de Évora – D. Pelagio, bispo de Lamego – D. Bartolomeu, bispo de Viseu – D. Martinho, bispo da Guarda, confir-mam – Mestre Pelágio, cantor do Porto – Martinho Perez – Soeiro Egitânia, testemu-nham.
Gonçalo Mendes, notário da Cúria – Fernando… escreveu.
Análise e Comentário – Foral de 1195
D. Sancho I, o segundo rei de Portugal (1185-1211), faz jus ao seu epíteto, o povoador, e outorga a Pena de Dono o primeiro foral em 1195.
É um foral extenso e conducente ao povoamento do lugar cuja ocupação se teria inicia-do cerca de 235 anos antes, ou seja, por volta do ano de 960.
Este diploma de Pena de Dono enquadra-se num vasto conjunto de cartas a partir do texto de Numão de 1130, abrangendo diversas vilas desta região a Sul do Douro e ainda outras do litoral minhoto, conforme mostra o quadro de António matos Reis, a propósito do designado grupo de Numão.
De facto, Penedono fica situado numa zona de charneira entre a região do Alto Douro e a Beira Alta, onde a beira acaba e o douro começa, à época território estratégico, entre as margens do Douro e as cidades de Lamego, Viseu e Coimbra. O povoamento aí terá tido mais importância se considerarmos que, por vezes, o inimigo entrava no reino português por Castelo Rodrigo, atingindo, com alguma brevidade, a região Sul do Douro, no sentido de daí partir para a conquista do território situado a Norte do rio Mondego, ou seja, Lamego, Guarda, Viseu e Coimbra.
O castelo roqueiro de Pena de Dono seria, a par dos muitos castelos da região, uma praça forte de defesa, destacando-se então já a sua ligação com a vila de Trancoso, pois o diploma de Pena de Dono diz o seguinte: Eu, Sancho (I) a vós homens de Pena de Dono, que aí agora sois povoadores por meu mandato e também aos que vierem para povoar, fazemos carta como a que fizemos por nosso preceito para que tenhais um bom foro tal como têm os homens de Trancoso.
A base da organização municipal, em Pena de Dono, é o concelho, constituído pelos vizinhos. A expressão, homens bons, não é utilizada. É ao concelho que se vai pedir justiça, que não pode ser procurada directamente por outros meios; sem autorização do concelho não é licito fazer penhoras. Todo o concelho é parte em processo contra aquele que, sem a ele recorrer, fizer justiça pelos seus próprios meios, assassinando quem estiver em inimizade para consigo.
A principal autoridade dentro do concelho é o juiz que intervém para julgar os processos penais e contenciosos; é o único intermediário credenciado para requisitar pousada em casa de um cavaleiro quando alguma personalidade do reino a ela tiver direito; os peões, as viúvas e os clérigos estão isentos da obrigação de dar pousada.
Os cavaleiros ficam com a obrigação do fossado, uma vez no ano ou quando a máxima autoridade no concelho o decidir, mas apenas um terço por campanha. Significará que em pena de Dono, dos finais do século XII, seria importante a cooperação militar a nível regional através de ataques ao campo inimigo, sem, no entanto, se descurar a defesa da vila, pois, para esse fim, ali permaneciam dois terços dos cavaleiros. Diz ainda o diploma que os peões e os clérigos não têm obrigação de fossado; até aquela terça parte dos cavaleiros poderá, eventualmente, substituir-se no fossado por determinada quantia de moeda: E façam fossado a terça parte dos cavaleiros e duas partes estejam em pene de Dono. E dessa parte que tiver de andar no fossado e não for, pague como fossadeira cinco soldos. E os peões não façam fossado nem os clérigos.
A sociedade de Pena de Dono não é igualitária; aí há cavaleiros, peões e clérigos, a que, porventura, de passagem, se acrescentam os mercadores.
Os cavaleiros gozam de maiores privilégios, dos quais se destaca o que lhes permite usufruir de equiparação do seu estatuto jurídico ao dos infanções. Tal privilégio dá às suas declarações em tribunal um valor idêntico ao das proferidas pelos infanções, e até maior, se abonadas por duas testemunhas. A esta promoção dos cavaleiros corresponde uma prerrogativa semelhante concedida aos peões que, para efeitos de justiça, passam a ser equiparados aos cavaleiros vilãos de outras terras. Dou-vos por foro que fique o cavaleiro de Pena de Dono como infanção de todas as outras terras, tanto em juramento como em juízo. E os peões de Pena de Dono que passem à frente dos cavaleiros vilãos de todas as terras. Aos clérigos caberá essencialmente a administração das funções religiosas: estão isentos de obrigações tributárias e de outros desempenhos concelhios.
Significativa é a referência ao mercado numa época em que a população seria muito escassa. A dieta alimentar era restrita, a agricultura incipiente, os instrumentos da lavoura rudimentares a vida austera, não esqueçamos que foram as descobertas marítimas que viriam a possibilitar a introdução do que transformaria a vida na região, ou seja, a introdução de leguminosas, o milho e a batata, tudo, gradativamente, importadas do continente americano, do século XVI ao XVIII. Por outro lado, a alusão de vinhas que, pelas condições climatéricas de Penedono, só existiriam no termo do concelho, isto é, talvez nas terras das actuais freguesias da Beselga e de Ourozinho. A Norte, no termo da freguesia da Granja, entre o lugar de Bebeses e a actual freguesia da Póvoa, também se podia cultivar a vinha, mas, mesmo assim, fica por definir o termo de outros concelhos da beira Douro e xistosos como: Souto, Horta, Cedovim, Trevões, São João da Pesqueira, Numão, Meda e, porventura, o alfoz do de Penela.
Os encargos fiscais são relativamente poucos e, por tal razão, o foral fornece escassos elementos acerca da economia local. Todavia, é interessante referir que aquele que, já depois de trabalhar durante pelo menos um ano as suas herdades ou deter casa construída em Pene de Dono, se mudar definitivamente para outra terra, pode continuar a usufruir dessas propriedades ou então vendê-las, se isso lhe aprouver.
Algumas determinações deste foral dizem respeito expressamente à família. Penaliza-se o abandono do cônjuge: Todo o homem que tiver uma mulher abençoada, a deixar pague ao juiz um denário. E a mulher que tiver recebido homem em casamento, o dei-xar, pague trezentos soldos. E quem no termo de Pena de Dono violar filha alheia pague ao palácio e saia como homizieiro de seus pais. Dita-se que, mesmo após a migração de um morador que vá servir outro senhor, a sua esposa e filhos sejam consi-derados vizinhos como os demais. As viúvas, como os órfãos, não respondem pelas penhoras que oneravam o falecido. Não se cobra o núncio ou lutosa (imposto que se pagava após a morte de alguém) nem a manaria, que consistia na entrega ao senhor de uma parte considerável dos bens do que morresse sem deixar filhos. São, a nosso ver, estas e outras disposições que procuram atrair povoadores, mediante a concessão de regalias e a criação de um ambiente seguro: E que não entre aí pregoreiro nem manaria de nenhum homem. E quem, no termo de pena de Dono violar filha alheia pague ao palácio e saia como homizieiro de seus pais. E se alguém entre vós, no mercado ou no concelho fizer uma ferida ao vizinho, pague. E de qualquer furto restitua ao seu dono os bens e dessa multa, reparta com o juiz. E os homens que tiverem uma questão ou um ajuntamento tenham-nos nas fronteiras dos seus termos. E os homens que saírem das suas terras por causa de um homicídio ou de uma mulher rousada ou por outra culpa excepto o que traga mulher alheia que venha para junto do senhor de Pena de Dono, sejam livres e defendidos. Uma garantia de propriedade ressalta das disposições: E quem edificar uma casa ou vinha ou melhorar a sua herdade depois for para outra terra, do mesmo modo lhe sirva onde esse habitante estiver. E todo o homem de Pena de Dono que voltar para outro senhor que lhe dê em benefício as suas casas e suas herdades que a sua esposa e seus filhos sejam livres e soltos no termo de Pena de Dono. E todo o homem que for deserdado não conseguir pagar por si, volte à casa ou vinha ou melhorar a sua herdade depois for para outra terra, do mesmo modo lhe sirva onde esse habitante estiver. E se as quiser vender, venda.
Como se depreenderá pelo excerto que reproduzimos, a partir do foral de 1195, não só nos parece que D. Sacho I pretendia atrair moradores como ainda criar um sistema de segurança e de organização concelhia.
Alguns desses atractivos e preceitos normativos são provenientes de anteriores forais, dados a povoações da região, particularmente a partir do texto de Numão de 1130. Este, tal como Pena de Dono, acolhe os estrangeiros chegados ao concelho acusados de qual-quer culpa, mesmo que, em outra terra, tenham praticado os crimes mais graves: o homicídio e a violação. Em ambos os forais figura a mesma excepção: qualquer homem será recebido desde que não se apresente acompanhado de mulher alheia não abençoada, isto é, procura-se defender os grupos familiares, punindo o adultério.
Por outro lado, parece-nos clara a ideia segundo a qual concelhos medievais compreendiam três espaços sociais, através da interpretação do foral de Pena de Dono: o da vila, o envolvendo a dita vila, o do termo do concelho. Esta afirmação defendemo-la sobretudo a partir do texto onde se decreta que questões de litígio (questão) e de conversações ou de negociações (ajuntamentos) se façam no termo do concelho cuja função arbitral caberá ao juiz que no centro da vila manda punir actos de violência, nomeadamente no mercado e nos locais de culto.
Em termos comparativos com os forais de S. João da Pesqueira e de Numão de 1130, o de Pena de Dono aproxima-se muito mais do de Numão. Em comum com o de S. João da Pesqueira parecem ser as normas relativas ao homicídio, ao rouso, ao furto e ao ferimento de um vizinho com espada. No que toca à sua aproximação do de Numão de 1130, as concordâncias são vastas, das quais destacamos: violação de rapariga, forçan-do-a, cujo crime era considerado tão grave que o violador receberia a humilhação de sair como homizieiro, ou seja, de ser expulso da casa da sua família; homicídio de vizinho dentro do concelho perpetrado por parentes de estranho ao concelho; homicídio de homicida na casa deste; ainda de: ferir mulher alheia; violar o domicílio; ferir em público (no mercado, na igreja, no concelho); descavalgar cavaleiro, abandonar esposa legítima.
Como atrás referimos, está reservado ao concelho a administração da justiça; ninguém, por sua iniciativa, pode realizar acções que colidam com esse princípio, designadamente efectuar penhoras ou exercer revindicta contra os inimigos: E se algum homem vier com inimizade ou com penhor e lhe tirar a penhora ou lhe fizer mal pague ao senhor dobre a penhora. E quem penhorar homens de pena de Dono e não tiver pedido autorização ao concelho, do mesmo modo pague duplicando os penhores ao seu dono.
As obrigações assumidas pelo fiador caducam ao fim de meio ano, ou por morte, de tal modo que não obrigam os filhos órfãos nem viúvas. O contendor é obrigado a aceitar a fiança. Se após a ocorrência de um delito grave, o contendor recusar o fiador que lhe é apresentado e matar o adversário, o concelho torna-se parte na acção movida contra ele: E se homens de Pena de Dono por qualquer fiança, em meio ano não forem procurados, fiquem livres e se tiverem emigrado fiquem livres os filhos e a sua esposa. E os homens de Pena de Dono que arranjarem fiador por uma dívida que lhe pediram e outorgar o fiador com dois vizinhos e (se) não lhe quiserem recolher o fiador e se além disso o matarem nós imputaremos este homicídio a todo o concelho.
Para impedir indiscriminadamente a formação de penhoras: E dou-vos foral pela qual não haja nenhum monte ou rio proibido mas sim de todo o concelho. E os montes no termo de Pena de dono, usufruam-nos cavaleiros de Pena de Dono, com o seu senhor e recebam daí a terça parte. É proibido fazer penhoras particulares, devendo-se, pelo contrário, pedir justiça ao concelho. A penhora resulta de compromissos ou obrigações contraídas directamente e, em consequência, os habitantes de Pena de Dono não podiam ser penhorados em vez do senhor ou meirinho estranho ao concelho: E os homens de Pena de Dono não paguem penhores em favor do senhor ou meirinho, só em prol do seu vizinho.
Assim, quer nos crimes, quer no acto de penhora, o concelho sobrepõe-se como árbitro, aplicando medidas coercivas, dissuadindo a justiça por conta própria: E os homens de outras terras que descavalgarem cavaleiro de Pena de Dono paguem-lhes. E homens de Pena de Dono quem os prender e os meter na prisão pague-lhes. E se os homens de Pena de Dono prenderem homens de outras terras e os meterem na prisão, paguem-lhes. E não dêem pousada a não ser por ordem do juiz. E os homens de Pena de Dono que tiverem homens nas suas herdades ou nos seus solares, e não estiver aí o seu senhor, venham ao sinal do juiz e dêem um fiador, até que seja a penalidade, seja de seu senhor e pague a sétima ao palácio.
A análise de todo o texto do foral de Pena de Dono outorgado em 1195 leva-nos a con-cluir que, subjacente ao diploma, existe uma preocupação evidente: evitar atitudes violentas tendentes a fazer justiça pelas próprias mãos. O que nos faz pensar na existência de sectores da população ainda arreigada a costumes rudes, enquanto noutros indivíduos com hábitos de convivência e de organização produziam já alguns frutos do municipalismo.
Relevante parece-nos, também, a preocupação do outorgador em garantir o direito de propriedade ao mesmo tempo que atribui ao concelho o papel de governo local.
Como constatamos, a gravidade dos principais delitos está escalonada, tanto pela definição dos procedimentos a adoptar, como também pela graduação das coimas ou penalidades aplicáveis.
Tentemos, a partir do texto, de forma sucinta, reconstituir uma tabela de delitos, respectivas coimas e destinatários.
Coimas Delitos Destinatários
500 soldos
300 soldos
300 soldos
Expulsão como homiziado
300 soldos
300 soldos
300 soldos
300 soldos
60 soldos
60 soldos
60 soldos
40 soldos
30 soldos
20 soldos
10 soldos
10 soldos
5 soldos
1 denário
? Violação do direito de asilo
Forçar mulher
Violação de filha alheia
Prender homens de Penedono
Homicídio de homicida na casa deste
Abandonar o marido
Violar o domicílio com armas
Penhorar sem autorização do concelho (penhora indevida)
Ferir vizinho em público (mercado, igreja, concelho)
Descavalgar cavaleiro de Penedono
Ferir vizinho com espada
Ferir mulher alheia
Ferir vizinho c/ lança se o trespassar
Ferir vizinho c/ lança se não o trespassar
Ferir vizinho c/ espada em qualquer parte
Ferir vizinho, por cada chaga provocada
Abandonar mulher
Furto
Senhor de Penedono
A mulher e seus parentes
Ao palácio
Aos ofendidos
Aos parentes
½ ao marido; ½ ao palácio
½ ao dono; ½ ao palácio
Senhor de Penedono
Duplica os penhores ao dono
Ao concelho através do juiz
Ao ofendido
1/7 ao palácio
Ao marido
1/7 ao palácio
1/7 ao palácio
1/7 ao palácio
1/7 ao palácio
1/7 ao palácio
Ao juiz
Ao seu dono; ½ da multa ao juiz
Portagem é um tributo característico da Idade Média. Em Pena de Dono também se paga pela entrada de determinados produtos e animais.
O pão e o vinho são tributados por carregamento. Os animais só pagarão portagem se forem vendidos, apenas são referidos: cavalos, machos, bois, jumentos, carneiros, cabras e porcos.
Ficámos sem saber quais serão os produtos com livre circulação e a partir de que quan-tidade serão tributados, apenas nos é dito que de toda a portagem que vier a Pena de Dono receba a terça (parte) o estalajadeiro.
Assim: 3 mealhas – por carregamento de pão e de vinho; 1 soldo – pelo cavalo e pelo macho; 6 denários – pelo boi e pelo burro; 3 mealhas – pelo carneiro, cabra, o porco.
Tendo em conta o que dispõe o diploma, nos dias de hoje não é fácil descrever com segurança a sociedade da vila de Penedono em 1195. É uma tarefa do âmbito da Histó-ria de Portugal e do mundo medieval, exigindo o recurso a outras fontes.
A partir da leitura das disposições da carta, permitimo-nos arriscar que a sociedade de Pena de Dono, à data de 1195 – do ponto de vista da sua composição humana, hierár-quica e social e ainda das sanções jurídicas em que incorre – poderá ser apreendida neste foral.
Neste sentido, confrontámo-nos com o usufruto de estatutos por diferentes classes sociais, coabitando num mesmo espaço jurídico e económico; um espaço em que a lei estabelece: deveres, obrigações e privilégios.
Mas também uma sociedade a permitir-nos supor que busca garantias de segurança para os seus moradores; é um conhecimento que nos chega através das disposições que visam punir situações violentas, culminando no rouso e no homicídio.
Pelos delitos, coimas e respectivos destinatários, reconstrói-se uma sociedade onde, a par de gente rude, vivem pessoas indiciando um certo grau de civilidade que procura impor uma cultura municipalista.
São essas disposições que nos advertem para uma potencial justiça pelas próprias mãos, mas que se pretende desmotivar com um código de penas e de coimas.
O aspecto económico apreendemo-lo através da sua referência a produtos e da respectiva mercantilização, pelo seu valor como tributo ou imposto. A propósito de portagens, refere-se o pão de centeio e o vinho; também se menciona cavalos, machos, carneiros, cabras e porcos que serão tributados caso sejam vendidos, será, talvez, esse o modo de facilitar a actividade mercantil, bem como um estímulo à criação de gado.
A situação da mulher é particularizada, conforme a idade, o estado civil, a situação económica, o seu poder de iniciativa, virgem, está sujeita ao rapto e ao rouso. Pelas exigências judiciais, pertence-lhe comportar-se de certa maneira, na denúncia da violação. É indemnizada em moeda; não sabemos, contudo, em que medida a sociedade, a partir de então, a aceita ou rejeita. No casamento, pelo contrato celebrado, existe um dote que poderá condicionar o seu estatuto, posteriormente à separação; uma separação que não traz consequências iguais para o marido e para a esposa, já que, nessa situação se contabiliza o dote previamente dado ou recebido.
Dos produtos agrícolas conhecemos uns – cereais e vinha – mas subentendemos outros. Existirão os provenientes da pastorícia, uma vez que no foral, somos alertados para o direito de montado; não sendo exigido, contribuiria para o incremento das pastagens e dos rebanhos, logo, dos produtos derivados, nomeadamente a carne, as peles, a lã e o leite. O direito à propriedade é garantido.
Tenta-se conferir certa dignidade à pessoa, mediante recurso a condutas e a determina-dos preceitos, tornando-a credível.: o juramento, a fiança. É esta, também, uma sociedade de asilo, que acolhe estrangeiros e foragidos.
Finalmente uma sociedade organizada na perspectiva de atrair povoadores. É neste sentido que se procura conciliar atractivos e regalias com a oferta de um clima de segurança física e emocional; mesmo que essa segurança resulte de leis punitivas, quer dissuadindo, quer castigando.
Tudo o que afirmamos e mesmo muito do que nos escapa à percepção dos factos, cabe, afinal, nas virtualidades desta ancestral organização social e concelhia de Pena de Dono, no contexto local e regional.
Confirmações
O foral é outorgado no ano de 1233 da era de César, a que começou no ano 38 a. C., correspondendo, na era cristã, ao ano de 1195 (1233-38=1195).
D. Afonso II, em Trancoso, confirmaria esta carta, 1255; pela nossa era, em 1217 (1217+38=1255, da era de César).
O mesmo faria D. Manuel I, em Lisboa, a 27 de Novembro de 1512, conferindo-lhe o Foral da Villa de Pena do Dono. Todavia, a confirmação manuelina tem lugar num contexto político e social já bastante diverso. Em 1512, Portugal, na Península Ibérica, tem as suas fronteiras praticamente consolidadas e, por outro lado, estava envolvido numa política de expansão, através das descobertas e das conquistas marítimas. No Atlântico e no Índico.
Trata-se do Foral Novo, subscrito por Fernão de Pina. As rendas e os direitos anuais, devidos à Coroa, fixados em 2970 réis, deviam ser pagos pelos moradores e concelho ao alcaide do castelo da vila. Do gado miúdo (caprino e ovino) que sem licença entrasse nos montados, levaria o concelho um real por cabeça, o gado bovino pagaria 10 reais.
Então, D. Manuel I. tal como acontecera com o seu antecessor, D. João II, usufruía de uma convivência pacífica com Castela, em razão de longos períodos de conversações e, acima de tudo, de uma política de casamentos entre infantes de ambas as cortes, prati-camente, desde o nosso primeiro rei, com especial ênfase os reinados de D. Afonso III e do seu filho D. Dinis. Porventura, por isso, Penedono, como o vasto conjunto de vilas e castelos, não possuiria já a importância estratégica que detinha em 1195, na época de plena Reconquista Cristã e da afirmação de Portugal no contexto peninsular.
A confirmação de D. Manuel I insere-se na denominada reforma manuelina; esta preconiza a organização dos forais antigos, segundo uma nova lógica governativa que, nessa fase de expansão, procura reforçar o poder central em detrimento da dispersão de poderes senhoriais e concelhios.
Este foral de 1512 é substancialmente reduzido quanto ao texto, remete-nos, nos seus aspectos fundamentais, para o disposto no foral da Guarda que serve de padrão e de norma geral uniformizadora das cartas antigas, independentemente da sua matriz umbilical.
Subjacente à reforma manuelina, estará o objectivo de unificação das várias leis avulsas, no quadro do direito geral, banindo as especificidades e as normas instituídas nos termos do regime consuetudinário, visando, no essencial, o enquadramento de todos os municípios do reino no continente.
Glossário
Alcaide: Antigo governador de castelo ou província; oficial de justiça.
Almoxarife (do árabe): Ilustre, nobre, inspector, intendente. Caber-lhe-ia superintender em tudo que tocasse à fazenda da coroa no distrito que lhe fosse assinado. Aparece constituído em autoridade superior e juiz de recurso no que respeita aos reguengos, competindo-lhe, por vezes, a inspecção da portagem e o arrendamento dos bens perten-centes ao rei.
Alvazis: Magistrados municipais.
Anúduva ou adua: Rebanho de donos diferentes; pastagem comum; quinhão de águas regadas; imposto pessoal para fortificações e seus reparos.
Asilo (direito de): Direito a refúgio; a protecção.
Calumpnia: Calúnia, difamação, multa, processo de crime.
Expulsão: Acto de fazer sair à força, de afastar, desterrar, exclusão com ignomínia.
Exquisitio: Comprovação dos factos, mediante audição de testemunhas.
Fiadoria ou fiança (dar): Apresentar uma pessoa a fiador que dará garantia de cumpri-mento das obrigações assumidas; caução.
Fossadeira: Direito senhorial em que os peões teriam de cavar o fosso protector dos acampamentos e de o defender; tributo de carácter fundiário.
Fossado: Expedição de ataque militar.
Gado do vento: Nome dado, nos forais antigos, a toda a espécie de gado encontrado sem dono.
Homizieiro (como): Indesejado, malquisto, foragido, expulso, escorraçado.
Judieium: Julgamento
Juiz: Funcionário judicial. Entra nas coimas e nos pactos, isto é, intervém para julgar processos penais e contenciosos.
Lutuosa: Direito antigo pago ao rei, aos donatários ou aos prelados, por morte de vassalos. Imposto pago sobre os bens dos que morriam.
Manaria: Prestação sobre a transmissão de bens aos herdeiros das unidades de explora-ção (lutuosa), sobretudo quando o falecido não deixava descendentes directos.
Meirinho: Antigo empregado judicial; magistrado que governava uma comarca ou um território. Aparecem no reinado de D. Afonso III a inspeccionar as províncias em nome do rei.
Montado: Montadego ou mantádigo – um imposto que se pagava a certos senhorios para os gados pastarem nos seus montados.
Mordomo: Administrador; antigo magistrado encarregado de cobrar impostos, entregar citações e fazer execuções. As funções do mordomo são sobretudo duas: como agentes do ministério público em todas causas em que a coroa fosse interessada – crimes ou questões fiscais, fazendo citar os seus pelo porteiro de alcaide para responderem no tribunal municipal, e procederem à execução das sentenças proferidas nessas causas pelo tribunal municipal. Depois de aparecerem os almoxarifes ficaram os mordomos reduzidos a agentes subalternos, cobradores de prestações que correspondiam ao mordomo, que, por vezes, era arrendado.
Osas ou ossas: prestação sobre o casamento de mulher fora do domínio ou do senhorio; imposto que recai sobre viúvas que contraem segundas núpcias ou sobre maridos que deixem a esposa, retomando os bens que haviam partido com ela – as osas. É um imposto em dinheiro, sinal de que este imposto seria, à época, de carácter recente.
Ouvidor: magistrado judicial, geralmente nos senhorios particulares; intendente; mor-domo.
Padroado (direito de): Instituição económica e social neogoda; direito protector adquirido por quem fundava uma igreja; benefícios eclesiásticos.
Palácio: Significava o senhor que se limita a receber os impostos e a parte que lhe cabe das coimas arrecadadas pelo concelho (pelo juiz e alcaide). O palácio engloba as estru-turas através das quais o poder central se faz sentir localmente. O funcionamento do palácio é garantido pela actuação do saião e do mordomo.
Parada (direito de): Espécie de direito de extradição.
Parada (foro de): Obrigação de contribuir com alimentos ou dinheiro para a comitiva real. É um imposto para as despesas do palácio. Significa a dependência em relação ao rei. O valor da parada está fixado em géneros (2 pães, 1 almude de vinho e 1 almude de cevada).
Parte (de): A terça, a quinta, a sétima, etc, dos impostos ou coimas.
Peita: Quantia que, a cada contribuinte, cabia pagar na solução de determinados impostos.
Pelourinho: Coluna em lugar público de cidade ou vila, junto da qual os municípios exerciam a sua justiça; distintivo da jurisdição de um concelho e da sua autonomia. Tinham, também pelourinho os grandes donatários e bispos.
Pena de Sangue: Condenação, multa ou coima que se impunha àqueles que: espancavam, feriam ou matavam, ainda que o sangue não escorresse; aplicava-se também aos que proferiam palavras desonestas e injuriosas contra o seu próximo, por causa das quais lhes subia o sangue às faces.
Penhor: Objecto que se dá como garantia se um contrato ou de uma dívida; sinal; teste-munho; segurança; prova.
Penhora: Acto judicial pelo qual se tiram os bens em poder do devedor ou executado e pondo-os sob guarda da justiça para garantia de execução.
Portagem: Imposto que se cobra à entrada de algumas cidades e vilas ou pontes, por cargas ou passagens.
Prestimónio: Consignação temporária ou vitalícia dos rendimentos das igrejas para sustento de alguém.
Presúria: Apropriação das terras e demais instalações nas zonas ocupadas pelo avanço neogodo nas áreas dominadas pelos muçulmanos.
Primícia: Renda cobrada pela igreja sobre a produção cerealífera bruta.
Reguengos: terras da coroa habitadas por colonos, num Estado ainda próximo da escra-vidão. Em cada reguengo ou povoação reguengueira coroa mantinha os mordomos necessários à cobrança de réditos, e um vigário que geria a administração e ministrava a justiça.
Rousar (rausar): Roussar – raptar ou violar uma mulher.
Rouso (roussar): Acto ou efeito de roussar; violar.
Reivindicta: Vingança de uma vingança; desforra.
Saião: agente da justiça a quem competem funções judiciais e policiais, como a execu-ção de penhoras e a aceitação de fianças.
Sequestro: Depósito de um objecto litigioso em mãos de terceiros, por decisão judicial ou convenção das partes; pessoa a quem se confere um depósito; penhora; clausura.
Tributo: imposto; contribuição.
Penedono – das origens à afirmação concelhia
Resenha Histórica
Para esta resenha histórica teremos em conta fontes que, a partir das origens, nos reconduzem à afirmação de Penedono como concelho.
Não obstante serem citadas segundo a data em que vieram a lume, propomo-nos a um trabalho de investigação de um passado tão abrangente quanto possível e muitas vezes coincidentes. Todavia, sem que consigam eximir-se ao limite temporal que se esgota com o do próprio autor ou historiador.
Evitando omitir ou repetir conteúdos, tentaremos, assim, organizar os factos, não olvi-dando o já exposto relativamente ao período pré-histórico e subsequente ocupação do território hoje português, atrás analisado.
Em 1875, Pinho Leal julgamo-lo indispensável, por isso o citamos.
Villa, Beira Alta, cabeça do concelho do seu nome, na comarca de S. João da Pesquei-ra, 40 quilómetros ao O. de Pinhel, 40 de Lamego, 360 ao N. de Lisboa.
Tem 250 fogos. Em 1757, tinha 125 fogos, em duas freguesias. Orago, S. Pedro apósto-lo. Bispado de Lamego, distrito de Viseu.
Até ao princípio deste século, tinha a freguesia de S. Pedro, apóstolo (a que existe) cujo abade tinha de rendimento 270.000 reis, e era apresentado pelo padroado real. Tinha esta paróquia em 1757, 50 fogos.
O Salvador – era também o padroado real que apresentava o abade, o qual tinha 160.000 reis de rendimento. Tinha esta freguesia em 1757, 75 fogos. Está anexa à antecedente.
O concelho de Penedono é composto de 9 freguesias, todas no bispado de Lamego, são: Antas, Castainço, Granja, Ourozinho, Penedono, Penela, Póvoa e Souto – todas no bispado de Lamego e com 1700 fogos.
Segundo Pinho Leal, Está a vila edificada sobre um alto monte e é, com toda a certeza, povoação muito mais antiga do que a nossa monarquia, pois que, em 960, eram os cas-telos de Penedono, Trancoso, Moreira, Vacinata, Longroiva, Alcarva, Sernancelhe, Numão e outras propriedades de D. Flâmula como consta do seu testamento feito nesse ano.
Tem um castelo, que foi muito forte em outros tempos. Dentro do castelo existe uma torre onde está o relógio da vila.
Foi seu alcaide-mor Pedro Alvares Cabral de Lacerda, descendente de D. Fernando Afonso Correia, senhor de Farelães e de Valadares; Como se vê no Registo de D. João I. Teve um filho natural chamado António Correia. Foi filho deste Payo Correia, neto – António Correia, casado com D. Maria da Fonseca – o qual, sendo corregedor de Viana do Alentejo, fundou o convento de Santa Ana desta vila, em 1566.
Com justiça se ufana esta vila de ser a pátria do lendário Álvaro Gonçalves Coutinho, o Magriço, imortalizado por Luiz de Camões nos seus Lusíadas, canto VI. A esta lenda dos tempos cavaleirescos estará subjacente uma simples tradição, aproveitada por Camões para um dos mais belos episódios dos Lusíadas e que, retoma ao longo dos tempos por vários escritores, acabaria por se tornar verosímil.
D. Sancho I lhe deu foral, em 1195, o qual foi confirmado por D. Afonso II em Tranco-so, no mês de Outubro de1217.
Aos 27 dias do mês de Novembro de 1512, em Lisboa, D. Manuel I dá a Penedono a confirmação do foral de D. Sancho I (1195). Este foral manuelino enquadra-se naquilo que foi a reforma dos forais dos concelhos no reinado do dito monarca nas primeiras décadas do século XVI, forais novos. É um documento pouco extenso remetendo-nos, no essencial, para a carta da Guarda, de 1 de Junho de 1510, que serviu então de para-digma para vários concelhos da região.
O território deste concelho é abundante em cereais, produz muito bom vinho, frutas e legumes. Cria muito gado de toda a qualidade e nos seus montes há muita caça.
Outras informações, complementares, idênticas ou paralelas, estão fixadas no Dicioná-rio Chorográfico de Portugal Continental e Insular, Volume VIII, de 1943.
Vila e comarca de S. Pedro, sede de concelho de 3ª ordem e fiscal de 3º classe, comarca da Meda, distrito administrativo de Viseu, bispado de Lamego, relação de Coimbra, tendo pertencido à relação do Porto até à criação da de Coimbra.
Fez parte da circunscrição eleitoral nº 16, denominada Távora composta por este con-celho e pelos de Lamego, Armamar, Castro D´Aire, Moimenta da Beira, Resende, Ser-nancelhe, S. João da Pesqueira, Sinfães, Tabuaço, Tarouca, Penalva do Castelo e Vila Nova de Paiva.
Faz parte da sub-região agrícola nº 16, denominada Távora, composta pelos concelhos de Moimenta da Beira, Penedono, Sernancelhe e Aguiar da Beira.
Tem feiras: anual a 29 de Junho (S. Pedro) – escolhido para feriado do concelho; quinzenal, na quarta-feira a seguir ao primeiro domingo e 15 dias depois outra.
Há na área do concelho 3 minas, sendo duas de volfrâmio, denominadas Monteiroso (em Póvoa de Penela); uma de ouro, denominada Santo António, situada na freguesia da Granja.
A sua área é de 125,08 Km2.
Em 1839 aparece na comarca de Trancoso. Em 1852 na comarca da Meda.
O concelho é limitado a N pelo de S. João da Pesqueira; ao O pelo de Sernancelhe; a S pelo concelho de Trancoso; ao E pelo concelho da Meda (distrito da Guarda) e ao NE pelo concelho de Vila Nova de Foz Côa.
O movimento da população desta vila, até ao último recenseamento, é o seguinte, segundo o Padre Carvalho:
P. Car-valho 1708 350 fogos
2ª edi-ção 1868 250 fogos
Est. Parochia 1862 256 fogos 987 habitantes
Civ. 1864 987 habitantes
Censo 1890 291 fogos 1023 habitantes
Censo 1900 303 fogos 1170 habitantes
Censo 1911 306 fogos 1139 habitantes
Censo 1920 334 fogos 1159 habitantes
Censo 1930 296 fogos 1109 habitantes
Censo 1940 338 fogos 659 habitantes
Atendamos agora ao que, a propósito destas terras, lemos na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.
O primeiro lugar ocupado por estas terras na história é-lhe marcado pelo próprio nome da serra – Serigo – o qual sugere o nome pessoal Segerigo (Sigercus), isto é, orei da vitória, topónimo germânico, que se julga ainda usado no decorrer do século X; resultará da influência de povos germânicos na sequência das invasões da Península Ibérica, daqui destronando os romanos.
Não se sabe. Ao certo, a data da sua fundação; mas fará certamente parte do processo de povoamento regional que tem em conta um conjunto de aglomerados a que temos vindo a referir, e que visariam criar uma zona tampão às incursões muçulmanas, a Sul do rio Douro.
Em 960, D. Flâmula ou Chama Rodrigues, numa doação ao mosteiro de Guimarães, fundado por sua tia materna, a condessa Mumadona Dias, menciona entre outros caste-los os de Pena de Dono e Alcobria, com os vizinhos.
Pena de Dono, tratar-se-á certamente do actual Penedono cujo étimo é pena ou castelo roqueiro de um Domno ou Dono, nome usado no século X.
Alcobria será Alcarva, povoação a poucos quilómetros a nascente de Penedono e relativamente perto de Ranhados, Souto e de Meda.
Entre as penelas ou pequenos castelos sobre os rochedos deve colocar-se a actual Penela da Beira, pois Dona Chama cita: ordinamos nostros castellos cum alias penellas et popalaturas que sunt in ipsa strmadura omnia vindere et pró remédio anime nostre captivos et peregrinos et monasteria distribuere in ipsa terra (Dip. Et Ch., nº 18).
As antigas pobraduras ou povoados incipientes de D. Flâmula corresponderão a grande parte dos lugares e freguesias do actual concelho como, por exemplo, Bebeses, Póvoa, Valongo, Granja, Arcas, Ferronha, À-do-Bispo, Rio torto, Rio Bom, Risca, Trancosã, Ourozinhos, Antas e Mozinhos, sem colocar de parte que o lugar de um dos pequenos monasteros (mosteiros) poderia muito bem ser um situado neste último lugar (monges negros agostinhos).
D. Chama poderá ter herdado Penedono e o mais que tinha na região, através de sua mãe Leodegúndia Dias, que foi casada com o conde D. Rodrigo. No entanto, com as repetidas entradas de Almançor (avanços e recuos de cristãos e muçulmanos) esta região seria tomada pelos exércitos muçulmanos nos finais do século X.
Em 1055, Fernando I (O Magno), rei de Leão, apoderou-se definitivamente desta região, época em que o mesmo rei outorgou foral a S. João da Pesqueira e vilas circunvizinhas (1055-1065).
Após a tomada desta região aos muçulmanos, o mosteiro vimaranense organizou o inventário dos seus bens e, na Estremadura (região ribeirinha do Douro), lá figuram Penedono, Alcarva e outras povoações.
Penela recebeu então, nessa altura, o foral de Fernando Magno como modo de repo-voamento. Todavia, a Penedono só mais tarde seria outorgado foral e já em plena vigência da monarquia afonsina.
Talvez porque Penedono fizesse parte de domínio monástico até alguns anos mais tarde e Penela fosse domínio régio como Paredes, S. João da Pesqueira e Ansiães. Na verdade é que não há notícia de foral em Penedono antes de 1195.
Só no tempo de D. Sancho I (1185-1211), em 1195, e por este monarca, é que Penedono recebeu carta. Contudo, o concelho deveria existir, visto que, à data, não se diz ser criado, tratando-se, como finalidade, povoar o lugar, mediante o termos outorgados: vobis homines de Pena de Dono qui ibidem populatores estis per mandatum meum. Verifica-se que D. Sancho I (filho de D. Afonso Henriques e de D. Mafalda, nascido em Coimbra, em 1154, casado com D. Dulce, filha de D. Raimundo, conde de Barcelona), mandou povoadores para Penedono, sendo de crer que anteriormente tivesse obtido da coroa a posse total do lugar (doado a um mosteiro no século X e por este readquirido no século XI).
Em 1193, o dito rei aforara igualmente o Souto, a nascente de Penedono, ao fundo do monte que também cobre Alcarva e se chamava Fonte de D. Clara, ou Chama, no qual, porventura, se situara o castelo de Alcobria do século X. Bastante perto da antiga Medobriga romana (Ranhados).
Penela havia sido já repovoada por D. Afonso I, confirmando o foral de Fernando I de Leão. No ano de 1217, em Trancoso, D. Afonso II confirmou também os forais de Penela, do Souto e de Penedono.
As actividades agrícolas então mencionadas pela carta de foral de Penedono são as da terra fria que é característica de grande parte do concelho: o centeio, a castanha, o linho, o gado, a madeira. Só a partir da introdução do milho em Portugal no século XVI e da batata no século XVIII é que esta região terá modificado significativamente a sua produção e a sua dieta alimentar.
Por ser Penedono terra fria e húmida e rica em pastagens, produz bois para o trabalho que actualmente o concelho vende para outras regiões, recebendo vinhos da Meda e azeite de Foz Côa.
Continuando com a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, de grande interesse são também as memórias paroquiais de 1758, provavelmente o Padre António da Cruz Figueiredo.
Do cadastro da população do reino, elaborado em 1527, por ordem de D. João III, cons-ta que na vila de Penedono e seu termo havia então 468 moradores ou fogos, o que equivalia a cerca de 1500 habitantes. O lugar mais populoso era o das Antas, com 130 moradores, seguindo-se Castainço, com 85 moradores, a Beselga 82 e a Prova, com 78 moradores. A vila tinha 73 tinha 73 e Alcarva 48.
Da Vila e do Castelo
Esta vila não é murada; porém há nela uma tão celebrada como antiga torre situada em uns altos como arrogantes penhascos… Do tempo em que esta torre erigida não há memória certa, porque a sua edificação é tão antiga que… dizem ser feita pelos Godos, outros pelos romanos; e certo é que está feita de tal modo que não pode haver dúvida ser uma grande fortificação daqueles tempos, pois é feita de pedra miúda com arga-massa mais forte que o mesmo ferro. Tem cinco quinas, com cinco janelas de cantaria, e por dentro das paredes seus corredores, com escadinhas que sobem para o alto, em circuito das muralhas de que se achava cercada a mesma torre e com umas grimpas que delas se podia muito bem atirar e defender dos inimigos que acertassem ainda que fosse em distância pela sua grande altura e descobrimento, que não podia ser invadida com emboscada. Alguns moradores antigos desta vila ainda a conheceram com sobra-do, o que hoje não tem, mas sim uma cisterna sem água, por se terem demolido os aquedutos.
Achava-se cercada com seus fortes à maneira de praça de armas, dos quais somente existem, por fraguedos, ainda pedaços de grandes e largos muros, com baluarte e ata-laias de boa guarda, os quais muros fortes tinham sua porta que ainda existe, pequena, da qual se sobe para outra que tem a mesma torre, também pequena, e no frontispício as armas do conde que foi de Marialva. Tem muitas retretes antigas, com suas frestas pequenas, e hoje se acha na altura dela o relógio desta vila.
Da Vida Religiosa
Tratando-se agora do eclesiástico local, ainda no século XIII, no território do actual concelho apenas existiram as quatro paróquias de Penedono: S. Pedro, S. Salvador, Penela e Souto.
O abade de 1758 disse que a igreja paroquial de S. Pedro de Penedono foi edificada: com pouca distância fora da vila, e junto a um penhasco, combatida de todos os quatro vento, de tal forma que no tempo de Inverno é inaturável a sua habitação, pois como-damente se não podem fazer as funções sagradas pelo desabrido e rigor com que os ventos fazem a sua impressão.
Na freguesia de S. Pedro, dentro da vila, havia então as seguintes capelas: santa Maria, Santa Madalena, S. João Baptista (particular no sumptuoso e magnifico palácio de João Bernardo pereira Coutinho de Vilhena), Nossa Senhora do Desterro (particular) com obrigação de dar pousada aos peregrinos, Nossa Senhora do Amparo (logo adian-te muito perto de uma tão nobre como antiga torre [castelo] com que se vê adornada não só esta vila, mas todas as vizinhas), Santo António (particular).
Fora da vila e pertencente à mesma freguesia de S. Pedro há as seguintes capelas: S. Sebastião (do povo), Nossa Senhora da Conceição (particular), Nossa Senhora da Estrada (do povo), construída com esmolas.
Tem esta freguesia uma feira franca que se faz no mesmo dia do Santo, em 29 de Junho, que dura todo o dia e, somente, se faz junto ao adro da igreja.
Na paróquia de S. Salvador existiam as seguintes capelas: Santa Bárbara, Nossa Senhora da Estrela, Nossa Senhora do Carmo. Fora existiam: Santiago e a de Santa Eufémia (esta com feira e romarias famosas).
Já em 1758 as duas paróquias de Penedono se encontravam mistas, porém com as suas divisões, pelas quais se governavam os abades, para que não houvesse confusão de interesses e se registassem menos perturbações entre sacerdotes e populares.
Na primeira metade do século XVI, todas as matrizes do concelho – as duas da sede e as de Antas, Penela e Souto – eram apresentadas pelo conde de Marialva, D. Francisco Coutinho.
Uma vez extinta a linhagem do conde de Marialva, passariam para a coroa que, depois viria a ceder Antas e Penela.
Entretanto, a matriz de S. Pedro criou a paróquia de Alcarva e a matriz de S. Salvador estabeleceu a de Castainço e a da Granja.
A dado momento, identificadas que foram, com alguma dificuldade, as supracitadas memórias do abade de 1758, no manuscrito do Dicionário Geográfico, solicitaríamos ao Arquivo Nacional da Torre do Tombo a respectiva transcrição.
Trata-se de um texto original que nos permite não só integrar estes e outros excertos na implícita Descripção e Mappa geral de todas as couzas tanto ecleziasticas como seculares que há nesta villa de Penedono o qual Mappa, vai descripto, e notado na forma do extracto himpresso anno de 1758, como ainda complementando-os de acordo com a nossa sensibilidade, com a descrição da serra do Monte Cirigo e a breve descrição do Rio Torto (actualizando ortografia).
Do Monte Cirigo
Há uma serra a que chamam do Monte Cirigo deste concelho e vila de Penedono, que tem uma légua do Norte para o Sul, e o mesmo do Nascente para o Poente. Principia na saída desta vila e vai acabar no lugar das Antas, também deste concelho.
Na mesma, nasce um manancial de água no fundo de um rochedo para a parte do Nas-cente, onde chamam a Douroanna e logo por parte debaixo se acha um moinho que mói quase todo o ano, com o mesmo manancial que vai fenecer no Rio Torto quase um quarto de légua.
Acha-se nesta serra uns fossos a que nestas terras chamam vieiros (?) grandes que cortam quase a serra toda, uns que externamente se vêem, e outros por debaixo da terra pelos quais alguns homens animosos têm andado, e dizem ter minerais donde se tirava ouro e prata.
É povoada de mato a saber: giesta, piorro e rosmanos e em algumas partes se cultiva pão nas faldas da mesma serra onde também há castanheiros e carvalhos.
A qualidade do seu temperamento é o ser frigidíssima pela altura em que se acha.
Há nela muita abundância de caça: lebre, coelho, perdiz e muitos lobos e raposas.
Do Rio Torto
Na fonte do Mulo, com distância de duas léguas na estrada da vila de Trancoso, nasce o Rio Torto, que corre arrebatadamente pelos confins desta vila para a parte do Nas-cente e passa pela quinta do Bispo atrás notada, onde tem uma ponte de pau, que vai para a vila de Ranhados e por cima da mesma ponte estão três moinhos com quatro pedras de moer.
Vai a fenecer no Douro, com distância de quatro léguas, desta freguesia.
Dos Privilégios
A propósito da administração e organização lembremos que à estrutura hierárquica da sociedade portuguesa presidiram dois conceitos fundamentais e interdependentes: o de liberdade e o de privilégio.
Sendo que o primeiro significava a capacidade de escolher domicílio e dispor da própria pessoa; o segundo correspondia à fruição de direitos não concedidos aos restantes indivíduos.
À nobreza e ao clero – classes privilegiadas – opunha-se a massa populacional, generi-camente designada vilã.
Os privilégios dos nobres derivavam, sobretudo, do facto de o serviço militar constituir a sua exclusiva ocupação. Assim, de um modo geral, todo o nobre recebia estipêndio (soldada paga), em dinheiro, em doações de terras ou mediante concessão de rendimentos; estava isento do pagamento de quaisquer tributos; gozava do foro privativo, não podendo ser julgado pelos juízes comuns; finalmente, exercia jurisdição sobre os moradores não nobres das suas terras.
O clero usufruía de vastos privilégios como o de possuir um foro próprio e o de manter os eclesiásticos isentos de encargos fiscais; ainda o da isenção do serviço militar, sob a vigilância do direito canónico.
No tocante a privilégios concedidos ao concelho e a homens bons de Penedono refiram-se seguintes exemplos:
- D. Afonso V confirma ao concelho e homens bons de Penedono, todos os foros, graças, privilégios, liberdades e mercês outorgados e confirmados pelos reis antecessores.
- João Rodrigues, morador na vila de Penedono, nomeado escrivão das sisas gerais e dos vinhos dessa vila e seu termo, tal como ele foi por carta de D. João II, o beneficiário, haverá de mantimento anual cinquenta e cinco reais e um preto por cada milheiro até à quantia de mil reais. El-rei o mandou por Diogo Lobo do seu concelho e vedor da fazenda, Pêro Lopes a fez.
Para melhor leitura, e uma adequada inserção nas propriedades fundiárias, entre as quais ressaltavam vilas, aldeias e lugares, solicitámos a integral transcrição de três cartas de privilégio concedidas a Penedono, sendo respectivamente: uma da chancelaria do Infante Regente D. Pedro (tutor do Príncipe D. Afonso V, na menoridade deste), duas da chancelaria de D. Afonso V. Deveras interessante é a referência da doação de escravos africanos (preto) ao nomeado escrivão de Penedono, João Rodrigues. Não descortinámos nenhum desenvolvimento desse privilégio concedido por D. João II, no ano da morte deste monarca. De resto, na tradição social e cultural da região verifica-se uma total ausência de alusões à presença de escravos de origem africana.
À vila de Trancoso, confirmação de vários privilégios.
Âmbito e conteúdo
Apresenta inclusa carta de D. Dinis, feita por Lourenço Esteves da Guarda, em Santa-rém, a 26 de Janeiro de 1352 E. C. [1314 d. C.], mandando que continuem a fazer a feira na mesma data que costumam e que o Sabugal mude a data da sua. Apresenta inclusa outra carta de D. Dinis, feita por Lourenço Esteves da Guarda, em Lisboa, a 5 de Janeiro de 1349 E. C. [1311 d. C.]. Confirmação do foro do concelho defendendo que nenhum cavaleiro, dona, ordem, rico-homem ou qualquer outro possa haver, comprar ou ganhar alguma posição na vila e seu termo conforme já fora confirmado por carta de D. Afonso III. Apresenta inclusa ainda outra carta de D. Dinis, feita por Martim Anes, em Almada, a 15 de Março de 1314 E. C. [Sic - 1276 d. C., no entanto nesta data D. Dinis ainda não era rei]. Privilégio para os vizinhos de Trancoso não pagarem portagem quando vão moer aos moinhos de Celorico. Os alcaides de Celorico e aqueles que del-rei tinham essa terra cobravam portagem às bestas que levavam cereal a moer nos moínhos de Celorico. Fez-se inquirição e concluiu-se que só se cobrava portagem desde o tempo de Pero Esteves de Tavares. Apresenta inclusa ainda outra carta de D. Dinis, feita por Martim Anes, em Santarém, a 10 de Dezembro de 1347 E. C. [1309 d. C.]. Os clérigos de Trancoso e seu termo não querem pagar com o concelho a finta e a sacada que a el-rei se deve dos herdamentos que compraram. Manda-se que estes paguem. Apresenta inclusa carta em latim de D. Afonso I dada em Coimbra, a 14 de Novembro de 1203 E. C. [1165 d. C.] e feita pelo notário João Vicencio. Apresenta inclusa carta em latim de D. Afonso III, dada em Lisboa, a 8 de Agosto de 1311 E. C. [1273 d. C.]. El-rei o mandou por D. João de (?), seu mordomo-mor, por (...) Garcia de Pavia, e pelo chanceler Pedro. Apresenta inclusa carta de D. Pedro I, feita por Estevão Eanes, em Montemor-o-Novo, a 1 de Março de 1398 E. C. [1360 d. C.]. Confirmação da postura municipal proibindo a entrada de vinhos de fora sob pena do pagamento de 25 libras de coima por cada vez que se infringisse a postura, além dos prevaricadores serem obrigados a verter o vinho na praça. El-rei o mandou por mestre Gonçalo dos Decretais, seu vassalo. Apresenta inclusa carta de D. Pedro I, feita por Vasco Eanes de Lamego em Montemor-o-Velho, a 1 de Fevereiro de 1403 E. C. [1365 d. C.]. Quando cavaleiros, escudeiros e outros homens-bons estão de caminho e pousam em Trancoso pedem aos juízes da vila que lhes dêem roupa de cama, e estes solicitam-na ao rabi. Quando el-rei passou pela vila os judeus queixaram-se que a judiaria não tinha condições, o que não era verdade, para alojar a comitiva real por isso foram dispensados. Manda-se que daí em diante se guardem os privilégios do concelho e que os judeus alberguem os que a isso tiverem direito. El-rei o mandou por Afonso Domingues e João Gonçalves, seus vassalos. Apresenta inclusa carta de D. Pedro I, feita por Vasco Eanes de Lamego, em Montemor-o-Velho, a 1 de Fevereiro de 1403 E. C. [1365 d. C.]. A câmara tem arrendados os direitos. El-rei tem a receber 600 libras anuais; o alcaide 100 e 140 da colheita e a câmara ficava com uma perda de mais de 300 libras, por isso decidiu-se cobrar entre os moradores da vila e termo, só que muitos dos que tinham bens para pagar tinham privilégios que os isentava desse pagamento. Manda-se que fidalgos e seus homens que viverem nas suas herdades também sejam constrangidos a pagar. El-rei o mandou por Afonso Domingues e João Gonçalves, seus vassalos. Apresenta inclusa carta de D. Fernando I, feita Estevão Eanes na Golegã a 10 de de 1408. A vila está muito falida de companhas e que tem grandes encargos em fazer os muros, torres, barbacãs, cava, caramanchões e outras obras que el-rei mandou fazer; por isso pede quem ajude a fazer essas coisas. Manda-se que sejam constrangidos os moradores em Caria e Penalva para velarem e rodarem ajudando na construção e sofrendo os mesmos encargos que os moradores de Trancoso. Manda-se a Jurgo Geraldes, corregedor na Beira que faça cumprir. El-rei o mandou por Álvaro Gonçalves, seu vassalo e corregedor na Corte. Apresenta inclusa carta de D. João I, feita por Rodrigo Afonso na Serra da Atouguia a 19 de Agosto de 1445 E. C. [1407 d. C.]. Muitos cavaleiros, escudeiros e gente poderosa ia à feira que se realizava na vila, indo pousar nas aldeias do termo causando muito dano nos pães e nos vinhos dos aldeões e dano nos moradores da vila que não alqueavam suas casas com dantes o faziam. Proíbe-se pousar nas aldeias. Manda-se a Fernando Afonso de Lamecido, corregedor na Beira que faça cumprir. El-rei o mandou por João Mendes, seu vassalo e corregedor da Corte. Apresenta inclusa carta de D. João I, feita por Martim Vasques em Lisboa, a 18 de Outubro de 1446 E. C. [1408 d. C.]. Sobre uma querela entre os herdeiros de Gonçalo Vasques Coutinho, marechal, e o concelho de Pinhel sobre as aldeias de Santa Eufémia e Obreiro (?) e sobre outros bens e coisas que ele tinha na vila e termo, manda-se que essas aldeias passem para o termo de Trancoso com seus sesmos e divisões que partem de Freixial, termo de Trancoso com o termo de Pinhel; com herdade que Lopo Vasques tem em Santa Maria de Fornes; com outra herdade de Lopo Vasques em Espinheiro e com Santo Antão da Aveleira, juízo da diocese de Lamego. Manda-se a Fernando Afonso, corregedor na comarca da Beira que faça cumprir. Apresenta inclusa carta de D. João I, feita por João Pires, em Santarém, a 10 de Julho de 1435 E. C. [1397 d. C.]. El-rei nomeara uma pessoa de fora para o cargo de juiz, o que ia contra o costume. Licença para continuarem a eleger os juízes como sempre fizeram. El-rei o mandou por João Afonso de Santarém, seu vassalo, e por Rui Lourenço, deão de Coimbra, ambos seus desembargadores. Apresenta inclusa carta de D. João I, feito por Vicente Anes, em Évora, a 16 de Fevereiro de 1429 E. C. [1391 d. C.]. El-rei foi informado nas cortes gerais de Évora que alguns alcaides de castelos, cavaleiros, escudeiros e outras pessoas que trazem gente tomam bairros nos lugares onde estão os castelos e onde há moradores e pousam todo o ano e gastam roupas, ocupam casas e comem o alheio. Os alcaides obrigam a velar os castelos, o que deveria ser feito às suas custas. Manda-se que não se lhes dê bairros, pousada ou roupa e que estes vão para seus castelos, velando-os à sua custa, salvo aqueles que têm privilégio em contrário. El-rei o mandou por Rui Lourenço, deão de Coimbra licenciado em degredos e do desembargo real. Apresenta inclusa carta de D. João I, feita por Rodrigo Afonso no paço da Serra da Atouguia, a 11 de Setembro de 1445 E. C. [1407 d. C.]. El-rei foi informado que a vila recebia embargo de Fernando Afonso de Lamecido, corregedor na Beira, e dos que o acompanhavam por alturas da realização da feira franca. Manda-se ao corregedor que não vá à vila nos dois meses que antecedem e sucedem a feira (**). El-rei o mandou por João Mendes, seu vassalo e corregedor na Corte. Apresenta inclusa carta de D. Duarte, feita por Afonso Cotrim, em Estremoz, a 10 de Abril de 1436, dando licença aos homens-bons para, quando forem à festa de Santa Maria de Açores e a Santa Maria da Ribeira, poderem ir e regressar a suas casas em bestas muares de selas e freios, sem embargo da ordenação. Apresenta inclusa carta de D. Duarte, feita por João de Lisboa, em Lisboa, a 20 de Setembro de 1434. O concelho tem de pagar a el-rei anualmente de colheita, no dia de S. João Baptista, 140 libras na moeda antiga. Desta colheita nenhum morador da vila está escusado, embora alguns do termo se queiram escusar, gastando para isso mais dinheiro em cartas [pedindo ou justificando a escusa] que aquele que deveriam dar na colheita. Manda-se que antes de S. João se faça pregão e que ninguém seja escusado. El-rei o mandou por Pedro Afonso, escolar em leis, seu vassalo, do seu desembargo e juiz dos feitos. Apresenta inclusa carta de D. João I, feita por Vasco Gonçalves, em Évora, a 14 de Maio de 1435 E. C. [1397 d. C.]. O concelho sempre fora responsável pelas prisões até que el-rei mandou por juiz Gonçalo Eanes Carvalho. Posteriormente mandara aos juízes da vila tirar as prisões a Martim Fernandes, que fora alcaide, e entregá-las ao concelho, o que foi feito. No entanto, continuam a entregar os presos no castelo e não ao concelho. Manda-se que se faça como sempre se fez, que se entreguem os presos ao concelho. El-rei o mandou por Rui Lourenço, deão de Coimbra, licenciado em degredos e do seu desembargo, não estando aí João Afonso de Santarém, escolar em leis, seu vassalo e do seu desembargo. Apresenta inclusa carta de D. Fernando I, feita por Estevão Eanes, na Golegã, em 12 de Maio de 1408 E. C. [1370 d. C.], mandando que clérigos e fidalgos pagassem as talhas que o concelho lançara para fortificação da vila. El-rei o mandou por Álvaro Gonçalves, seu vassalo e do seu corregedor da Corte. Apresenta inclusa carta de D. Fernando I, feita por Afonso Pires, no Porto, a 17 de Julho de 1410 E. C. [1372 d. C.]. O concelho está na posse da portagem, mercê que lhe fora dada pelos reis anteriores. Assim cobra aos mercadores que transportam mercadorias que devam pagar se passarem água do Douro, de Távora, de Mogadouro e de Côa. Como os caminhos estão abusivamente embargados por Fernando Afonso e outros fidalgos a que el-rei dera algumas terras e por outros concelhos da comarca, manda-se que o concelho faça como sempre fez e que ninguém lhe embargue os caminhos ou seus portageiros. El-rei o mandou por João Eanes, seu vassalo e vedor da Fazenda. Apresenta inclusa carta de D. Afonso III. Pedro Gonçalves anotou, em Lisboa, a 21 de Abril de 1314 E. C. [1276 d. C.]. Manda-se aos tabeliães de Trancoso que informem os juízes e oficiais dos concelhos de Marialva, Ranhados, Numão, Pena de Dono, Lomgroiva e Moreira que não embarguem as portagens nem os homens de Trancoso que delas tratam, sob pena de 500 soldos. El-rei o mandou por Afonso Soeiro, sobrejuiz. Confirmada em Évora a 12 de Junho de 1497, feita por João de Ferreira. É o treslado em linguagem corrente da carta apresentada à confirmação. Apresenta inclusa carta de D. Afonso III, feita pelo notário Pero Pais, em Lisboa, a 30 de Abril de 1314 E. C. [1276 d. C.] Manda-se aos tabeliães de Trancoso que informem os alcaides e concelhos de Marialva, Ranhados, Numão, Penedono, Lomgroiva, e Moreira que não embarguem as portagens nem os homens de Trancoso que delas tratam, sob pena de 500 soldos. El-rei o mandou por Afonso Soeiro, sobre-juiz. Apresenta inclusa carta de D. Afonso III, feita pelo notário João Vicente em Coimbra, 13 de Novembro de 1303 E. C. [1265 d. C.]. Os ricos-homens e cavaleiros quando passam por Trancoso pousam nas casas, celeiros e adegas, tirando de suas casas os vizinhos e filhando-lhes à força palha, roupas de cama e lenha. Proíbe-se tal sob pena de perderem as terras que têm del-rei e de pagarem 500 soldos. El-rei o mandou por D. João de Aboim, mordomo da corte, pelo Chanceler e outros do seu concelho. Apresenta inclusa carta de D. Afonso, feita pelo notário Pero Pais, em Lisboa, a 8 de Agosto de 1311 E. C. [1273 d. C.], mandando fazer uma feira anual na vila de Trancoso. A feira deverá começar oito dias antes do dia de S. Bartolomeu e durar 15 dias. Todos os que forem comerciar à feira são seguros nos oito dias anteriores e nos 30 posteriores, salvo por dívidas contraídas na feira. Compradores e vendedores pagarão na portagem o que tiverem de pagar. El-rei o mandou por D. João de Aboim, mordomo da corte, por Rui Garcia de Pavia e pelo Chanceler. João de Ferreira a fez (*). Tristão Luís corrigiu e concertou.
Do Concelho e suas Freguesias
Penedono – concelho e distrito de Viseu, diocese de Lamego e comarca de S. João da Pesqueira.
O concelho de Penedono, até ao triunfo da revolução liberal de 1820-1834, englobava as freguesias de Antas, Beselga, Castainço, Granja, Ourozinho e Penedono.
Quanto à Póvoa, a Penela e ao Souto, acabariam por integrar o restaurado concelho de Penedono.
O julgado de Penedono foi suprimido (ficando a existir o concelho), por decreto de 23 de Dezembro de 1873.
O Inventário dos Registos Paroquiais mostra que Penedono, vila e sede de concelho, este extinto entre 7 de Setembro de 1896 e 13 de Janeiro de 1898 e que todos os registos: baptismos, casamentos, óbitos, entre 1763 e 1886, 15 volumes, se encontram no Arquivo Distrital de Viseu.
Em 1898 decretou-se a restauração de alguns concelhos. Com efeito, o Diário do Governo de 13 de Janeiro de 1898, emanado do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino, Direcção Geral da Administração Política e Civil – 1ª repartição, dá-nos conta dos concelhos restaurados e freguesias que os constituem, bem como dos concelhos a que pertenciam as mesmas freguesias, entre eles figura Penedono.
Tendo em vista conciliar, tanto quanto possível, as comodidades dos povos e os supe-riores interesses da Administração do Estado o Presidente do Concelho de Ministros, Ministro e Secretário d´Estado dos Negócios Eclesiásticos e de Justiça, tendo em conta a salvaguarda de direitos e encargos, assim decidiram:
- São restaurados os concelhos mencionados no Mapa I, ficando constituídos com as freguesias que no mesmo mapa lhes são respectivamente designadas.
- Nos concelhos restaurados no Art.º 1.º instalar-se-ão comissões nomeadas.
- Nos concelhos restaurados, voltarão à situação que ocupavam à data da extinção os empregados administrativos e municipais que actualmente estiverem adidos a outras repartições e os que requererem para voltar.
Aos Concelhos Restaurados Reverterão
- Os móveis, utensílios e valores afectos a serviços municipais estabelecidos na mesma freguesia.
- Os edifícios e estabelecimentos municipais com suas dependências, mobílias e arqui-vos.
Ficam a Cargo dos Concelhos Restaurados:
- As pensões dos empregados aposentados, antes ou depois da extinção dos concelhos.
- Os expostos e crianças desvalidas e abandonadas, existentes à data da publicação do presente diploma.
- Os encargos de empréstimos contraídos até à data da extinção.
- A quota-parte que competir aos concelhos restaurados nas dívidas passivas dos con-celhos de que são desmembrados, contraídas depois da extinção dos concelhos.
O município de Penedono, disperso pelas respectivas freguesias, dispõe de um valioso património arquitectónico, arqueológico, social, cultural, histórico e religioso.
Sendo que feiras, festas e romarias estabelecem uma comunhão indissociável entre o religioso e o profano; são festas que se estendem de Março a Setembro.
No concelho de Penedono iniciam-se com a romaria de Nossa Senhora da Cabeça, nas Antas, que abre o calendário litúrgico e terminam em Penedono, a 16 de Setembro, com a festa e romaria de Santa Eufémia.
Porém é na primeira quinzena de Agosto que se concentram as festividades da maioria dos santos venerados no concelho…
CARTA DE ANTÓNIO DE ALMEIDA, CORREGEDOR DE PINHEL, DANDO CONTA A D. JOÃO III QUE ESTANDO NAQUELA COMARCA FAZENDO AS DILIGÊNCIAS QUE O REI LHE ORDENARA SOBRE COUDELARIA, LHE VIERAM DIZER OS JUÍZES DE ALMENDRA QUE À DITA VILA VIERA UM PROCURADOR DE D. ANTÓNIO COUTINHO FAZER A DITA DILIGÊN-CIA, QUE SENDO A TERRA DA COROA LHE NÃO QUISERAM OBEDECER COMO TAMBÉM POR NÃO TRAZER PROVISÃO RÉGIA.
NOTIFICAÇÃO AOS JUIZES, CONCELHO E HOMENS BONS DA VILA DE PENEDONO, MERCÊ A PERO ÁLVARES, AÍ MORADOR, DO OFÍCIO DE PROCURADOR DO NÚMERO DO DITO LUGAR, PORQUANTO, HAVENDO NELA TRÊS TABELIÃES, NÃO HAVIA PROCURADOR NEM HOMEM QUE SOUBESSE REQUERER A JUSTIÇA DAS PARTES LITIGANTES.
A BARTOLOMEU AFONSO, MORADOR NO LUGAR DE PROVA, TERMO DA VILA DE PENE-DONO, MERCÊ DOS BENS MOVÉIS E DE RAÍZ, QUE VALIAM ATÉ DOIS MIL E QUINHENTOS REAIS, QUE FICARAM PARA A COROA POR MORTE DE BEATRIZ EANES, HÁ CERCA DE DOIS OU TRÊS ANOS.
POR CARTA DIRIGIDA AOS JUÍZES, CONCELHO E HOMENS BONS DA VILA DE PENEDONO, SIMÃO DE PROENÇA, MORADOR NO LUGAR DAS ANTAS, É NOMEADO TABELIÃO DO JUDICIAL DDA REFERIDA VILA.
POR CARTA DIRIGIDA AOS JUÍZES, CONCELHO E HOMENS BONS DE PENEDONO, FONTE ARCADA E DE CERNANCELHA, JOÃO PIRES, MORADOR EM FERREIRIM, DO TERMO DE FONTE ARCADA, É NOMEADO PROCURADOR DO NÚMERO DOS REFERIDOS LUGARES E SEUS TERMOS.
JOÃO RODRIGUES, MORADOR NA VILA DE PENEDONO, NOMEADO ESCRIVÃO DAS SISAS GERAIS E DOS VINHOS DESSA VILA E SEU TERMO, TAL COMO ELE ATÉ AQUI FOI POR CARTA DE D. JOÃO II.
A SEBASTIÃO MARTINS, MORADOR EM PENEDONO, TERMO DE MONTALEGRE, FOI FEITA MERCÊ DO OFÍCIO DE RECEBEDOR DAS SISAS DE MONTALEGRE, COM O QUAL TERÁ DE MANTIMENTO EM CADA UM ANO DO QUE AS RENDAS RENDEREM À RAZÃO DE 60 REAIS POR MILHEIRO ATÉ 3 MIL REAIS.
A D. FRANCISCO COUTINHO, CONDE DE MARIALVA E DE LOULÉ, DOAÇÃO DAS DÍZIMAS DAS SENTENÇAS DE CASTELO RODRIGO E SEU TERMO, DE MARIALVA E SEU TERMO, DA VILA DE PENEDONO E SEU TERMO, DO CONCELHO DE CARIA E SEU TERMO, DA VILA DE FONTE ARCADA E CERNAN(CELHE(, DE PENELA, VALONGO, S. MARTINHO DE MOUROS, MONDIM, VELOSO, TAVARES E DA VILA DE NUMÃO E DE MOREIRA.
LUÍS CORREIA, ESCUDEIRO MORADOR EM PENEDONO É NOMEADO ESCRIVÃO DAS SISAS DOS CONCELHOS DE PENEDONO E DO SOUTO, ASSIM COMO FOI JOÃO RODRIGUES, JÁ FALECIDO.
LUÍS DO VALE NOMEADO RECEBEDOR DAS SISAS DE PENEDONO A PARTIR DE 1518.
ÁLVARO ANES, MORADOR EM RANHADOS.
BARTOLOMEU AFONSO, MORADOR NA PROVA, TERMO DA VILA DE PENEDONO [ACTUALMENTE, MEDA].
A DIOGO ÁLVARES MERCÊ DO OFÍCIO DE ESCRIVÃO DAS SISAS DA VILA DE PENEDONO.
CARTA DE MERCÊ DO CARGO DE PROCURADOR DOS CATIVOS DE PENEDONO, CONCE-DIDA POR D. FILIPE I A AMARO FERNANDES
REQUERIMENTO DE PEDRO SIMÃO, DE PENEDONO
INSTRUMENTO COMPULSÓRIO EM PÚBLICA-FORMA COM A CONFIRMAÇÃO DA POSSE A D. LUÍS COUTINHO, DAS IGREJAS DE SÃO JOÃO DA RAIVA E SÃO SALVADOR DE PENE-DONO
CARTA DE POSSE PELA QUAL D. LUÍS TOMARA O PADROADO DA IGREJA
DE SÃO PEDRO DE PENEDONO, SENDO SEU PROCURADOR CRISTÓVÃO DE MATOS
CARTA DE POSSE PELA QUAL O INFANTE D. LUÍS TOMARA O PADROADO DA IGREJA DE SÃO SALVADOR DE PENEDONO, BISPADO DE LAMEGO, SENDO SEU PROCURADOR CRIS-TÓVÃO DE MATOS
CARTA DE ARRENDAMENTO FEITO PELO CONDE DE MARIALVA A JOÃO DE LUCENA, FEITOR, DOS FRUTOS DA IGREJA DE SÃO SALVADOR DE PENEDONO, BISPADO DE LAMEGO
TOMÉ DA COSTA DE VARGAS
ANTÓNIO RIBEIRO
ANTÓNIO RIBEIRO
(D.) MARIA DE ALMEIDA
MARIANA DE LEMOS
MARTINHO DE FIGUEIREDO CABRAL
FRANCISCO DE MELO SOARES
PEDRO FREIXINO LEITÃO
MANUEL ESTEVÃO DE ALMEIDA E VASCONCELOS QUIFEL BARBARINO
ANTÓNIO DE ALMEIDA COUTINHO E LEMOS
JOSÉ BERNARDINO RIBEIRO
DILIGÊNCIA DE HABILITAÇÃO DE BALTASAR DA FONSECA (PADRE)
INQUIRIÇÃO A RESPEITO DA IGREJA DE SANTIAGO DE LEOMIL E DE SÃO SALVADOR DE PENEDONO
INVENTÁRIO DE EXTINÇÃO DO CONVENTO DAS CHAGAS DE LAMEGO DE VISEU
INVENTÁRIO DE EXTINÇÃO DO CONVENTO DE NOSSA SENHORA DA RIBEIRA DE SER-NANCELHE DE VISEU
CORRESPONDÊNCIA RECEBIDA DO DISTRITO DE VISEU
CUMPRIMENTOS DA COMISSÃO DA UNIÃO NACIONAL DE PENEDONO.
COMISSÕES DE FREGUESIA DOS CONCELHOS DO DISTRITO DE VISEU.
CORRESPONDÊNCIA COM A COMISSÃO CONCELHIA DE PENEDONO [DISTRITO DE VISEU]
"UM SÓ PAR DE BOTAS"
Administração Local – Almocreves
Os almocreves, na Idade Média, foram a “coluna vertebral” das comunicações interiores. A economia dos concelhos foi indissociável da acção dos almocreves. Em Portugal apresentaram-se de início entre uma estrutura desorganizada, basicamente assente em iniciativas particulares, mas atingindo uma expressão bastante estruturada nos séculos XIV e XV.
Os almocreves adaptaram-se aos percursos internos mediante as condições dos solos, criando mobilidade e a rapidez possível numa muito deficiente rede vial. Por caminhos vicinais, procurando atalhos iam estabelecendo trilhos de intercomunicabilidade. Neste território começou por se generalizar a utilização da besta de carga, caminhando entre estradas e veredas. Para percursos de grande distância, adoptaram rotas definidas, formando caravanas constituídas por animais de carga. Nas zonas montanhosas as bestas muares eram preferidas dada a sua robustez e capacidade de adaptação aos acessos difíceis. Se cada animal suportasse uma carga dorsal até ao máximo de duzentos e cinquenta quilos seria óptimo. Para cada género de carga dependia muito do trilho a percorrer, bem como a distância a efectuar. Para grandes distâncias um considerável número de almocreves utilizava apenas uma besta, pelo que ele próprio se fazia transportar pelo animal em parte do percurso.
A aplicação da ferradura teve o mérito de aumentar a resistência das montadas, sobretudo daqueles que eram menos dotados para caminhos íngremes e acidentados, nomeadamente éguas e cavalos, animais mais sensíveis a esforços exagerados e caminhadas nocturnas. A utilização de carros de bois possibilitava o transporte de maior volume de carga. Porém eram necessários caminhos largos e, por outro lado, eram vagarosos e mais acessíveis aos ataques de salteadores. De facto, a insegurança dos almocreves foi sempre um problema que motivaria os soberanos a ditar normas tendentes a proteger os caminhantes e transportadores de e para as feiras e mercados. Todavia, mais difícil era proteger os almocreves que no quotidiano se dedicavam ao transporte de mercadorias.
Em Portugal a dimensão do território não teve a expressão de outras nações europeias e as condições do piso primavam pela irregularidade, o transporte no Inverno tornava-se ainda mais difícil pelo facto dos caminhos serem, então, praticamente todos de terra batida e, por isso, intransitáveis em tempo de chuvas em que os arroios, ribeiras e rios dificultavam a passagem a vau, já que as pontes e pontões eram escassos e localizados. A comprovar esses entraves citemos um documento de 1 de Abril de 1482. “ (...) a entrada do dicto lugar esta huu camjnho que vay da egreia pera logar que esta mujto mall corregido e que no tempo do jnverno he tall que com lama e atoleiro nenhuãs pesoas se nom podem per elle seruir nem pee nem de cauallo, nem com boys nem com carros (...)”
Os almocreves que utilizavam bestas de carga tinham ainda a facilidade de, por atalhos e veredas, abdicar dos caminhos reais e, ao mesmo tempo, não danificar terras alheias, sobretudo semeaduras que se utilizassem carros e carretas certamente não deixariam de prejudicar. Essa situação foi comprovado por uma reclamação apresentada pelo concelho de Montemor-o-Novo, nas cortes de Lisboa de 1490, na qual se exprimia que “ (...) dicta villa e moradores della reçebem grandes perdas (...) pellas herdades dos senhrios e as danificam com caminhos que fazem comendolhe suas coutadas (...)”
O almocreve na Idade Média transportava mercadorias e, ao mesmo tempo, realizava os seus próprios negócios, transformando-se num mercador. A sua função era mais ampla e não estava vinculada a nenhuma classe particular. O almocreve prestava serviço tanto a clérigos e a fidalgos como a mercadores ou funcionários, servia a todos sem geralmente depender de nenhum. Tanto se conluiava com produtor rural como com mercador da urbe.
Socialmente os almocreves encontravam-se numa posição modesta. O Regimento das Profissões de Évora mostra-nos, num quadro de dezoito categorias profissionais pertencentes ao povo, que apenas se situavam no décimo terceiro lugar.
Todas as localidades do país com um mínimo de importância dispunham dum corpo de almocreves indispensáveis ao seu abastecimento. Competia ao almotacé das localidades garantir o número consignado de almocreves, procedendo à substituição de todos os elementos que por qualquer motivo abandonassem a actividade. No século XVI a cidade de Lisboa dispunha para seu serviço interno de cerca de cento e cinquenta almocreves.
Havia uma real preocupação por parte dos habitantes dos concelhos no sentido de que os mesmos fossem visitados pelos almocreves. Em carta de 10 de Outubro de 1365, D. Pedro I aludia ao facto do concelho de Cabrela se despovoar progressivamente em vir-tude dos almocreves deixarem de percorrer o percurso da dita localidade. Já D. Afonso V tinha determinado que os almocreves deveriam utilizar estabelecidos caminhos régios e não outros, de modo a não deixarem de visitar algumas localidades. O não cumprimento da norma de D. Afonso V obrigava ao pagamento de multa.
O grosso das mercadorias que os almocreves transportavam a longa distância era geralmente mencionado pelos forais. A sua portagem e sisas aplicadas, cujo valor económico ia além do mercado regional ou do termo, por exemplo, visavam: vinho, azeite, sal, mel, cera, peixe e frutas secas.
Para o transporte de algumas mercadorias consideradas preciosas, os almocreves esta-vam sujeitos a regras bem definidas segundo as quais eram obrigados a respeitar sob pena de severas punições no caso do não cumprimento. As mais rigorosas prendiam-se com o transporte do sal. “ (...) almocreue que leua sal e nom ueem dizer ao rendeiro e escrpuom da casa (...), ficava sem (...) esse sal e as bestas em que o leuam (...)”
Por vezes certas atitudes da administração local penalizavam os almocreves, aplicando-lhes duplo pagamento. Uma queixa dos moradores de Palmela, nas cortes de Lisboa de 1498, mostra-nos como os almocreves que vendiam trigo, apesar de possuírem as respectivas certidões reais de venda, ainda eram coagidos a um pagamento suplementar, às portas de Setúbal.
Os preços em que orçavam o transporte nem sempre tinham um valor uniforme. Contudo, uma norma estabelecida pela coroa em 12 de Março de 1477, D. João II, impunha algumas regras. “ (...) que das bestas maiores alem do que lhe he hordenado se lhe dar por dja ciquo rreais e as bestas asnares se lhe dar por dja tres rreais (...)”
Para efeitos do pagamento de serviços, os almocreves cobravam valores estipulados em duas épocas anuais. A primeira de Abril a Setembro e a segunda de Outubro a Março. Os fretes do último período sofriam um acréscimo de 25%, relativamente ao primeiro. Essa discrepância de valores teria certamente a ver com condições objectivas de transporte, ou seja, na época de Inverno as chuvas tornavam os caminhos lamacentos e os dias mais curtos obrigavam a que se caminhasse durante a noite, correndo maior perigo face aos frequentes ataques de salteadores. A divisão do ano tinha, pois, a ver com as condições climatéricas, evitando o Inverno, e, acima de tudo, com a data da realização da maioria das feiras cujo sucesso só poderia ficar garantido com a existência de um número suficiente de almocreves.
É provável que essa regulamentação já vigorasse em épocas anteriores. Todavia, falta confirmação documental concreta que o comprove. Em 1454 um documento demonstra que foram entregues “(..) mais de IX rreaaes a huu almoqreue que em huuã sua besta trouue a arca da fazenda dEuora a Santarem (...)” Anos atrás, em 1451, entregaram-se “(...) quatro mil e trezentos e oitenta reaes a certos homens que com suas bestas acaretaram cento e nove moios de pam de Carnide a Lixboa, do que nos emprestou o arcebispo que foy de Lixboa e outras pesoas (...)”. Foram também entregues “(...) seis mil cento e sassenta reaes a Afomso Anes almocreve por careto de noventa e seis moyos dezaseis alqueires de pam que com ssuas bestas acaretou dos rregengos de Ribamar a Carnide pera se pagar o que nos asy enprestaram a rrazam de sessenta e quatro reaes e meyo (...)”
A actividade de almocreve permitia que o indivíduo usufruísse de alguns privilégios e, mais do que isso, uma certa liberdade, bem mais atractiva do que a vida de trabalhador rural. De facto, o almocreve transportava mercadorias por sua conta e tinha ainda a possibilidade de contactar com mercadores distintos. Este intercâmbio tornava o almocreve uma peça importante na economia pelo que tanto a coroa como a administração local lhe reconheciam essa função, conferindo-lhe benesses como incentivo recoveiro.
Não raras vezes a administração local dirigia pedidos de isenção militar para os seus almocreves, alegando nas cortes a necessidade de os manter em actividade no sentido de fornecerem populações nomeadamente nas feiras. Eram em grande número ilibados de dar hospedagem e dispensados de servir o reino com as suas bestas para outros fins que não os inerentes à sua actividade, em detrimento dos lavradores que se viam obrigados a incorporar campanhas militares, utilizando as suas montadas, nomeadamente cavalar.
Por outro lado, estavam os almocreves sujeitos a perigos de roubo e até de assassinato, mediante os constantes assaltos que grupos organizados perpetravam, saindo-lhes ao caminho. No sentido de constituírem maior segurança, os almocreves habitualmente deslocavam-se em caravana, protegendo-se mutuamente.
Acerca dos perigos a que os almocreves estavam sujeitos abundam documentos que nos dão conta da insegurança que as suas famílias sentiam com a ausência do dono da casa e ainda mais relativamente a emboscadas que os próprios sofriam pelos caminhos do reino.
De entre a numerosa casuística podemos destacar alguns casos como o do almocreve João Afonso Faiscas e seus companheiros quando transportavam odres de vinho no dorso das suas montadas com destino a Ceuta. Foram assaltados por homens de Gomes Ferreira, cavaleiro, que lhes deram “ (...) muytas paacadas” e lhes aprouue (...)”. Situação semelhante verificou-se com os almocreves de Entre – Douro – e – Minho, os quais em 1456 transportavam “carregas dazeite” adquirido no mosteiro de Santa Cruz de Coimbra. Naquela região foram atacados por indivíduos “ (...) que os queriam acuti-lar e matar e tomar o dito azeite que asi leuauam nas ditas carregas (...). ”
As linhas comerciais de peixe e sal do Norte, Centro e Sul estendiam-se pela via litoral cujos centros disseminavam a partir do Porto com saídas principais dirigidas a: Guimarães, Chaves, Bragança, Lamego e Guarda, através de Viseu e, por fim, a via para Sul, para Coimbra. Entre Porto e Coimbra, Aveiro era servido por Coimbra, tendo aquela também ligação directa a Lamego e Viseu. De Coimbra saía a via em direcção a Santarém com percursos para Buarcos e Leiria. Santarém, no seguimento central para Lisboa, ramificava-se o maior cruzamento de vias dirigidas a Marvão, Arronches e Montemor-o-Novo, prosseguindo pelo centro do Alentejo até Faro cujas ligações se estabeleciam com Setúbal, Évora e Elvas. De Beja chegava a ligação a Setúbal, Lagos, Faro e Tavira e partia para Noudar e ia a Évora, conforme figura in Baquero Moreno, A Acção dos Al
A título exemplificativo aqui transcrevemos um documento de 28 de Novembro de 1435, relativo a privilégios concedidos a almocreves a Sul do rio Tejo.
Priujlegios dos almocreues
Dom Eduarte e ect. A quantos esta carta virem fazemos saber que os almocreues mora-dores na cidade dEuora e na ujla dEluas e de Beia e doutros lugares e comarcas dantre Teio e de Odiana nos mostrarom huã carta delrrey dom Joham meu senhor e padre cuja alma Deus aia da qual o theor tal he.
Dom Joham e ect. A uos jujzes, uereadores, e procuradores e himens boons de Setuual e a outros quaaesquer que esto ouuerem de ueer a que esta carta for mostrada saude sabede que a nos foe dicto que os almocreues e outros pesoas que hi trazem pam e outros mantijmentos e mercadorias recebem de uos muitos agrauos em tal guisa que per aazo dello leixam hi de vijr e se uaao a Palmella e a Couna e a outras partes, da qual cousa se segue perda aas nossas rendas e a terra nom há tam compridamente o que lhes faz mester, os quaees agruos som estes.
Item quando pera nos ou pera cada huu de meus filhos ou pera outras aluãs pesoas som tomadas bestas pera suas cargas, que uos nom curaes de dar as bestas do lugar e termo e daaes as dos de fora parte que veem com as dictas mercadorias.
E outrossy os que trazem pam pera uender e ho põe no paaço dessse concelho honde se acostuma de se uender. E muytas uezes que o nom podem tam asinha uender. E por leuarrem o pescado ao tempo da uenda aos lugares dondeo ham de leuar leixam o dicto pam encomendado ao paaceiro e aalguãs outras pesoas pera lho auerem de uender deuagar e uos nom lho querees consentir e mandaes que lhe nom leixem tirar cargas do lugar, a menos de uenderem per ssy o dicto pam, nem qurees consentir que outrem por elles o uendem.
E por esto se segue a elles perda e esso medes aas nossas rendas. E de sy aos da terra onde elles ham de leuar o pescado. E por aazo desto nom som serujdos como lhes cum-pre e a nos as cousas som odiosas.
Porem nos mandamos e defendemos que daquj en diante quando ouuerdes de dar bestas pera cargas nossas ou dos jffantes meus filhos ou doutras quaeesquer pesoas que as nom dedes, sauo as dos moradores dessa villa e termo e nom dos que hi vierem de fora parte.
E outrossy quando alguus trouuerem pam pera uender e o leixarem em essa vila que o logo nom uendam que os leixem tirar suas cargas do pescado e doutras mercadorias se as leuar quiserem posto que o dicto pam nom seia vendido.
E que leixees vender o dicto pam a quaaesquer quando quiserem. E estas cargas lhe leixem assy leuar com tanto que elles paguem os djreitos primeiramente que theudos som de pagar. Umde al nom façades. Dante em Santarem xxiiij dias do mês dabril elrrey o mandou per Gonçallvez do seu conselho e uedor da sua fazenda ano do nascimento de nosso senhor Jhesu hrispto de mjl iiijxxx anos.
E ora nos enujarom dizer que os Jujzes e homens boons de Setuual lha nom querem gardar dizendo que nom he confirmada per nos. Pedindonos que lhe ouuemos sobre ello remedio.
E nos visto seu requerimento e como a dicta carta he muy proueitosa a toda gente e a nossas rendas e djreitos e os dantre Teio e Odiana seerem mjlhor seujdos de pescados e do que lhes cumprir do dicto logo de Setuual, teemos por bem e mandamos aos dictos Jujzes e homens boons da dicta ujla que a cumpram e guardem e façam cumprir e guardar com na dicta carta e em esta nossa confirmaçam he contheudo. Umde al nom façades. Dante em Almeirim xxbiij de nouembro elrrey o mandou Ruy Lopez a fez era de mjl iiijc xxxv anos.
Administração Local – Feiras e Mercados
A administração local, muito diversificada, estava praticamente a cargo dos grandes donatários, civis e religiosos, das organizações concelhias.
O estudo da administração local, durante a Idade Média, reveste-se de muitas dificuldades devido à insegurança das fontes, do tipo de administração usada, com características que passamos a expor.
O Direito ou Lei não se encontrava ainda escrito ou compilado. Predominava, por isso, na administração o Direito Consuetudinário ou de costume, não fixado pela escrita, transmitido de geração em geração, pela tradição oral, de onde resultaram desmandos e abusos, em virtude das várias interpretações. O Direito estava longe de ser uniforme, variando em todo o território, consoante o costume de cada localidade. As primeiras leis gerais só apareceram com D. Afonso II (Cortes de Coimbra de 1211) e não cobriam toda a matéria jurídica.
Existiam várias jurisdições estanques, assim eram foros:
- O dos ricos homens nas suas terras;
- O dos mosteiros e mestrados das ordens;
- O foro eclesiástico que abrangia todo o clero secular;
- O das organizações concelhias variava.
A inexistência de um funcionalismo qualificado impedia o exercício de uma administração pública eficaz.
As condições de Reconquista em que se formou o Reino, o que fazia com que os reis alienassem a administração local às entidades regionais – os grandes donatários leigos e eclesiásticos que possuíam as principais parcelas do território, e os magistrados dos concelhos que passaram a gozar de larga independência, cometendo abusos em que o rei era chamado pelo povo a corrigir.
Tornava-se necessário aguardar pela fase em que a Conquista e defesa do território não seriam problemas tão prementes para que se passasse a reorganizar a administração pública local. Esta medida passava pela restrição dos foros privativos dos grandes donatários e das grandes fundações; reprimindo abusos, fortalecia-se o poder real. É nesta linha de actuação que têm lugar as Confirmações de D. Afonso II a D. Dinis, as Inquirições a partir de 1220 (com D. Afonso II), a que já fizemos referência.
Essas leis, embora com objectivos diferentes, permitiram:
Recuperar o património régio, alienado pelas muitas doações;
Reprimir os abusos do clero, da nobreza e mesmo de certos concelhos;
Consolidar a autoridade real sobre todo o território.
Nesta luta pela centralização do poder, a organização concelhia, principalmente através dos seus representantes nas Cortes, seria um importante contributo para os intentos reais, denunciando os abusos e as prepotências dos grandes donatários.
No contexto desta economia de base rural lembremos que o povo incluía uma série de categorias sociais em que se dividia a população não nobre e não eclesiástica, e que as suas relações económico-sociais quanto à produção, nos domínios senhoriais, eram de três tipos:
As que se caracterizavam pela circunstância do camponês, do peão, não ter qualquer estabilidade, sendo admitido a cultivar uma determinada parcela de terra de uma entidade senhorial, ano a ano, poderia ser despedido no termo do ciclo anual, terminadas as colheitas;
As que envolviam um contrato antecipadamente fixado, podendo atingir dezenas de anos – o emprazamento. É um contrato por duas vidas, já que perdurava até ao faleci-mento do último cônjuge;
As relações que estabeleciam a fruição perpétua das terras, por parte do camponês que as cultivava – terras foreiras sendo os usufrutuários designados de foreiros.
Para além dos servos ligados à terra ou em torno do Paço ou do Solar, coexistiam os trabalhadores livres – rurais ou não – os artífices, os mercadores ambulantes que, teoricamente livres, estavam, contudo, presos a contratos de arrendamento precário ou de trabalho assalariado. Restava-lhes, porém, uma vantagem, a de poderem adquirir alguma terra ou, eventualmente, mudarem-se para as áreas dos concelhos onde seria mais viável uma promoção económica e social.
As Feiras
Neste contexto, refira-se o desenvolvimento económico de fim do século XIII e primeira metade do século XIV no que concerne à política agrícola de D. Dinis. Com esta opção pretendemos justificar a protecção régia à agricultura e expor as condições que presidiram à criação de feiras medievais. Nascidas da necessidade de promover a troca de produtos entre o homem do campo e o da cidade, vila ou burgo – o ponto onde se concentrou a vida mercantil de uma época em que a circulação das pessoas e das mercadorias era dificultada pela falta de comunicação, pela pouca segurança das jornadas e pelo excesso de portagens e peagens
Favorecidas pelas festividades e cerimónias de culto – romarias, peregrinações – as feiras foram importantes centros mercantis como: centro de tráfico, um meio de cobrar impostos e de fortalecer o poder real; meio de desenvolvimento das normas jurídicas de aperfeiçoamento de crédito e de aproximação entre comunidades.
Como meio de cobrar impostos, as feiras constituíam fontes de receita para o fisco, pelos vários impostos que sobre elas incidiam. Todas as mercadorias trazidas para serem vendidas na feira pagavam portagem e todos os direitos que pertenciam à coroa, nomeadamente:
Os que incidiam sobre as transacções – a dízima e a sisa;
Os que provinham do aluguer de lojas e da licença de venda cujo pagamento era da responsabilidade de vendedores ambulantes;
Os que resultavam das penas pecuniárias, em razão de contendas e delitos que directa-mente se relacionavam com a feira.
Eram entraves fiscais que, em grande parte, dificultavam o comércio interno e até pre-judicavam o desenvolvimento económico dos concelhos.
Um facto que motivaria grande pressão por parte dos concelhos, principalmente durante a 1ª dinastia, no sentido de obterem do soberano a franquia da sua feira.
As feiras francas, embora instituídas desde o fim do século XIII, seriam parcimoniosa-mente concedidas. Só quando se tentava remediar a escassez de população de uma localidade ou insuflar-lhe nova vida, quando decadente, ou de a engrandecer é que o monarca concedia à feira a respectiva franquia.
Só a partir da 2ª dinastia é que se generalizou a concessão de feiras franquiadas bem como a isenção da meia sisa.
As feiras, para além de contribuírem para a melhoria das relações económicas e jurídi-cas, constituíram uma oportunidade de expansão do homem e do seu instinto de sociabilidade.
Com efeito, era nas feiras que se obtinham notícias, tanto do que acontecia pelo mundo, como do resultado das colheitas de regiões circunvizinhas, permitindo o cavaquear do povo.
Assim, as diversas populações poderiam falar das respectivas experiências aventurosas em lugares longínquos e usufruir do companheirismo do peregrino e do jogral; percor-rendo com eles estradas, eventualmente conducentes a Santiago de Compostela, Roma, Oriente, partilhando lendas que entreter-se-iam a contar.
Graças às feiras melhorariam, pois, os meios de comunicação, o estado das vias danifi-cadas e, consequentemente, o aspecto de certas vilas e de seus equipamentos, quer reparando-os, quer construindo-os, por exemplo os chafarizes.
Em síntese: foram as romarias e as feiras que, através da manutenção de reuniões regulares, permitiriam que o povo satisfizesse, simultaneamente, as suas necessidades religiosas e profanas.
Contudo, nem tudo eram regalias concedidas às pessoas que iam às feiras; algumas medidas coercivas foram introduzidas nos diplomas. Em alguns concelhos como nos de Viana, Caminha e Marialva, respectivamente em 1286, 1291 e 1437, obrigavam-se os moradores a vender os produtos na própria feira, não o podendo fazer em qualquer outra ou a comparecerem na feira, mesmo que nada tivessem para comerciar.
Marialva teve carta de feira de três dias, dada por D. Dinis, a 4 de Novembro de 1286.
No reinado de D. Duarte, em 1437, seria estabelecida nova carta após um interregno de mais de uma dezena de anos, mediante o cumprimento de uma determinada pena cuja abolição solicitariam em virtude da pobreza dos moradores face aos elevados tributos.
Os diplomas régios garantiam protecção e segurança aos feirantes e às suas mercadorias, isenção de penhora e de perseguição, durante o período da feira e ainda, uns dias antes do início e algum tempo depois de terminar. A este propósito, atentemos a feira de Ranhados de 1299: “ (…) E mando e outorgo sob pena dos meus encoutos que neguu nom será ousado que faça mal nem força nem embargo na dicta feira, nem aaquelles que aa dicta feira ueerem (…)”.
Podemos concluir com Virgínia Rau que “ (...) em Portugal, a concessão de feiras não foi um elemento de desintegração política ou social, não favoreceu a dissolução pro-gressiva das prerrogativas do poder real (...)”
A feira estava aberta a todo o comércio como cada ponto de mar à navegação.
O mercado tinha apenas uma influência local ou regional.
Uma diferenciação entre feira e mercado parece oportuna, sendo que as feiras mais antigas apareceram no século XI e não se ligavam aos pequenos mercados do século IX.
As feiras, como vimos, constituíam o ponto de reunião periódica de mercadores de profissão, enquanto o mercado local visava prover à alimentação corrente da população existente no local.
As feiras eram centros de troca por grosso, onde se procurava atrair, fora de qualquer consideração local, o maior número de pessoas e produtos.
Quase todas as cartas de feira portuguesas marcavam o prazo da feira em relação a uma festa da igreja, quer fosse a Páscoa, a natividade da Virgem, o corpo de Deus, ou o dia de S. Pedro, S. Miguel, S. João, S.ª Iria, ou S. Bartolomeu.
O pedido feito pela vila de Almendra a D. Afonso V, em 1441, para obter uma feira franca, concomitante com a romaria fazia-se na vila à milagrosa “(...) casa muy solempne de sancta maria (...)”, indica-nos que muitas feiras tiveram o seu berço junto à capela de algum orago particularmente venerado.
Todavia, se, por um lado, a igreja procurava atrair as populações para os santuários, usando o chamariz da feira, por outro lado, tentou opor-se a que se fizessem ao domingo, mercados e feiras. Defendia a preservação do acto dedicado ao serviço religioso, separado dos afazeres mercantis. Esta é uma informação observada, entre outros documentos, numa imposição, em 1332, do Bispo de Lamego que proíbe o mercado dominical de Lamego. Em 1408, D. João I também transferiu para a primeira segunda-feira de cada mês a feira que se fazia ao domingo em Aguiar da Beira.
As feiras da Idade Média surgiram quando o mundo ocidental saiu do entorpecimento e da estagnação económica em que estivera mergulhado durante o domínio islâmico e o período de grandes pestes, avassaladoras na Europa.
As feiras favoreceram o desenvolvimento de muitos aglomerados urbanos. No entanto, em Portugal, a feira ou o mercado não terão sido a origem das cidades nem do regime municipal. Pois havia muitas localidades onde se realizaram feiras regulares e que jamais se teriam constituído em centro urbanos de relevo. Os comerciantes portugueses concentrados nos centros urbanos do litoral, particularmente no Porto e em Lisboa, antes do século XV, alimentaram e estimularam um movimento mercantil e marítimo que conduziria Portugal à expansão no Oceano.
Logo que a segurança e os privilégios que lhe pertenciam se alargaram a todo o país, a feira declinava a favor do comércio permanente, substituindo-se o comércio errante pela loja e intensifica-se o comércio marítimo.
Porém as feiras não foram só grandes centros de tráfico de mercadorias, foram também os locais onde se desenvolveu e aperfeiçoou o sistema de crédito, quer na sua forma comercial, quer na sua vertente bancária. Foram elas que lançaram os homens num caminho contínuo em direcção às grandes realizações económicas do mundo moderno.
A feira mais antiga de Portugal, que tenhamos conhecimento, foi a de Ponte de Lima. No foral concedido por D. Teresa, em 1125. Ainda durante o século XII refira-se a importância de outras importantes no Norte de Portugal, por exemplo a de Melgaço e a de Constantim. A sua concessão fazia parte integrante dos estatutos municipais, mas, enquanto neles as referências aos mercados eram frequentes, eram raras as menções relativas a feiras.
D. Afonso III multiplicou o número das feiras, ampliando-se as garantias e os privilé-gios jurídicos concedidos aos feirantes e às suas mercadorias e o couto régio fixou-se em 6000 soldos, além de se estabelecer que qualquer roubo feito acarretava a pena de restituir em dobro aquilo que tivesse sido furtado. A feira apareceu como um privilégio concedido nos forais, mas a carta de feira é que constituiu o diploma por excelência da instituição dessa modalidade de reunião mercantil.
Assim, as cartas de feira surgiram como diplomas autónomos e diferenciados. D. Afonso III, ao facilitar e fomentar o comércio interno por meio da instituição de feiras, teve também a preocupação de aumentar os recursos populacionais de determinadas localidades e engrandecer os réditos da coroa.
Durante o reinado de D. Dinis activou-se o impulso dado anteriormente. O Entre Douro e Minho, a Beira e até o Alentejo cobriram-se de feiras. Apareceram as feiras francas, dadas a povoações de importância diversa, por vezes em antagonismo com prerrogativas municipais.
Com D. Fernando perdeu-se parte da protecção dispensada ao comércio interno, pois as sucessivas guerras com Castela prejudicaram o comércio ambulante dos feirantes nacionais e estrangeiros.
A revolução de 1383-85 teve como consequência fazer avultar a protecção real aos mesteirais e mercadores e as feiras ressentiram-se da nova orientação da coroa. Todas as cartas de feira outorgadas por D. João I transmitiam uma preocupação mais vincada de salvaguardar os interesses das localidades mais próximas daquela onde se instituía uma feira e de favorecer o tráfico mercantil interno, mediante franquias e privilégios. Os feirantes alcançavam vantagens consideráveis durante o período em que se realizavam certas feiras franqueadas. Era-lhes concedido andarem armados nas feiras, servirem-se de qualquer montada de sela ou de albarda, não serem constrangidos a qualquer serviço, nem os seus animais serem tomados para cargas, não só durante o tempo da feira, como também quando para ela iam ou quando dela regressavam. As imunidades jurídicas eram igualmente ampliadas. Os mercadores e feirantes não seriam demandados ou presos por qualquer dívida, salvo se ela tivesse sido contraída na própria feira. Os corregedores e meirinhos, tanto da corte como do reino, só eram autorizados a aparecer nas feiras como compradores ou vendedores, nunca para fazer correição.
A partir de meados do século XV notam-se alguns indícios de decadência das feiras. Avolumavam-se as queixas apresentadas em cortes, através de diversos concelhos pelo que algumas feiras definhavam e outras quase se extinguiam. O povo atribuía tal deca-dência à acção dos rendeiros que abusavam na aplicação das sisas.
Durante os reinados de D. João II e de D. Manuel I foram numerosas as cartas que con-firmavam os privilégios de feiras anteriores e algumas apareciam relativas a feiras então recentes. Ainda no reinado de D. João III, em 1528, se concederam privilégios de feira franca ao duque de Bragança, em Vila Viçosa.
No entanto, podemos considerar o fim do século XV como o período de enfraquecimento da importância das feiras. Elas haviam deixado de ser os únicos, ou os mais importantes centros de tráfico. As cidades e as vilas serviam mais adequadamente os interesses e as necessidades económicas da comunidade.
No século XVIII ainda se instituíram feiras. Em 1720 criou-se no Porto uma feira franca de fazendas e animais. Em 1776 realizou-se em Oeiras, durante três dias, uma feira a que podemos chamar a primeira feira ou exposição industrial portuguesa.
Tipos de Cartas de Feira
De acordo com a representação de Virgínia Rau (fig.), foi a Norte do Mondego que se verificou maior incidência cuja fundação corresponde ao índice do povoamento do território. Como se pode observar a zona fronteiriça tinha maior contemplação.
No respeitante à região Centro/Sul, atentemos nas seguintes feiras: Torres Vedras – 1293 (D. Dinis); Santarém – 1302 (D. Dinis); Salvaterra de Magos – 1434 (D. Duarte); Alcácer do Sal – 1439 (D. Afonso V); Sintra – 1460 (D. Afonso V).
Sintra - 1460
Teve feira franca anual de cinco dias, a começar dois dias antes da festa de Santo António e acabar dois dias depois, dada por D. Afonso V, em 1460, e confirmada por D. Manuel, em 1497.
Os privilégios desta carta são do tipo da de Tomar de 1420.
Torres Vedras - 1293
Carta per que El Rey mandou fazer feeyra na villa de Torres uedras
Dom Denis pela graça de Deus Rey de Portugal e do Algarue. A quantos esta carta vyrem faço saber. Saude Eu mando fazer feeyra na vila de Torres uedras e que a come-çem a fazer prymeyro dia de Mayo cada ano e dure ata primo dia de Junho. E mando que todos aqueles que veerem a essa feyra per razõ de uender ou comprar seiam seguros dida e de vynda que nõ seiam penhorados en meu Reyno por nenhuuã diuyda que deuam en aqueles dias en que durar essa feyra nem en aqueles dous dias que veerem primeyros des que sayr essa feyra. E ponho tal encouto sobrestos que quem quer que mal fezer aaqueles que essa feyra ueerem que peytem A mjm sex mil soldos e dobre todaquilo que filhar a seu senhor. E todos aqueles que veerem a essa feyra com sas merchadias paguem A mjm e a todos meus successores a mha Portagem e todolos outros dereytos que deuerem a dar dessa feyra. E mando que a Reynha dona Beatriz mha madre aia en ssa vida a dicta Portagem e dereytos dessa feyra. En testemonyo desta cousa dey aos Aluazziis e ao Conçelho de Torres uedras esta carta per rogo da dicta Raynha mha madre. Dante en Lixboa vinti dias de Março. El Rey o mandou pelo Chançeler. Manuel eanes a fez. Era de mil e trezentos e trynta e huu ano.
Carta per que aia feira o concelho de Torres uedras
Don Denís pela graça de Deus Rey de Portugal e do Algarue A quantos esta carta Viren faço saber que eu querendo fazer graça e merçee Ao Concelho de Torres uedras mando que aía hy feira en cada huu ano que esse começe primeiro dia de Junyo e dure Ata primeiro dia de Julho por que mando e deffendo que nenhuu nõ faça mal nen força a nenhuu daqueles que aa ffeira ueeren nen nos prendan nen penhoren por díuida que deuan nen por outra cousa en quanto A ffeira durar e viijº dias dante da ffeira e oyto depoís que a ffeira saír. E este tempo lhys outorgo para poderen hír e uijr seguros com sseu pero que se nõ entenda en esta segurança os que ouuessen fecto triçõ ou Alyue ou ffossen meus degrdados. Nen outro ssi nõ sse entenda que nõ seian penhorados polas díuidas e pelos preitos que na feira fezeren E qualquer que en outra guisa penhorasse ou prendesse ou ffezesse outro mal aaqueles que aa feira ueeren en uijndo Aa feira e estando en ela e nos oyto dias dante e oyto depoís ficaría por meu enmíjgo e peitaría os meus encoutos de seis mil soldos e corregería en dobro o mal e a penhora e o desaguisado que a qualquer deles fezess. E mando aos Tabaliõees dos logares que lhys den testemunyos do desaguisado que lhís outros Alguuns fezeren. En testemunyo desto mandey dar ao Concelho de Torres uedras esta mha carta Dante en Torres Vedras xxbiijº dias dabril El Rey o mandou Johâ dominguis a ffez. Era. Mª. CCCª. Lvjª. Anos Steuã da guarda.
Feira Franqueada em Tomar (carta tipo)
Dom Joham pella graça de deus Rey de portugal e do algarue e senhor de cepta a quan-tos esta carta virem fazemos saber que nos emsembra com o Jffante duarte meu filho primogenjto herdeiro em os dictos regnos auendo por nosso serujço e bem da nossa terra damos poder e lugar e licença ao Jffante dom anrrique meu filho regedor da hordem de nosso senhor Jeshu christo e duque de viseu e senhor da coujlhãa que elle mande fazer e se faça em cada huu anno em a sua villa de tomar huã feira franqueada a qual se comece de fazer aos v. Dias despois da pascoa da sureiçam e dure ataa xv dias primeiros segujntes E queremos e mandamos os que aa dicta feira vierem comprar e uender quãsees quer cousas que seiam as que hi trouuerem a uneder e se hi nõ derem assy os que as cousas uenderem como os que as comprarem / non paguem mais que a metade da sisa posto que os que as dictas cousas comprarem ou uenderem seiam moradores da dicta villa de tomar ou de seu termo ou outras quaaes quer partes que seíam E esto nom se entenda em vinho que se uenda atauernado nem em carne que se uenda a talho Mandamos que destas duas cousas que se pague toda a sisa em cheo Outrossy mandamos que aos que aas dictas feiras vierem que lhe nom seiam tomadas suas bestas de seella nem dalbarda pera nenhuãs cargas que seiam nem elles nom seiam constrangidas pera nenhuã serujdom em quanto aa dicta feira vierem e em ella andarem e pera suas casas tornarem Outrossy mandamos que os que aadicta feira vérem nom seiam presos nem acusados nem demandados por nenhuus malleficios em que seiam culpados se esses malleficios nom forem daquelles em que nos mandamos que se guardem os coutos do stremo saluo se esses malleficios forem fectos em no dicto lugar ou termo ou fectos nouamente na dicta feira que por taaes malleficios como estes mandamos que seiam presos e se líurem per seu djreito Outrossy mandamos que os que aa dicta feira vierem nom seiam citados nem demandados por nenhuãs diujdas que deuam nem por heranças nem por outra nenhuã cousa a que seiam theudos e obrigados saluo se forem diujdas de cousas que comprarem ou uenderem na dicta feira Outrossy mandamos que os que aa dicta feira vierem em quanto a dicta feira andarem Outrossy possam andar em a dicta feira em quaees quer bestas que lhes prouuer nom embargando a nossa defesa e hordenaçam que em contrairo desto he feita Outrossy mandamos e defendemos aos nossos corregedores e meirinhos assy da nossa corte como dos nossos regnos que nom uãao aa dictafeira por fazer correiçom nem a façam em a dicta feira se a lla quiserem hir que uaao comprar ou uender se lhes prouuer e nom por outra nenhuã cousa E em testemunho desto mandamos dello seer fecta esta carta asignada per nos dante em tentugal dous dias doutubro el rrey o mandou joham afomso a fez era de mjl iiijc lviij annos.//
Quadro Cronológico das Primeiras Feiras
Ano Localidade Periodicidade por ano Duração em dias
1205 Vila Nova de Famalicão 24 1
1229 Vila Mendo 3 8
1255 Guarda 1 15
1258 Guimarães 4 4
1260 Covilhã 1 15
1261 Beja 1 15
1262 Penamacor 1 15
1262 Elvas 1 15
1272 Vila Real 12 3
1272 Bragança 1 15
1273 Trancoso 1 15
1273 Montalegre 12 3
1273 Monforte do Rio Livre 12 2
1273 Torres Novas 12 3
1275 Évora 1 15
1277 Anciães 12 15
1281 Castelo Mendo 1 15
1281 São João da Pesqueira 12 1
1282 Valença do Minho 2 15
1284/5 Moncorvo 1 30
1284/5 Leiria 1 15
1286 Marialva 24 3
1286 Viana 12 1
1287 Celorico 1 15
1288 Ourique 1 30
1289 Mesão Frio 1 15
1289 Arronches 1 15
1290 Miranda do Douro 2 15
1291 Caminha 12 3
1291 Loulé 1 15
1292 Lamego 1 30
1293 Torres Vedras 1 30
1294 Vila Flor 12 1
1295 Alfândega da Fé 12 3
1295 Sernancelhe 12 8
1295 Alvito 1 15
1299 Ranhados 12 1
1301 Vila Boa de Montenegro 12 3
1302 Moura 1 15
1302 Gaia 1 30
1302 Santarém 1 30
1304 Murça 12 2
1305 Trevões 12 1
1305 Monção 24 1
1307 Prado 24 1
1307 Freixo de Espada á Cinta 12 1
1307 Vouzela 12 3
1308 Aguiar da Beira 12 3
1308 Monsanto 12 15
1315 Borba 1 15
1316 Olivença 1 15
1323 Terena 1 15
1373 Castelo Rodrigo 12 1
1377 Coimbra 1 30
1390 Castelo branco 1 15
1390 Sertã 1 15
1391 Amarante 12 ?
1392 Viseu 1 30
1401 Fonte Arcada 12 1
1404 Caria 12 1
1407 Fe 15 1
1412 Barcelos 1 15
1412 Salzeda 1 9
1417 Pena 12 ?
1420 Tomar 1 15
1426 Montemor-o-Velho 1 15
1433 Penela 1 3
1434 Salva Terra de Magos 1 8
1441 Almendra ? ?
1442 Pombal 1 ?
1445 Tarouca 1 7
1460 Sintra 1 5
1463 Estremoz 1 1
1467 Pedra Danta ? ?
Feiras cuja data exacta de fundação se desconhece (datas supostas)
1125 Ponte de Lima 24 ?
1181 Melgaço ? ?
1196 Constantim ? ?
1258 Ferrarias ? ?
1258 Porto ? ?
1289 Chaves 12 2
1295 Mogadouro 12 3
1295 Mirandela 12 3
1296 Sabugal 1 15
1307 Braga 24 1
1307 Ourém 1 8
1369 Vila Pouca de Aguiar ? ?
1379 Abrantes ? ?
1404 Prado 12 1
1413 Ladario 1 30
1417 Alcácer ? 1
1427 Monte da Santa ? ?
1439 Batalha ? 1
1468 Lanhoso ? 1
Feiras Criadas no Reinado de D. Dinis
Castelo Mendo – 15 dias, de 23 de Abril a 8 de Maio.
Celorico da Beira – 15 dias, a partir de 24 de Maio.
Vila Real – 15 dias, a partir de 15 de Agosto.
Arronches – 15 dias, a partir de 15 de Maio.
Mesão Frio – 15 dias, a partir de 10 de Julho.
Loulé – 15 dias, a partir de 8 de Setembro.
Leiria – 15 dias, 7 dias antes de S Maria (Agosto) + 15 dias.
Alvito – 15 dias, a partir de 15 de Agosto.
Sabugal – 15 dias, 8 dias andados de Julho.
Moura – 15 dias, a partir de 15 de Agosto.
Monsanto – 11 dias, 26 de Junho (3+8 dias).
Borba – 15 dias, 8 dias antes de Santa Maria (Setembro).
Olivença – 15 dias, a partir de 1 de Setembro.
Terena – 15 dias, de 24 de Agosto a 8 de Setembro.
Ourique – 30 dias, de 15 de Abril a 15 de Maio.
Lamego – 30 dias, 8 dias antes dos Ramos + 1 mês.
Torres Vedras – 30 dias, de 1 de Maio a 1 de Junho.
Beja – 30 dias, a partir de 15 de Agosto.
Gaia – 30 dias, a partir de 28 de Outubro.
Santarém – 30 dias, a partir de 11 de Julho.
Torre de Moncorvo – 30 dias, 15 dias antes da Páscoa a 15 depois.
Valença – 15 dias, 15 dias antes da Páscoa e a partir de 15 de Agosto.
Mirando do douro – 15 dias, 1 de Outubro e a partir de 1 mês, após a Páscoa.
São João da Pesqueira – 1 dia, 8 dias antes de cada mês.
Vila Real – 1 dia, 3º dia do mês, pela de Chaves.
Caminha – 1 dia, 3 dias andados de cada mês.
Ranhados – 1 dia, 1ª segunda de cada mês.
Trevões – 1 dia, última semana do mês, excepto Agosto.
Freixo de Espada à cinta – 1 dia, 8 dias andados de cada mês.
Valença – 1 dia, 1ª quarta de cada mês.
Valadares/Melgaço – 1 dia, 12 dias andados de cada mês.
Chaves – 2 dias…
Murça – 2 dias, 12 dias por andar de cada mês.
Vila Flor – 3 dias, 15 dias andados de cada mês.
Mirandela – 3 dias, 3 dias após a de Alfândega da Fé.
Mogadouro – 3 dias, 3 dias antes da de Alfândega da Fé.
Alfândega da Fé – 3 dias, 3 dias andados de cada mês.
Vila Boa de Montenegro – 3 dias, 3 dias após calendas.
Trancoso – 3 dias, 3 semanas andadas de cada mês.
Vouzela – 3 dias, a 15 de cada mês.
Aguiar da Beira – 3 dias, 1º domingo de cada mês.
Montalegre – 3 dias, de 25 a 28 de cada mês.
Sernancelhe – 8 dias, 8 dias andados de cada mês.
Viana – 1 dia, de 15 em 15 dias.
Monção – 1 dia, na semana oposta à de ponte.
Braga – 1 dia, referida na de Prado.
Prado – 1 dia, na quinta-feira a seguir à feira de Braga.
Leiria – 3 dias …
Marialva – 3 dias, dia 20 de cada mês + 3 dias.
Olivença – 1 dia, cada semana, à segunda-feira.
Ouguela – 1 dia, cada semana, à segunda-feira.
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